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Aumento de 700% faz pão se tornar artigo de luxo na Argentina

11/07/2013 10h57

Na mesa dos argentinos nunca faltou carne nem pão, duas das grandes paixões do país. Mas a ida às padarias é cada vez menos frequente e o produto está se tornando artigo de luxo, com o aumento de mais de 700% no preço do pão nos últimos sete anos, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec).

O aumento mais brusco se deu em 2013, com a escassez de trigo. Em apenas seis meses, o preço da farinha triplicou, fazendo o preço do pão subir 50% nas padarias.

Para fazer frente à disparada de preços, o governo Cristina Kirchner suspendeu a exportação de farinha argentina. A venda de trigo ao exterior já havia sido limitada a partir de 2006.

O governo também decidiu aplicar a Lei de Abastecimento, usando o trigo dos estoques do país. A medida fez aumentar a oferta de grãos, mas não o suficiente para suprir a demanda das padarias argentinas.

A Casa Rosada então acusou os produtores de estarem estocando cerca de dois milhões de toneladas de trigo da ultima colheita, em mais um episódio do embate entre governo e o setor agrícola.

Em entrevista à BBC, representantes do setor disseram que a escassez é fruto das políticas de intervenção do próprio governo. Segundo os produtores, isso foi responsável pela minguada colheita do ano passado, a menor desde 1899.

Em queda

Entre 1996 e 2005, a média de produção de trigo na Argentina era de 15 milhões de toneladas por ano. O montante passou a cair em 2006, após a imposição de limites à exportação de trigo.

Sem acesso pleno ao mercado externo, que historicamente aborvia cerca de dois terços da produção de trigo do país, o preço do grão caiu no mercado interno - que demanda de cinco a seis milhoes de toneladas por ano.

Segundo o economista Jorge Elustondo, da Universidade de Buenos Aires (UBA), com a política do governo os produtores tiverem de vender sua colheita aos moinhos locais a um preço 40% menor se comparado ao mercado internacional.

Com menos lucros, muitos trocaram os campos de trigo por outros cereais como a cevada, sem restrições de exportação. A produção anual caiu então de 15 milhões para nove milhões de toneladas no ano passado.

"O mesmo ocorreu com a carne. Na última década, foram perdidas dez milhões de cabeças de gado. E a indústria de laticínios também está em crise", diz Elustondo.

O controle criou uma situação insólita no país, deixando o trigo mais caro do que a soja. Cada tonelada do grão custa US$ 520 por tonelada, o dobro do preço no mercado internacional.

Inflação

Mas a queda na produção por si só não explica inteiramente a disparada nos preços. Em 2006, o quilo do pão custava 2,5 pesos (US$ 0,80 no câmbio da época). Hoje custa 18 pesos (US$ 3,4).

Segundo Néstor Calvo, editor da revista Conciencia Rural, o trigo representa menos de 10% do custo total da produção do pão. Aluguel, impostos, eletricidade, transporte e outros insumos seriam responsáveis pelos 90% restantes.

"O aumento se dá na cadeia de distribuição como consequência da inflação", disse.

Apesar das estatísticas oficiais falarem em inflação de 10% ao ano, a maioria das consultorias privadas e os governos regionais calculam a inflação real em 24%.

O preço mais salgado do pão também se explica pelo fim em 2012 dos subsídios aos moinhos do país, que acabaram repassando o custo à cadeia de produção.

Saída

Guillermo Irastorza, produtor de trigo de Tres Arroyos, na província de Buenos Aires, contou à BBC que diminuiu sua área de produção de trigo em 40% após as políticas do governo.

Irastorza, como outros produtores, defendem a importação de farinha para aumentar a concorrência no mercado interno e derrubar o preço do pão. Mas o governo se recusa a adotar a medida, que equivaleria à admissão de que sua política para o setor fracassou.

Com um consumo mensal de 400 mil toneladas de trigo por mês, alguns especialistas argentinos já acreditam que não haverá suficiente para fechar o ano.

Navarro diz ainda que a proliferação de um fungo nos campos de trigo trará mais impacto aos estoques.

O governo, por sua vez, afirma que contornará a situação com o uso de estoques nacional.

O grande teste se dará em novembro, quando começa a nova safra. Embora a superfície plantada seja igual a do ano passado, há quem acredite que o ciclo de escassez chegou para ficar.