Piketty aponta contradição em dados sobre desigualdade de renda no Brasil
Ruth Costas
Da BBC Brasil em São Paulo
Em setembro deste ano, pouco antes do primeiro turno das eleições, um episódio envolvendo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acendeu o alerta vermelho no Planalto: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), levantamento publicado anualmente pelo órgão federal, a desigualdade no Brasil havia ficado estagnada em 2013.
Poucos dias depois, no entanto, o próprio IBGE admitiu um erro de cálculo e informou que, ao contrário do que havia anunciado anteriormente, o abismo entre ricos e pobres no Brasil caiu, acompanhando a tendência verificada nos últimos anos.
Mas para o economista francês Thomas Piketty, crítico sensação do capitalismo, é possível que nada tenha mudado ou até que esteja acontecendo justamente o contrário. Em visita ao Brasil, ele fez alusão a uma pesquisa recente de especialistas da UNB - que mostra que a desigualdade não só estagnou como era maior do que se imaginava - e pediu 'maior transparência' sobre os dados de imposto de renda no Brasil para que, de fato, seja possível compreender a evolução da disparidade social.
Piketty é autor do polêmico best-seller 'Capital no século XXI'. No livro, ele defende, a partir da análise de dados inéditos de 20 países, que a desigualdade de renda estaria voltando a aumentar no mundo após décadas de queda.
Para fundamentar sua tese, o economista francês usou dados anônimos obtidos a partir de declarações de Imposto de Renda (IR).
Em maio, em entrevista à BBC Brasil, Facundo Alvaredo, que faz parte da equipe de Piketty, afirmou que
não conseguiu analisar o caso brasileiro, pois as estatísticas sobre Imposto de Renda não haviam sido liberadas pela Receita Federal. Segundo ele, este teria sido o motivo pelo qual o país não foi retratado na obra.
Piketty está no Brasil para promover a versão em português do livro e comentou sobre os dados brasileiros durante uma palestra para estudantes e professores da Faculdade de Economia e Administração da USP.
"É só você olhar os dados (sobre a concentração da renda) nos 10% mais ricos do Brasil e dos EUA para entender porque essa transparência (dos dados) é importante", disse Piketty na palestra.
"Se você considera essas estatísticas (da PNAD) o Brasil é menos desigual que os EUA, mas se olha os dados do imposto de renda usados pela equipe de (Marcelo) Medeiros (da UNB) o Brasil é mais desigual", disse o economista.
Segundo Piketty, nenhum dos dados "é perfeito", mas maior transparência na divulgação dessas estatísticas de renda e riqueza por parte das autoridades brasileiras "seria bom" para que os pesquisadores possam realmente compreender o que está acontecendo com a desigualdade entre ricos e pobres no Brasil.
Desigualdade maior
O trabalho da UNB mencionado por ele foi publicado em outubro deste ano e é assinado por Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Castro.
Pela primeira vez, o levantamento analisa dados da Receita Federal utilizando uma metodologia desenvolvida por Piketty em 2001 e conclui que os 5% mais ricos da população detinham 44% da renda do país em 2012 - não 35% como aponta a Pnad.
Além disso, a pesquisa diz que o coeficiente de desigualdade (Gini) teria permanecido praticamente estável de 2006 a 2012 - enquanto pela PNAD a taxa teria caído 3%.
"No que diz respeito (à renda) concentrada nos 10% mais ricos da população, quando olhamos os dados fiscais (do imposto de renda, usados por Medeiros) e os da pesquisa a domicílio (PNAD), o resultado muda totalmente", afirmou o francês.
Para Fernanda Estevan, professora da FEA que mediou o debate entre Piketty e dois economistas brasileiros, contradições como as apontadas por Piketty mostram que no Brasil o tema "merece ser revisitado".
Segundo Estevan, a Pnad, que se baseia em questionários aplicados em domicílios selecionados, apresenta vantagens, mas tem limitações importantes.
"Ela consegue incluir os trabalhadores informais, por exemplo, o que o imposto de renda não consegue", diz a professora.
"Por outro lado, pode ser que quem tem mais recursos reporte apenas sua fonte de renda principal, deixando de mencionar outros ganhos."
Da BBC Brasil em São Paulo
Em setembro deste ano, pouco antes do primeiro turno das eleições, um episódio envolvendo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acendeu o alerta vermelho no Planalto: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), levantamento publicado anualmente pelo órgão federal, a desigualdade no Brasil havia ficado estagnada em 2013.
Poucos dias depois, no entanto, o próprio IBGE admitiu um erro de cálculo e informou que, ao contrário do que havia anunciado anteriormente, o abismo entre ricos e pobres no Brasil caiu, acompanhando a tendência verificada nos últimos anos.
Mas para o economista francês Thomas Piketty, crítico sensação do capitalismo, é possível que nada tenha mudado ou até que esteja acontecendo justamente o contrário. Em visita ao Brasil, ele fez alusão a uma pesquisa recente de especialistas da UNB - que mostra que a desigualdade não só estagnou como era maior do que se imaginava - e pediu 'maior transparência' sobre os dados de imposto de renda no Brasil para que, de fato, seja possível compreender a evolução da disparidade social.
Piketty é autor do polêmico best-seller 'Capital no século XXI'. No livro, ele defende, a partir da análise de dados inéditos de 20 países, que a desigualdade de renda estaria voltando a aumentar no mundo após décadas de queda.
Para fundamentar sua tese, o economista francês usou dados anônimos obtidos a partir de declarações de Imposto de Renda (IR).
Em maio, em entrevista à BBC Brasil, Facundo Alvaredo, que faz parte da equipe de Piketty, afirmou que
não conseguiu analisar o caso brasileiro, pois as estatísticas sobre Imposto de Renda não haviam sido liberadas pela Receita Federal. Segundo ele, este teria sido o motivo pelo qual o país não foi retratado na obra.
Piketty está no Brasil para promover a versão em português do livro e comentou sobre os dados brasileiros durante uma palestra para estudantes e professores da Faculdade de Economia e Administração da USP.
"É só você olhar os dados (sobre a concentração da renda) nos 10% mais ricos do Brasil e dos EUA para entender porque essa transparência (dos dados) é importante", disse Piketty na palestra.
"Se você considera essas estatísticas (da PNAD) o Brasil é menos desigual que os EUA, mas se olha os dados do imposto de renda usados pela equipe de (Marcelo) Medeiros (da UNB) o Brasil é mais desigual", disse o economista.
Segundo Piketty, nenhum dos dados "é perfeito", mas maior transparência na divulgação dessas estatísticas de renda e riqueza por parte das autoridades brasileiras "seria bom" para que os pesquisadores possam realmente compreender o que está acontecendo com a desigualdade entre ricos e pobres no Brasil.
Desigualdade maior
O trabalho da UNB mencionado por ele foi publicado em outubro deste ano e é assinado por Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Castro.
Pela primeira vez, o levantamento analisa dados da Receita Federal utilizando uma metodologia desenvolvida por Piketty em 2001 e conclui que os 5% mais ricos da população detinham 44% da renda do país em 2012 - não 35% como aponta a Pnad.
Além disso, a pesquisa diz que o coeficiente de desigualdade (Gini) teria permanecido praticamente estável de 2006 a 2012 - enquanto pela PNAD a taxa teria caído 3%.
"No que diz respeito (à renda) concentrada nos 10% mais ricos da população, quando olhamos os dados fiscais (do imposto de renda, usados por Medeiros) e os da pesquisa a domicílio (PNAD), o resultado muda totalmente", afirmou o francês.
Para Fernanda Estevan, professora da FEA que mediou o debate entre Piketty e dois economistas brasileiros, contradições como as apontadas por Piketty mostram que no Brasil o tema "merece ser revisitado".
Segundo Estevan, a Pnad, que se baseia em questionários aplicados em domicílios selecionados, apresenta vantagens, mas tem limitações importantes.
"Ela consegue incluir os trabalhadores informais, por exemplo, o que o imposto de renda não consegue", diz a professora.
"Por outro lado, pode ser que quem tem mais recursos reporte apenas sua fonte de renda principal, deixando de mencionar outros ganhos."
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