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Em Washington, Levy reforça aceno do Brasil ao FMI

João Fellet

Da BBC Brasil em Washington

02/06/2015 07h46

Após vários anos na geladeira, a relação entre o governo brasileiro e o Fundo Monetário Internacional (FMI) vive dias agitados.

Em visita a Washington nesta segunda-feira (1º), o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se encontrou com dirigentes da organização pela terceira vez em três meses, quando mais uma vez tentou tranquilizá-los sobre os rumos da economia brasileira.

Ele já havia participado da reunião de primavera da organização, em abril, e no mês passado recebeu, em Brasília, a diretora-geral da instituição, Christine Lagarde.

Nos Estados Unidos, Levy foi a principal atração de um painel sobre a economia latino-americana. Em sua fala, ele reforçou o discurso de que o Brasil tem feito ajustes para voltar a crescer e foi elogiado por membros da plateia.

A postura do ministro quanto ao fundo contrasta com a dos quatro primeiros anos do governo Dilma Rousseff e a da gestão de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula e Dilma costumam criticar a relação que o Brasil mantinha com o FMI nos anos 1990, quando o país recorreu ao fundo em busca de empréstimos durante crises.

Tradicionalmente o PT e partidos de esquerda brasileiros acusam o FMI de impor nos países onde atua uma agenda "neoliberal", que prejudicaria trabalhadores e favoreceria bancos e grandes empresas.

Em 2013, Lula afirmou em Portugal que o "FMI nunca resolveu nenhum problema".

"Muitas vezes o FMI empresta dinheiro a um país, que ao receber o dinheiro paga a dívida de outros bancos, e o prejuízo fica com a parte pobre da população que trabalha. Sempre foi a assim e sempre será assim."

Em 2014, ao se referir à quitação da dívida do Brasil com o fundo, Dilma afirmou que "o FMI nunca mais dirigiu a política brasileira". No ano passado, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, não participou da reunião anual da instituição.

O governo brasileiro chancelou ainda o lançamento de duas iniciativas dos Brics (bloco que integra ao lado de Rússia, índia, China e África do Sul) que, segundo analistas, podem reduzir o poder do FMI e de outras organizações financeiras tradicionais: o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e um acordo de reserva de contingência.

O acordo, que prevê a criação de um fundo para socorrer países dos Brics, em tese livraria os membros do bloco de pedir socorro ao FMI.

Há tempos, o Brasil e os demais membros dos Brics cobram mudanças no FMI para que a organização reflita melhor a nova ordem global, cedendo mais espaço e poder de voto a países emergentes. A própria direção do FMI defende a necessidade de reformas, mas a proposta está empacada no Congresso americano, que precisa dar aval às mudanças e teme ceder espaço na instituição a rivais russos e chineses.

De devedor a credor

No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), o Brasil recebeu três empréstimos do FMI, somando US$ 67 bilhões (R$ 213 bilhões, em valores de hoje). Como contrapartida, o país teve de realizar ajustes fiscais e cumprir metas definidas pela instituição.

Já no governo Lula, o Brasil sanou sua dívida com o FMI e, em 2009, tornou-se credor do fundo.

Para Paulo Sotero, presidente do Brazil Institute do Wilson Center, centro de pesquisas e debates em Washington, não se pode comparar o momento que o Brasil vive hoje com o que enfrentava nos anos 1990, quando perigava dar calote em suas dívidas e teve de bater às portas do fundo por ajuda.

Hoje, apesar da economia em recessão, o país possui US$ 370 bilhões em reservas internacionais, o que lhe protege dos riscos daquela época, diz ele.

Sotero afirma que, ao visitar Washington e manter reuniões frequentes com o FMI, Levy busca pôr fim a uma "crise de confiança" entre o Brasil e a organização, criada em parte pela postura do ex-ministro Guido Mantega.

"A crise foi alimentada por ele (Mantega) não vir tanto aqui, não manter diálogo. Deve-se estar em contato permanente, não perder nenhuma oportunidade de alimentar a confiança, e é isso o que o Joaquim (Levy) está fazendo."

Sotero diz que, ao se acercar do FMI, Levy também busca tranquilizar investidores, que normalmente compartilham das visões do fundo.

"Ele mostra que o Brasil está dialogando, atento e que valoriza essas instituições".

No painel, Levy atualizou os presentes sobre o ajuste fiscal em curso no país. Ele comemorou a aprovação pelo Congresso de alguns pontos do ajuste e disse que novas medidas serão submetidas aos legisladores em breve.

O brasileiro Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial, diz que não é Levy quem tem buscado uma maior aproximação com o FMI, "mas sim o mundo que se interessa cada vez mais pelo que ele tem a dizer" sobre a economia brasileira.

"O importante é que há uma mensagem consistente, reconhecida como uma que conduzirá ao crescimento de longo prazo da economia brasileira."

Em sua visita, o ministro também se reuniu com o secretário do Tesouro americano, Jacob Lew, para tratar da viagem de Dilma a Washington no fim do mês.

Há outro motivo - pessoal - para as vindas frequentes de Levy à capital americana: a mulher e as duas filhas do ministro moram na cidade.

Visita a Paris

O giro do ministro se encerrará em Paris, onde ele se reúne com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em abril, estimulado por Levy, o governo anunciou que firmaria um acordo marco com o grupo, que reúne 34 países, em sua maioria desenvolvidos.

O Brasil já recebeu convites para aderir à organização, o último deles em 2009, mas sempre recusou. Para participar da OCDE, o país teria, entre outras ações, de adotar padrões de transparência nas contas públicas e de combate à corrupção em empresas privadas.

Em 2009, ao justificar a recusa brasileira ao convite, Mantega disse que ela impediria o país de exportar ou importar em moeda local e perdoar as dívidas de nações pobres, o que o Brasil já fez na África e no Haiti.

Assessores do ministério da Fazenda disseram que, em Paris, Levy discutirá a adesão do Brasil ao bloco.

Para Sotero, do Brazil Institute, o gesto marcaria uma nova etapa na relação do Brasil com organizações econômicas mundiais.

"O Brasil sempre teve muita dificuldades com essas instituições (...), mas não são elas que estão impondo nada ao Brasil - quem está impondo as reformas é o governo, é a presidente reeleita, é o seu ministro da Fazenda e é o Congresso nacional".