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Como Portugal comprou o Nordeste dos holandeses por R$ 3 bilhões

Obra "Batalha dos Guararapes" (1879), do pintor brasileiro Victor Meirelles de Lima - Reprodução
Obra "Batalha dos Guararapes" (1879), do pintor brasileiro Victor Meirelles de Lima Imagem: Reprodução

Luís Guilherme Barrucho

Da BBC Brasil em Londres

12/10/2015 13h19

Mesmo depois de terem sido derrotados, os holandeses receberam dos portugueses o equivalente a R$ 3 bilhões em valores atuais para devolver o Nordeste ao controle lusitano no século 17.

O pagamento –que envolveu dinheiro, cessões territoriais na Índia e o controle sobre o comércio do chamado Sal de Setúbal– correspondeu, à época, a 63 toneladas de ouro, como conta Evaldo Cabral de Mello, historiador e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), no livro "O negócio do Brasil", que está sendo relançado em uma nova edição ilustrada pela Editora Capivara, de Pedro Correia do Lago, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional. A edição original foi lançada em 1998.

Em valores atuais, o montante equivaleria a 480 milhões de libras esterlinas (ou cerca de R$ 3 bilhões). O cálculo foi feito à pedido da BBC Brasil por Sam Williamson, professor de economia da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, e cofundador do Measuring Worth, ferramenta interativa que permite comparar o poder de compra do dinheiro ao longo da história.

"Esta foi a solução diplomática para um conflito militar. O pagamento fez parte da negociação de paz. O que não quer dizer que a guerra não tenha sido necessária", afirmou Cabral de Mello à BBC Brasil.

'Pechincha'

Os holandeses ocuparam o Nordeste por cerca de 30 anos, de 1630 a 1654, em uma área que se estendia do atual Estado de Alagoas ao Estado do Ceará. Eles também chegaram a conquistar partes da Bahia e do Maranhão, mas por pouco tempo.

Por trás das invasões, havia o interesse sobre o controle do comércio e comercialização da matéria-prima.

Isso porque, como conta Cabral de Mello, antes mesmo de ocupar o Nordeste, os holandeses já atuavam na economia brasileira com o apoio de Portugal, processando e refinando a cana-de-açúcar brasileira.

"Quando o reino português foi incorporado pela Espanha, essa parceria acabou. Os espanhóis romperam esse acordo, que rendia altos lucros aos holandeses. Além disso, a relação entre os holandeses e os espanhóis já não era boa, já que a Holanda havia se tornado independente do império espanhol em 1581", diz o historiador.

Durante o período em que ocuparam parte do Nordeste, os holandeses foram responsáveis por inúmeras mudanças importantes, inclusive urbanísticas, principalmente durante o governo de Johan Maurits von Nassau-Siegen, ou Maurício de Nassau.

Com o intuito de transformar Recife na "capital das Américas", Nassau investiu em grandes reformas, tornando-a uma cidade cosmopolita. Apesar de benquisto, ele acabou acusado por improbidade administrativa e foi forçado a voltar à Europa em 1644.

'Sem heroísmo'

Naquele ano, Portugal já havia se separado da Espanha, mas demorou para enviar soldados para retomar o Nordeste. A região só foi reintegrada em janeiro de 1654.

Cabral de Mello, que é especialista no período de domínio holandês, diz que a tese de que os holandeses foram expulsos pela valentia dos portugueses, índios e negros "não é completa".

"Os senhores de engenho locais financiaram a luta pela expulsão dos holandeses, já que deviam mundos e fundos à Companhia das Índias Ocidentais, que lhes havia emprestado dinheiro. Eles, no entanto, não tinham como pagar a dívida", explica o historiador.

"Os holandeses acabaram derrotados, mas não sem antes pressionar Portugal pelo pagamento dessa dívida, inclusive chegando a bloquear o Tejo [Rio Tejo]. O pagamento não foi feito em ouro, mas um observador da época fez a correspondência para o metal precioso".

"Portugal teve de pagar 10 mil cruzados aos holandeses. Também fez parte do acordo a transferência do controle de duas possessões territoriais portuguesas na Índia –Cranganor e Cochim– e o monopólio do comércio do Sal de Setúbal".