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Como a guinada nos juros dos EUA afeta o Brasil?

Ruth Costas

Da BBC Brasil em São Paulo

16/12/2015 17h57Atualizada em 16/12/2015 18h29

A decisão do Fed (Federal Reserve, o Banco Central americano) de elevar os juros do país em 0,25 ponto percentual --para uma taxa entre 0,25% e 0,5%-- marca uma esperada guinada na política monetária dos Estados Unidos que deve reverberar em todo o globo, inclusive no Brasil.

A alta desta quarta-feira ficou dentro do que os analistas do mercado esperavam, mas ainda há dúvidas sobre o ritmo dos aumentos em 2016.

Nos últimos sete anos, os juros americanos foram mantidos em patamares extremamente baixos --entre 0 e 0,25%-- como uma forma de estimular uma retomada da economia do país.

Os juros baixos fizeram parte de um pacote de resposta à crise financeira iniciada em 2008, com a falência do banco Lehman Brothers, que também incluiu a injeção de novos recursos na economia por meio da compra de títulos do tesouro e papéis lastreados em hipotecas --prática conhecida como "afrouxamento monetário" (em inglês, quantitative easing)-- para injetar dinheiro na economia.

O Fed vinha sinalizando há mais de um ano que pretendia voltar a aumentar os juros, ainda que de forma "lenta e gradual". Com a alta, indica que já considera haver sinais convincentes de que a economia americana está em recuperação, como explica Bernardo Dutra, da MCM Consultores.

"Os dados relativos à retomada da atividade (produtiva nos EUA) estão bons e o desemprego está na casa dos 5%, nível muito próximo ao que eles consideram pleno emprego", diz.

Mas, afinal, como essa alta dos juros americanos afeta o Brasil? Ou que tipo de repercussões podemos esperar na economia brasileira no curto e longo prazo? Especialistas consultados pela BBC Brasil explicam:

Fuga de capitais de países emergentes

A taxa de juros americana define a remuneração de investidores que compram títulos do país. No caso dos EUA, esses títulos são considerados bastante seguros, mas como essa taxa ficou bastante baixa nos últimos anos, muitos investidores se dispuseram a assumir um risco maior para investir em outros países --e principalmente emergentes, como o Brasil.

Márcio Salvato, economista do Ibmec de Minas Gerais, explica que, com os americanos voltando a oferecer uma remuneração mais alta, a tendência é que os investidores tirem recursos de outros países para levá-los de volta aos EUA. "Há uma mudança de ganhos relativos", diz.

Ele faz a ressalva, porém, que, no caso do Brasil, o efeito deve ser relativamente pequeno no curto prazo diante da deterioração provocada pela crise política e econômica interna. "As questões domésticas estão tendo um efeito muito mais significativo sobre a percepção de risco do país", explica.

Para o professor do Insper Otto Nogami, como pode haver um movimento de saída de capital especulativo do Brasil "a preocupação é se isso poderá representar problemas para o financiamento do déficit público, que já está com uma trajetória problemática".

"Ainda mais em meio a esse aumento da percepção de risco em relação ao Brasil em função da crise política e econômica, a remuneração mais elevada dos papéis americanos pode fazer muitos preferirem um investimento seguro nos EUA aos títulos brasileiros", explica.

Queda do real

Como para investir nos EUA os investidores precisam comprar dólar, é esperado que a moeda americana se valorize em relação às de outros países.

"O impacto mais direto (da subida de juros nos EUA) deve ser mesmo no câmbio: a tendência é que haja uma desvalorização do real", diz Dutra, da MCM Consultores.

Ele faz a ressalva de que a elevação dos juros nos EUA já vem sendo "precificada" pelos mercados - ou seja, investidores já estão antecipando suas estratégias financeiras na expectativa de que essa alta ocorra.

"Mas o efeito deve existir, ainda que seja limitado. E nos próximos meses pode haver mais ou menos volatilidade no câmbio, dependendo do ritmo do aperto monetário nos EUA."

Para Salvato, a tendência é que a taxa volte a se aproximar dos R$ 4 por dólar. "No longo prazo podemos ter uma acomodação nesse patamar", opina.

Pressão inflacionária

Com o dólar mais caro, aumenta a pressão sobre a inflação no Brasil. Primeiro, em função do encarecimento dos produtos importados, como explica Nogami, do Insper.

"Grande parte do setor produtivo depende da importação de insumos, então os preços acabam afetados pela alta do dólar. Mesmo o setor agrícola depende da compra de adubos e corretivos do solo, além de componentes de tratores", diz ele.

"O excedente de produção de energia de Itaipu, que cabe ao Paraguai, é vendido ao Brasil em dólar e também dependemos da importação de combustíveis, só para mencionar alguns exemplos de itens que podem impactar a inflação."

Além disso, a desvalorização do real também tem um efeito sobre os os itens "exportáveis", como os alimentos e outros produtos agrícolas.

Isso porque como os exportadores acabam recebendo mais pelos produtos que enviam ao exterior, tendem a cobrar mais para vendê-los no mercado interno.

Pressão sobre juros

Outro efeito da alta de juros americana é dificultar uma queda dos juros no Brasil.

Mas os analistas se dividem sobre se o aperto monetário nos EUA pode levar, no médio prazo, a uma alta da taxa brasileira em função de esta já estar em um patamar relativamente elevado - 14,25%.

"Normalmente os juros brasileiros tendem a acompanhar os americanos, mas a taxa já está alta e subir ainda mais os juros em um momento de economia em recessão seria muito complicado", diz Salvato.

Já na opinião de Nogami, "pode ser que, para atrair capitais e controlar a inflação o Banco Central seja obrigado a aumentar ainda mais a taxa de juros".

"Não acho impensável a volta dos juros ao patamar dos 16% ou 17%, por exemplo", diz ele. "E isso certamente teria um efeito negativo sobre a atividade econômica."