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Como o fim das sanções (e as novas impostas) ao Irã vai impactar a economia mundial

Presidente iraniano Hassan Rouhani fala após a suspensão de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia - Xinhua/Ahmad Halabisaz
Presidente iraniano Hassan Rouhani fala após a suspensão de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia Imagem: Xinhua/Ahmad Halabisaz

Amir Paivar

Repórter de negócios da BBC Persa

17/01/2016 19h45

O desembararalhar do regime mais complexo de sanções do mundo começa agora - e já traz complicações para mercados e negócios em todo o mundo.

No sábado, após a comprovação de que o Irã cumpriu sua parte no acordo nuclear com as potências mundiais, a União Europeia revogou sanções econômicas que incluíam um embargo à compra de petróleo cru iraniano e restrições ao comércio com o país.

"Este é um dia que estávamos esperando há anos. Haverá grandes mudanças", disse Michael Tockuss, diretor da câmara de comércio Alemanha-Irã.

"Também tiraremos cerca de 300 indivíduos e empregos iranianos da lista de sanções da UE. Até agora, não podíamos fazer nenhum negócio com eles, nem vender pão ou biscoitos."

Os Estados Unidos, por sua vez, retirou sanções que atingiam especialmente o setor bancário. Mas neste domingo, o governo Obama anunciou uma nova rodada de sanções, desta vez a 11 empresas e indivíduos ligados a um programa de mísseis balísticos no país. Eles ficarão impedidos de usar bancos americanos.

Elas foram anunciadas depois que o Irã realizou, no último mês de outubro, um teste de um míssil balístico de precisão, capaz de transportar uma ogiva nuclear. O teste foi uma violação da proibição das Nações Unidas.

Apesar de dizer que o acordo nuclear foi "inteligente" e comemorar seu resultado, o presidente Barack Obama afirmou que o país "continuará firme na oposição ao comportamento desestabilizador do Irã em outras áreas".

Mesmo assim, espera-se que o fim de boa parte das restrições cause sério impacto nos preços do petróleo, que já estão em níveis historicamente baixos, e no setor financeiro.

As sanções que terminam e as que permanecem

As sanções econômicas relacionadas com o programa nuclear do Irã estão em prática desde 2006, por cima de outras que já existem a décadas.

Com a implementação do acordo nuclear, sanções do Conselho de Segurança da ONU à venda de tecnologia nuclear e de defesa serão anuladas. Também será revogado o congelamento de bens de indivíduos e empresas. Apesar de o impacto delas ter sido pequeno comparado às da UE e dos Estados Unidos, elas legitimavam as ações restritivas de outros países.

Além de remover sanções a setores inteiros como bancos, transporte marítimo e seguros, entidades e indivíduos que estavam na lista negra por causa de suas supostas atividades relacionadas ao programa nuclear agora podem fazer negócios com a União Europeia.

No entanto, pessoas na lista de sanções relacionadas ao terrorismo continuarão excluídas.

Os Estados Unidos também mantêm embargos a entidades acusadas de patrocinar o terrorismo, como a Guarda Revolucionária do Irã. E as sanções relacionadas ao programa nuclear foram apenas suspensas, não completamente derrubadas.

Petróleo mais barato

Antes da imposição do embargo ao petróleo iraniano em 2012, um em cada cinco barris do Irã ia para refinarias europeias. O país tem vendido cerca de 1,1 milhão de barris por dia nos últimos anos, principalmente para a China, a Índia, o Japão e a Coreia do Sul.

Teerã afirma que aumentará suas vendas em 500 mil barris imediatamente após a revogação das sanções e chegará a 2,5 milhões de barris no próximo ano.

Isso levará os preços ainda mais para baixo. O mercado já está inundado de petróleo barato e haverá muito mais barris do que compradores.

Para atrair seus compradores de volta, o Irã pretende oferecer descontos em preços que já são os mais baixos em 11 anos.

O retorno completo do Irã ao mercado também poderia dar início a uma guerra de preços com seu arquirrival Arábia Saudita, que já está vendendo abaixo do preço de mercado para conseguir manter sua fatia.

Para outros produtores, a volta do Irã ao mercado também é preocupante. Países como Venezuela, Brasil, Rússia e Angola já sentem o peso da redução do rendimento com as vendas.

Grandes bancos

O pior gargalo para negócios futuros com o Irã podem ser os bancos. Apesar de o país poder se conectar novamente com o sistema financeiro global, ainda não está claro quantos bancos irão aceitá-lo.

"Quando eu falo com os grandes bancos alemães, eles dizem: 'espere a implementação do acordo nuclear e depois mais um ano, e aí pode falar conosco sobre os negócios com o Irã", diz o alemão Michael Tockuss.

Ao longo dos últimos 10 anos, autoridades americanas aplicaram penalidades bilionárias a bancos europeus por contornarem as sanções dos Estados Unidos a Irã, Sudão e Cuba.

Líderes dos setores de negócios alemão e britânico dizem ter pedido um "sinal verde" do Tesouro americano aos bancos, para que eles voltem a mediar os pedidos relacionados ao Irã de seus clientes europeus.

"Se não conseguirmos convencer os bancos grandes, que podem nos fornecer valores maiores, teremos que buscar um número maior de pequenos bancos", diz Tockuss, cuja câmara de comércio continuou fazendo negócios com o país, graças a pequenos bancos alemães que não estão expostos ao mercado americano.

Mas este tipo de "microfinanciamento" pode não ser adequado para projetos de larga escala como as reformas no sistema de trens do Irã, que está sendo feita pela empresa alemã Siemens, ou a compra de 114 novos aviões comerciais da Airbus.

Zona cinzenta

Como se as complicações práticas não fossem suficientes, também há os entraves legais.

Os Estados Unidos estão revogando as chamadas "sanções secundárias" - que se aplicam a indivíduos ou empresas não americanos e empresas -, mas as "sanções primárias" continuam existindo e ainda impedem que americanos do país façam negócios com o Irã.

"Há zonas cinzentas enormes: e as subsidiárias não americanas das empresas americanas?", indaga a especialista em sanções Maya Lester, advogada da empresa londrina Brick Court Chambers.

O texto do acordo nuclear diz que negócios com o Irã serão permitidos com a subsidiárias de empresas americanas, mas isso contradiz as sanções primárias.

Por isso, muitas empresas e seus advogados estão esperando mais detalhes do Tesouro americano antes de voltar a negociar com os iranianos.

Além disso, navegar o regime legal e regulatório iraniano é como andar em um campo minado. Segundo o parlamentar conservador iraniano Ahmad Tavakoli, há uma epidemia de corrupção no país.

Conseguir licenças para importação, por exemplo, pode ser difícil sem "pagamentos extra", o que para muitas empresas estrangeiras, como as britânicas, significaria violar as leis de seu país.

Também não se sabe ainda se o presidente Hassan Rouhani conseguirá usar o dinheiro arrecadado com o fim das sanções para baixar a inflação e os altos índices de desemprego no país.

Mas apesar das incertezas, empresas no mundo inteiro estão ansiosas para conquistar sua fatia do mercado iraniano.

Em meio à crise econômica global, a perspectiva de refazer os laços com o país para ajudar a reconstruir sua infraestrutura, refazer suas ligações de transporte e servir a 80 milhões de consumidores em busca de produtos estrangeiros é bastante atraente.