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Sem Venezuela e mais afinado, Mercosul 'pode destravar acordos em 2017'

30/12/2016 08h06

Pelo menos dois fatos marcaram o Mercosul em 2016: a suspensão da Venezuela do bloco e o anúncio do Uruguai de que buscará um Tratado de Livre Comércio (TLC) com a China. Mas como eles podem influenciar o Mercosul em 2017?

Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, esses acontecimentos poderiam dar margem a uma maior abertura econômica do bloco econômico. E eventualmente, até permitir um aproximação do Mercosul com outros blocos - como a Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, Peru e México) ou mesmo a União Europeia (com quem as negociações já se arrastam por muitos anos).

Especificamente em relação especificamente ao bloco europeu, há atualmente "vontade política" do lado sulamericano para avançar, na opinião dos economistas argentinos Raul Ochoa, da Universidade de Buenos Aires (UBA) e da Universidade Tres de Frebrero (UNTREF), e Dante Sica, da consultoria econômica Abeceb.

Apesar da instabilidade política brasileira e do quadro recessivo tanto no Brasil quanto na Argentina, na visão dos economistas existe "maior sintonia" entre os dois parceiros que tradicionalmente costumam dar o norte desta integração fundada em 1991.

E essa "sintonia", entendem, levaria o bloco a buscar alternativas, como novos acordos comerciais, para sair do "estancamento".

Venezuela

"O ano que está terminando, 2016, foi ruim do ponto de vista econômico e comercial, mas ao mesmo tempo a relação (entre os sócios do bloco) foi retomada e existe agora uma agenda comum, que inclui destravar o comércio no interior do Mercosul e uma visão comum sobre negociações comerciais (com outros países e blocos)", disse Raul Ochoa, da UBA.

Para o economista, existe "interesse genuíno em se avançar em uma agenda interna, de facilitação de comércio, melhorias na infraestrutura e relacionamento externo com diferentes países e grupos, como o Japão e a Aliança do Pacífico".

A aproximação com outros blocos só começa a ser possível devido à suspensão da Venezuela - afastada oficialmente por não cumprir as exigências para ser parte do grupo. Segundo a ministra das Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra, a Venezuela não era a favor das negociações do Mercosul com outros blocos.

O afastamento foi criticado pelo ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, que comandou a pasta durante o governo Lula - afinado politicamente com com Caracas. Amorim disse durante palestra em Buenos Aires que a Venezuela fortalecia o bloco e que em 2016 o Mercosul "viveu sua pior crise".

Fluidez

Mas na visão de Dante Sica, da Abeceb, o fato de Temer e Macri serem a favor da maior abertura econômica contribui para a busca da "fluidez" nesse diálogo bilateral.

"O Mercosul hoje está estancado. Mas existem melhores perspectivas porque as economias do Brasil e da Argentina devem ter melhor comportamento no ano que vem, o que provocará, naturalmente, aumento no comércio interno", afirma.

"Ao mesmo tempo, os governos atuais dos dois países querem revitalizar o bloco, o que inclui acelerar as negociações com a União Europeia."

Segundo dados da consultoria, baseados em números oficiais, as exportações dentro do Mercosul caíram de cerca de US$ 60 bilhões anuais para menos de US$ 40 bilhões anuais entre 2011 e 2016 - muito disso em função da recessão brasileira.

Em entrevista ao jornal El Observador, de Montevidéu, na semana passada, o chanceler uruguaio Rodolfo Nin Novoa disse que "é preciso continuar trabalhando para solidificar o Mercosul como livre comércio". Nin Novoa disse ainda que já não vê as dificuldades de antes para abordar, nas reuniões do Mercosul, a decisão do seu país de realizar um TLC com a China.

O anúncio sobre o acordo com os chineses tinha sido feito pelo presidente Tabaré Vázquez em outubro, durante sua visita ao país asiático. Tabaré disse que o objetivo é que o acordo entre os dois países seja assinado em 2018.

"Como disse o presidente, o Mercosul não pode ser uma jaula de ouro de onde não se pode sair para buscar novos horizontes", afirmou o chanceler.

Segundo ele, a "flexibilização" do Mercosul já foi tema em encontros de Tabaré com seus colegas da Argentina e do Brasil. O assunto foi tratado inclusive entre o presidente uruguaio e Michel Temer na Assembleia da ONU, em Nova York, este ano.

No governo paraguaio de Horacio Cartes, também existem vozes que defendem os acordos de livre comércio do bloco, lembrou o chanceler uruguaio.

Mas apesar destes sinais, o ministro uruguaio da Economia, Danilo Astori, disse há poucos dias que a intenção do Uruguai de assinar um tratado com a China poderia ser complicada "por causa das regras do Mercosul".

Problemas fundamentais

Porém, o ex-embaixador do Brasil na Argentina José Botafogo Gonçalves disse à BBC Brasil que o bloco tem problemas que estão nas suas raízes - como regras dos tempos da sua fundação que, na sua opinião, ficaram desatualizadas.

"Muita coisa mudou desde a fundação do bloco. Naquela época não havia o fenômeno da globalização. Por isso, agora digo que o Mercosul deve ser reformulado e passar (a uma maior abertura comercial) aos poucos", disse Botafogo.

Segundo ele, apesar das mudanças no mundo do comércio e dos discursos dos governos atuais a favor da maior abertura comercial, Brasil e Argentina estabelecem regras protecionistas entre eles mesmos.

"Por exemplo, no caso da indústria automotiva. Apesar de essa indústria (conjunta) ser a quarta maior do mundo, os dois países ainda mantêm regras de proteção entre eles mesmos."

Para o especialista em Mercosul Félix Peña, professor da UNTREF, já existem regras que poderiam gerar a "flexibilização" buscada agora pelo bloco.

"Podemos usar os tratados já existentes, como o que criou a Aladi (Associação Latino-americana de Integração) em 1980, que nos permite acordos do Mercosul com a Aliança do Pacífico. Mas temos ainda que definir conjuntamente como negociar com terceiros países", afirma.

Ele defende que essas conversas tenham "um único negociador formal do Mercosul, e não mudando esse negociador a cada seis meses".

"Senão, não transmitiremos previsibilidade", diz.

Para Peña, o bloco deveria discutir "caso a caso" seus problemas. O Uruguai, disse ele, "viu que não foi cumprida a promessa de que teria acesso a mercados de mais de 200 milhões de habitantes" dentro do Mercosul, e que era esperado que buscasse outros parceiros.

Por isso mesmo, disse, o Uruguai já conta com um TLC com o México.

Peña lembrou, porém, que o Mercosul foi criado para "garantir a paz na região, para aumentar a produtividade conjunta e a exportação do bloco para outros países", e não somente para aumentar o comércio.

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bandrs