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Após denúncia, Temer ainda tem tempo para mudar as regras da aposentadoria?

André Shalders

Da BBC Brasil, em São Paulo

09/08/2017 14h01

Aprovar a proposta de reforma da Previdência é o principal objetivo de Michel Temer. Hoje, o plano do governo é terminar todo o processo até o fim de outubro. Em tese, é possível. Mas a operação Lava Jato e a falta de votos no Congresso põem essa estratégia em risco.

Na semana passada, os deputados deram 263 votos para barrar a denúncia contra o presidente, apresentada pela Procuradoria-Geral da República. É muito, mas não o suficiente para mudar a Previdência - como se trata de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), são precisos 308 votos. Ou seja, 45 a mais do que o placar alcançado na vitória recente.

É verdade que alguns dos deputados que votaram contra Temer são favoráveis às alterações no regime de aposentadorias e pensões (é o caso de quase duas dezenas de congressistas do PSDB). Mas o inverso também é verdadeiro: há quem tenha votado para salvar Temer, mas não topa apoiar as mudanças. É um complicador a mais na estratégia do Planalto.

Reunir os votos que faltam não é simples, mas auxiliares presidenciais garantem ser possível. O problema é que a agenda do Congresso no futuro próximo pode incluir mais votações difíceis, com alto potencial de desgaste para a imagem dos parlamentares junto aos eleitores.

Os deputados podem inclusive ter de salvar o mandato de Temer novamente, se o presidente voltar a ser denunciado por Rodrigo Janot. Terão ainda de votar um aumento do fundo partidário (dinheiro público destinado às campanhas) para custear a eleição de 2018.

Nesse cenário, é pouco provável que topem mais uma votação que pode lhes tirar votos nas eleições do ano que vem, como a reforma da Previdência, avalia o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

"A reforma ainda está mal explicada para a população. Os deputados podem não querer ter mais este desgaste em um ano pré-eleitoral", diz ele.

Mudanças anteriores

Mudanças na Previdência Social costumam enfrentar dificuldades no Congresso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou mais de sete meses (de 30 de abril a 11 de dezembro de 2003) para aprovar mudanças previdenciárias restritas aos servidores públicos. Era o 1º ano de governo do petista, eleito com 61,2% dos votos em 2002.

A versão atual da reforma cria uma idade mínima de aposentadoria de quem trabalha na iniciativa privada: 62 anos para as mulheres e 65 para os homens. E todos precisarão contribuir por pelo menos 25 anos (hoje, o tempo mínimo é de 15 anos). Para obter o benefício máximo (integral) será preciso contribuir por 40 anos. Hoje, é de 30 anos para as mulheres e 35 para os homens.

No começo desta semana, assessores do Planalto e articuladores do governo na Câmara detalharam à BBC Brasil um cronograma para a votação (detalhado mais abaixo). Pelo planejamento da equipe de Temer, a reforma estaria concluída no fim de outubro.

"O problema não é o cronograma. O problema são os votos. O governo está no papel dele, de vender essa expectativa. Para acalmar o mercado e para tentar trazer mais deputados. Mas, hoje, não tem os votos", diz Carlos Melo.

Porém, em tese, o apoio de congressistas que são ideologicamente favoráveis às mudanças na Previdência e que votaram contra Temer na análise da denúncia daria ao governo mais que os 263 votos da semana passada, lembra o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da FESPSP.

"Parte dos congressistas aliados a Temer eram do governo na época de Fernando Henrique Cardoso (do PSDB) e sabem da importância de controlar as contas públicas. E mais: se as pessoas sentirem alguma melhora na condição econômica delas até o começo do ano que vem, pode haver dividendo eleitoral."

Reforma pode mudar

Alguns políticos fiéis ao Planalto evitam mencionar um prazo e admitem que podem haver mudanças no texto da reforma.

O líder do Democratas, Efraim Filho (PB), diz que o Congresso votará outros temas antes de partir para a Previdência, até como forma de agregar apoios. Ele cita a medida provisória do Refis e mudanças que simplifiquem a cobrança de impostos.

"Temos agora duas tarefas: uma é estabelecer o que deve ficar (dentre os pontos da reforma previdenciária) e o que só traz confusão e precisa ser extirpado. E a segunda tarefa é operacional: contar os votos, colocar na planilha", diz Efraim. "Definir cronograma é secundário. O importante é ter um projeto maduro para votar."

O deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, afirma acreditar que Temer já está se convencendo da necessidade de alterar o texto. "Ele sabe que, como está, não passa aqui (na Câmara)". Até porque, diz Paulinho, "os deputados não vão se suicidar (politicamente)".

Na semana passada, 8 dos 14 deputados do Solidariedade votaram contra a denúncia de Rodrigo Janot. O suporte do partido, no entanto, pode não se confirmar em relação à Previdência, o que subtrairia votos dos 263.

"Uma coisa é votar para salvar o Temer. Outra coisa é votar para o velhinho se aposentar aos 65 anos", diz Paulinho. "Neste momento, a prioridade da Câmara é votar a reforma política. Antes disso acho que nada anda", completa.

O PSD tem a 5ª maior bancada da Câmara, com 38 deputados. O líder do partido na Casa, deputado Marcos Montes (MG) é taxativo. "Não tem condição alguma de avançar na Previdência agora, pelo menos dentro da minha bancada. Zero chance", diz.

"O governo tem que se preocupar em reorganizar a base dele na Câmara. Reconquistar a fidelidade dos deputados, antes de começar a discutir a Previdência", acrescenta Montes.

Na votação da denúncia contra Temer, mais da metade da bancada (22 deputados) votou com o governo.

Várias mudanças já foram feitas na proposta pela Câmara desde o fim do ano passado. A principal é a idade mínima, que era de 65 anos para homens e mulheres. O tempo de contribuição para a aposentadoria integral, que era de 49 anos, caiu para 40 anos. A idade para a aposentadoria rural também foi reduzida.

'Precisamos de mais 30 dias'

O deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) é um dos principais articuladores do governo no Congresso - integra a chamada "tropa de choque" de Temer na Câmara. Ele avalia que ainda são necessários cerca de 30 dias para garantir os 308 votos, ou seja, dentro do cronograma traçado pelo Planalto.

Perondi diz acreditar que será possível cumprir o prazo. "Um governo que venceu a imprensa hegemônica e o Janot é um governo forte", diz. "Além disso, os presidentes da Câmara (Rodrigo Maia, DEM-RJ( e do Senado (Eunício Oliveira, PMDB-CE) são favoráveis e estão determinados a aprovar a reforma."

Maia disse na manhã da segunda-feira que pretende votar a PEC ainda em setembro, como deseja o Planalto.

O que ainda falta

Para que a Constituição seja alterada, é preciso que as mudanças sejam aprovadas duas vezes na Câmara e mais duas vezes no Senado. No cronograma desejado pelo Palácio do Planalto, os principais prazos são os seguintes:

  • Realizar a 1ª votação da PEC no plenário da Câmara até o fim de agosto;
  • Votar pela 2ª vez na Câmara ainda na primeira metade de setembro;
  • Na 2ª metade de setembro, a PEC chegaria ao Senado;
  • A proposta levaria cerca de um mês e meio para passar pelo Senado (votação na Comissão de Constituição e Justiça e em dois turnos, no plenário). Estaria tudo concluído no fim de outubro.

Uma proposta de emenda à Constituição precisa de 3/5 dos votos dos integrantes das Casas (pelo menos 308 deputados e 49 senadores) em cada votação.

O texto atual de reforma da Previdência chegou ao Congresso em 5 de dezembro do ano passado e ainda não foi votada no plenário da Câmara, mas já passou por todas as comissões.

Em tese, todos os prazos e etapas descritos aqui cabem dentro do cronograma planejado pelo governo.

Depois de ser votada em plenário pela primeira vez, é preciso que haja um intervalo de cinco sessões (cinco reuniões de deputados, entre 3ª feira e 5ª feira) antes de uma nova votação.

Aprovada, a PEC segue para o Senado. Será votada primeiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Após a aprovação na comissão, há novo intervalo de cinco sessões antes de ir ao plenário. E mais uma interrupção de três sessões antes do chamado "segundo turno" de votação.

Se os senadores mudarem o projeto que veio da Câmara, a PEC precisará ser votada novamente pelos deputados. Se não houver modificações, ou se apenas coisas pontuais forem mudadas, o texto é "promulgado", e altera a Constituição.