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5 razões que explicam o recorde histórico batido por Wall Street

Cecilia Barría

BBC News Mundo

24/08/2018 15h33Atualizada em 24/08/2018 17h40

Desde que Wall Street chegou ao fundo do poço, em março de 2009, a Bolsa de Valores de Nova York começou a se recuperar como se tivesse um propulsor espacial.

Já são nove anos, cinco meses e 13 dias de ganhos, um recorde que marca o período mais longo de crescimento na história da maior Bolsa do mundo, criada em 1817.

Os dias em que a bolha imobiliária estourou, espalhando pânico financeiro e desencadeando uma crise econômica global, parecem ter ficado para trás.

E, como se fosse um pesadelo que ninguém quer lembrar, os investidores comemoram os rendimentos espetaculares que vêm conquistando.

O momento é de preços em forte ascensão no mercado, o que se conhece como "bull market", ou mercado de touro, em tradução literal --e que é representado pela escultura monumental de um touro em Manhattan.

O "touro" está há quase uma década sem sofrer uma grande correção --ou seja, uma queda de mais de 20%.

Apesar de ter sofrido algumas estocadas, como se fosse "cutucado" por um toureiro, nada conseguiu derrubá-lo nos últimos anos.

A medida que representa esse ciclo de crescimento é o índice S&P 500, que acompanha a trajetória de 500 grandes empresas de capital aberto listadas na Bolsa de Nova York e na Nasdaq. E o salto dado desde os dias obscursos da crise até agora tem sido impressionante: de 676 pontos em 2009 para 2.864 nesta quarta-feira, alta acumulada de quase 325%.

O avanço recorde é explicado por uma confluência de fatores --o ciclo de juros baixos que marcou a última década nos Estados Unidos, a inflação comportada e, mais recentemente, a recuperação da economia e os estímulos tributários lançados pelo governo Trump.

"Se eu tivesse que escolher uma razão para explicar este recorde, diria que ele se deve a medidas de Donald Trump, com seu corte de impostos sobre lucros das empresas e sua promessa de desregulamentar (ou seja, de reduzir a burocracia e as regulamentações federais no país)", diz à BBC News Mundo Robert J. Shiller, professor de Economia na Universidade de Yale.

"Há um aumento nas oportunidades para apostar, (movimento) que eu associo a esse presidente e seu estilo de magnata em um cassino."

Alguns fundos de investimento têm argumentado que o crescimento recorde é uma prova da habilidade das grandes corporações norte-americanas de fazer negócios em tempos difíceis, criar confiança nos investidores e gerar riqueza no país.

"Não houve negócios inconsequentes, nem pânico na compra e venda de ações", disse Jack Ablin, diretor de investimentos da consultoria Cresset Wealth Advisors. "(O crescimento) tem sido bastante sustentado."

Estas são algumas das razões em que diferentes analistas concordam para explicar o fenômeno:

1 - Boom de lucros

Nos Estados Unidos, fala-se em "boom de lucros" nas grandes empresas. O lucro líquido das que negociam na bolsa de valores alcançou os maiores níveis da última década, com altas trimestrais superiores a 10%.

As receitas das empresas são o motor que impulsiona o preço das ações e, por isso, seu aumento sustentado explica a ascensão de Wall Street.

Estima-se que o valor de mercado do índice S&P 500 tenha aumentado em cerca de US$ 4 bilhões (R$ 16,36 bilhões) em 2017.

A Bolsa americana tem sido "surpreendentemente forte", diz John Rekenthaler, vice-presidente de pesquisa da Morningstar, empresa de pesquisa independente na área de investimentos.

Em sua avaliação, o fato de as companhias estarem evitando repassar seus lucros aos empregados, aumentando os salários, tem permitido manter a inflação sob controle e as taxas de juros baixas --cenário favorável às empresas.

2 - Crescimento da economia

Em meio à crise financeira de 2009, o governo dos EUA e o Federal Reserve, o banco central americano, colocaram em circulação bilhões de dólares para impulsionar a recuperação, resgatando bancos e empresas automotivas e comprando ativos que haviam perdido praticamente todo o seu valor.

Na medida em que a geração de empregos reaqueceu, os gastos do consumidores --os principais impulsionadores da economia dos EUA-- se recuperaram. Em paralelo, a recuperação global deu outro empurrão aos americanos.

A economia dos EUA teve crescimento expressivo no segundo trimestre, expandindo-se a uma taxa anual de 4,1%, o ritmo mais forte em quase quatro anos.

Com o desemprego no nível mais baixo em 17 anos, 3,9%, o temor que existe, contudo, é de que a economia esteja "esquentando" demais e que a inflação volte a subir em algum momento.

3 - Baixas taxas de juros

A década de ouro de Wall Street, dizem os analistas, foi possível graças às baixas taxas de juros e à baixa inflação.

Durante anos, o Federal Reserve e outros bancos centrais injetaram liquidez na economia para sustentar a recuperação e permitir que os investidores assumissem mais riscos ao comprar ativos.

Depois desse longo ciclo, o Fed tem, atualmente, começado a retirar esses estímulos, elevando progressivamente as taxas de juros e acabando, desta forma, com os anos do chamado "dinheiro fácil" para o financiamento das empresas.

4 - 'Efeito Trump'

O corte de impostos para as empresas, uma das bandeiras políticas de Donald Trump, tem aumentado os lucros das companhias e influenciado a alta de Wall Street, dizem os analistas.

A redução de 35% para 21% na alíquota para pessoa jurídica pôs uma grande quantidade de dinheiro sobre a mesa dos conselhos de administração, por um lado, e tem significado menos arrecadação para o governo, por outro.

Esse cenário tem gerado preocupação pelo nível gigantesco de endividamento ao qual a maior economia do mundo está sujeita.

E em meio ao "boom de lucros", executivos de empresas têm recomprado suas próprias ações e se beneficiado de uma menor fiscalização das regras de concorrência.

5 - O salto das tecnológicas

Finalmente, há o crescimento das empresas tecnológicas, que impulsionou expressivamente o valor total da Bolsa de Nova York.

As chamadas "FAANGs" (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google) tiveram crescimento explosivo nos últimos anos.

Em agosto, a Apple se tornou a primeira empresa do mundo a atingir o valor de mercado de US$ 1 trilhão, o equivalente a R$ 4,09 trilhões (sem considerar a chinesa PetroChina, por falta de confiabilidade nos dados) --e foi a que mais contribuiu para o recorde de crescimento.

E quanto ao fim da festa?

Embora as previsões apontem que o S&P 500 fechará o ano perto de 3.000 pontos e que a tendência positiva continuará por pelo menos mais um ano, o debate sobre "o fim da festa" continua.

"Os mercados em crescimento são como as lâmpadas incandescentes. Elas tendem a alcançar seu brilho máximo justamente antes de se apagarem", disse San Stovall, diretor de estratégias de investimento da consultoria CFRA.

E, nesse sentido, as previsões apontam para todos os lados. Alguns dizem que não haverá uma queda retumbante, mas várias correções sucessivas que ajustarão o mercado.

"Ainda esperamos um forte crescimento da economia no próximo ano, impulsionado por cortes de impostos", disse Andrew Milligan, diretor de estratégias globais da empresa de investimentos Aberdeen Standard.

Outros investidores estão preocupados com os efeitos que o aumento do endividamento das empresas pode ter.

Outra questão em debate é o fato de que os enormes lucros do mercado "não se estenderam para o resto da população", destaca um artigo do jornal The New York Times.

"A riqueza do mercado de ações está altamente concentrada entre as famílias mais ricas", diz a publicação.

Um fenômeno que se acentuou na última década, a mesma década de ouro para o touro de Manhattan, mais forte do que nunca.