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A empresa da Austrália que proibiu o trabalho às quartas-feiras

29/05/2019 09h45

Às quartas-feiras, enquanto a maioria de suas amigas está no trabalho, Tiffany Schrauwen pratica seu backhand em uma quadra de tênis. A gerente de projetos de Melbourne, na Austrália, tem uma aula com um professor particular às 9h.

Schrauwen não está desempregada. Por quase um ano, a agência de marketing digital Versa --onde ela trabalha-- fecha as portas às quartas-feiras, dando a seus empregados uma semana de quatro dias com cinco dias de pagamento.

Ali, os funcionários fazem turnos normais às segundas e terças-feiras e voltam ao trabalho às quintas e sextas-feiras. Não há reuniões agendadas para as quartas-feiras --no entanto, se um cliente tiver uma demanda urgente, todos estão disponíveis pelo telefone.

Quando Schrauwen foi informada sobre a mudança do expediente pela primeira vez, ficou animada. Mas então a empolgação inicial deu lugar à cautela. Ela passou a se preocupar sobre como a nova regra funcionaria na prática. Como gerente de projeto, Scharauwen é o principal ponto de contato tanto para os funcionários quanto para os clientes. É sua responsabilidade, portanto, lidar com quaisquer prazos perdidos, estresse ou ruídos de comunicação.

Mas os funcionários da Versa reorganizaram seu fluxo de trabalho para se tornar mais eficientes. As tarefas são concluídas no meio da semana, as reuniões são mais focadas e há menos tempo para as típicas conversas de corredor.

A cada duas semanas, a empresa também analisa o que funcionou e o que não funcionou.

"Todo mundo quer que funcione porque amamos ter essa flexibilidade", diz Schrauwen. "Se eu quero continuar fora do escritório às quartas-feiras, organizo minha semana melhor."

Funcionamento

A política foi implementada em julho do ano passado. Desde então, a receita da empresa australiana aumentou em 46%, e os lucros quase triplicaram, diz sua CEO e fundadora Kath Blackham. Mas Blackham não credita o sucesso de sua agência à política de trabalho de quatro dias por semana.

"Recebemos trabalho porque somos conhecidos por fazer um ótimo trabalho", diz ela, destacando que a empresa tem baixa rotatividade de funcionários e entende o que o cliente quer.

De qualquer forma, trata-se de uma vitória pessoal para Blackham, que teve que convencer sua equipe de que a semana de quatro dias funcionaria. Ela fundou a empresa com uma criança de colo e um bebê a caminho, determinada a respeitar a necessidade de flexibilidade.

"O que eu tentei provar foi que, em um dos setores mais improváveis --o setor de serviços, conhecido por jovens que trabalham várias horas por dia--, ideias inovadoras são bem-vindas e podem funcionar", diz.

Uma pausa no meio da semana permite que a equipe vá para a academia, trabalhe de casa, cuide de crianças pequenas, agende compromissos, trabalhe a tempo parcial ou simplesmente assista à Netflix. Algumas vezes, serve até para pôr o trabalho em dia. O número de faltas caiu e a satisfação dos funcionários aumentou, diz Blackham: "Você tem aquela sensação de segunda-feira algumas vezes por semana".

Essa sensação de produtividade na segunda-feira foi fundamental para a decisão de Blackham de dividir a semana em duas "minissemanas", em vez de criar um fim de semana prolongado.

Ela temia com isso encorajar sua equipe, predominantemente jovem, a "ter um fim de semana ainda maior". Blackham também descobriu que deixar a equipe escolher seus próprios dias de folga criava um problema de organização, uma vez que nem sempre estava claro para outros funcionários ou clientes sobre quem estava disponível, e isso acaba afetando a produtividade de todos.

Professor de gestão de recursos humanos na Universidade de Tecnologia de Auckland, na Nova Zelândia, Jarrod Haar não se diz surpreso sobre o sucesso da política implementada pela Versa. Como parte de sua própria pesquisa, ele entrevistou funcionários que trabalhavam em semanas de quatro dias. Haar constatou que a maioria deles preferia não ir ao trabalho às quartas-feiras.

Para os patrões, "desligar" no meio da semana dá "maior retorno financeiro", diz ele. "A pausa às quarta-feiras significa que você retorna revigorado para trabalhar às quintas-feiras. As pessoas se sentem mais produtivas", acrescenta.

Para chegar a essa conclusão, Haar acompanhou de perto o dia a dia da empresa de gestão imobiliária neozelandesa Perpetual Guardian, que ganhou destaque na imprensa local quando passou a implementar uma semana de quatro dias sem qualquer perda de produtividade.

As faltas por doença diminuíram e o bem-estar dos funcionários aumentou. Contudo, a empresa acabou tendo que demitir alguns empregados que não conseguiram lidar com o trabalho mais flexível e condensado.

'A hora chegou'

Para Andrew Barnes, CEO e proprietário da Perpetual Guardian, a semana de quatro dias é "uma causa cuja hora chegou". Enquanto Blackham, da Versa, foi motivada pelo desejo de tornar o ambiente de trabalho mais flexível e equilibrado, Barnes diz que a mudança ocorreu depois que ele leu um estudo indicando que os funcionários só eram produtivos por cerca de duas horas e meia por dia. Deveria haver uma maneira melhor de organizar o horário de trabalho, pensou ele.

Surpreendentemente, a semana de trabalho cinco dias é uma invenção moderna. O americano Henry Ford, dono da fabricante de automóveis de mesmo nome, foi o primeiro a dar aos trabalhadores o fim de semana de folga, em 1926. Ele dizia acreditar que isso os tornaria mais produtivos. Ciente da evolução da tecnologia, o célebre economista John Maynard Keynes previu em 1930 que a semana de trabalho seria reduzida para 15 horas.

Quase cem anos depois, organizações em todo o mundo estão novamente revendo como as semanas de trabalho são estruturadas. A Grã-Bretanha e a Irlanda demonstraram interesse específico na semana de quatro dias.

Algumas regiões da Suécia também já testaram semanas mais curtas, com resultados distintos. Até mesmo uma rede americana de fast food, a Shake Shack, anunciou que estava experimentando uma semana de quatro dias em resposta às mudanças de aspirações no mercado de trabalho.

Custos maiores

No entanto, nem todas as experiências com jornadas de trabalho reduzidas foram bem-sucedidas. Um experimento com jornadas de seis horas em casas de repouso administradas pelo estado em Gotemburgo, na Suécia, descobriu que, enquanto os índices de falta por doença e produtividade melhoraram, os custos com pessoal aumentaram consideravelmente, à medida que mais pessoas precisavam ser contratadas para fazer o trabalho daquelas que estavam fora.

Já nos EUA, algumas startups que testaram a semana de quatro dias tiveram que voltar atrás depois de descobrirem que o dia de folga tornou a empresa menos competitiva e a equipe mais estressada.

Flexibilidade é importante, mas quando conversaram com a BBC Capital, tanto Blackham quanto Schrauwen tinham trabalhado no fim de semana prolongado de Páscoa para atender a demandas urgentes de clientes.

Ainda assim, os dois dizem que a política que implementaram é apoiada por outros donos de empresas. Barnes reforça que permitir que os funcionários venham com suas próprias soluções e fazer com que cumpram metas de produtividade é fundamental para o sucesso.

Não é só trabalho

Barnes diz que sua empresa está agora orientando cerca de 50 companhias sobre como implementar uma semana de quatro dias. O empresário diz que as mudanças na forma como estruturamos o trabalho em tempo integral podem enfrentar uma série de desafios sociais.

"Uma em cada cinco pessoas da nossa força de trabalho está sofrendo de estresse mental. Se você resolve esse problema, imagine o impacto no orçamento da saúde. Se você oferece aos pais a oportunidade de passar mais tempo com seus filhos, imagine o impacto na educação deles. Se você reduz a circulação de carros na hora do rush, já que os funcionários não estão no trabalho, imagine o impacto disso no meio ambiente".

Rae Cooper, professora de relações de gênero e emprego na Universidade de Sydney, na Austrália, diz que a semana de quatro dias também trata de outra questão importante: a saída de mulheres altamente qualificadas da força de trabalho.

"Em média, as mulheres têm o primeiro filho na Austrália aos 30 anos. Essa é a idade na qual estamos desenvolvendo nossa carreira. Estamos perdendo mulheres [da força de trabalho] porque não estamos dando a elas escolhas para ser mães e trabalhadoras produtivas", diz ela.

E isso é algo que Blackham, da Versa, está desesperada para mudar. Ela quer garantir que sua filha possa conjugar carreira e vida familiar. "Ninguém deveria ter que lutar pela flexibilidade", diz.