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Após lucro recorde puxado por venda de gasodutos, o que mais está na fila de privatização na Petrobras

Laís Alegretti

Da BBC News Brasil em Londres

05/08/2019 07h05

Após a privatização de uma rede de gasodutos, a Petrobras registrou lucro recorde de R$ 18,9 bilhões de abril a junho de 2019, o maior resultado trimestral da companhia.

Ao divulgar o resultado, a Petrobras informou que ele se deve "principalmente" à conclusão da venda, em junho, da Transportadora Associada de Gás (TAG), que atua no transporte e na armazenagem de gás natural.

A operação faz parte do processo de privatização de "braços" da Petrobras, prometido pelo comando da companhia e pela equipe econômica do governo Jair Bolsonaro.

O governo e a Petrobras têm se empenhado para promover a venda de outros ativos da companhia e concentrar esforços na área de exploração e produção de petróleo. O plano é vender para a iniciativa privada ativos em áreas, como o refino e o transporte e distribuição de gás.

Agora, a dúvida é qual será a velocidade --e as condições-- em que esses ativos serão privatizados. E a decisão de vendas para a iniciativa privada, claro, continua a dividir opiniões: se o mercado aprova a iniciativa, representantes dos funcionários são contrários ao plano.

Fila de privatização

O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender a privatização de ativos da Petrobras em evento no Rio, em julho.

"O petróleo está no fundo do mar, pode ser que daqui a 20 ou 30 anos o carro seja elétrico e o petróleo fique sem valor. Então, estamos trabalhando a mil por hora para focar a Petrobras na extração do petróleo", afirmou Guedes, que no mesmo dia voltou a dizer que a intenção do governo é "disparar o canhão da privatização".

Em mensagem aos investidores, divulgada com o resultado do segundo trimestre, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse que "com um programa de desinvestimentos desenhado, a prioridade daqui em diante será a estruturação e execução das transações".

"Estamos firmemente comprometidos em sair completamente dos negócios de transporte e distribuição de gás natural e em reduzir nossa participação nas compras para menos de 50%, concentrando-nos consequentemente na exploração e produção", escreveu.

Em conferência com investidores na sexta-feira (2), Castello Branco disse que "internamente" o plano de desinvestimentos "está praticamente fechado".

A Petrobras já divulgou que pretende privatizar oito refinarias:

  • Refinaria Abreu e Lima (RNEST)
  • Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR)
  • Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP)
  • Refinaria Landulpho Alves (RLAM)
  • Refinaria Gabriel Passos (REGAP)
  • Refinaria Isaac Sabbá (REMAN)
  • Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (LUBNOR)
  • Unidade de Industrialização do Xisto

As quatro primeiras já tiveram os alertas de venda (chamados de teasers) divulgados. As outras quatro devem ter os "teasers" divulgados até o fim deste ano, segundo a Petrobras.

Outros ativos que estão no plano de vendas da companhia são a Liquigás (distribuidora de gás liquefeito de petróleo), a participação da Petrobras na processadora de gás argentina Mega e alguns campos --que a Petrobras diz que são "campos maduros, com baixa produtividade e alto custo de extração e onde não somos donos naturais".

Neste ano, a Petrobras também vendeu parte da participação da BR Distribuidora, concluiu a venda da refinaria de Pasadena, no Texas, para a Chevron, e vendeu suas operações no Paraguai à empresa paraguaia Copetrol.

Na mensagem aos investidores, Castello Branco mencionou vender, "no futuro", parcial ou totalmente o que a Petrobras ainda tem em participação na BR Distribuidora.

"Os desinvestimentos somaram US$ 15 bilhões até o final de julho, com destaque para as transações da TAG, da BR Distribuidora --primeira privatização via mercado de capitais na história do Brasil-- e de campos maduros de petróleo.

Ficamos ainda com 37,5% do capital da BR, que no futuro temos a intenção de vender parcial ou totalmente. Enquanto isso, vamos nos beneficiar como acionistas do enorme potencial de criação de valor da BR com a flexibilidade que possui uma empresa privada."

Ritmo do mercado

Doutora em Planejamento Energético e coordenadora de pesquisa do centro de estudos FGV Energia, Fernanda Delgado elogia o programa de desinvestimento da companhia e diz que "a Petrobras tem feito seu dever de casa".

O ritmo em que as vendas acontecerão, no entanto, dependerá muito mais do mercado do que da estatal, segundo ela.

"O sucesso e a velocidade da venda das refinarias, que é o desafio maior que a Petrobras tem agora, vão depender da resposta que o mercado vai dar. O processo de desinvestimento está posto, a filosofia de abertura ao mercado está sendo cumprida, ao encontro do que governo e Petrobras querem. Mas a velocidade depende muito mais do apetite do mercado do que necessariamente daquilo que o governo espera."

Para o segundo semestre, Fernanda diz que tem um "otimismo cauteloso" em relação ao setor. O motivo para a cautela é a política, que ela lembra que pode afetar as decisões dos investidores.

"Como tudo no Brasil, a gente tem que ter muita cautela. As instituições são sólidas, mas existe uma fragilidade democrática ainda de um país muito novo. As políticas econômicas às vezes não se coadunam com as políticas que a gente tem, pouco democráticas. Algumas coisas devem ser vistas com muita cautela. Eu vejo de forma muito otimista o segundo semestre para o setor petrolífero, mas um otimismo cauteloso."

Não à privatização

Marcos Dias, diretor da secretaria de política e formação sindical do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro) do Rio de Janeiro, chama o resultado da Petrobras no segundo trimestre de "lucro artificial".

"O lucro foi altíssimo por conta da venda da TAG. Isso aí não necessariamente quer dizer que a empresa está mais saudável, que as contas estão mais saudáveis. É um lucro artificial", disse.

Contrário a qualquer venda de ativos da estatal, ele diz que "está se desenhando um cenário bem nefasto" para os próximos meses, já que "o governo está trabalhando a todo vapor" pelas privatizações.

Dias argumenta que o Sindipetro defende uma Petrobras "100% estatal", inclusive sem ações na Bolsa de Valores.

"A partir do momento que lança ações em Bolsa, você fica refém dos interesses daqueles investidores. E não é isso que defendemos. Queremos uma Petrobras 100% estatal, para preservar a soberania nacional, para a população brasileira dar pitaco na nossa política energética."

Ele também diz que o enxugamento da companhia representa uma redução do quadro de funcionários e diz que não está claro o que será oferecido para os funcionários que trabalham nas áreas que a Petrobras quer vender, como as refinarias.

Questionada sobre o assunto, a Petrobras informou que "conduzirá o processo de desinvestimento em absoluto respeito aos profissionais e à legislação".

"O modelo de gestão de pessoas que será adotado envolverá opções aos empregados. Já há um programa de desligamento voluntário (PDV) anunciado pela companhia e outras opções também surgirão, como a realocação interna, conforme interesse da companhia, plano de deslocamento via acordo, existindo ainda a possibilidade de o empregado migrar para as novas empresas de refino que serão constituídas", informou a assessoria da Petrobras.