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Como a alta no preço do ouro alimenta os temores de uma recessão global

Garimpeiro Luis Aragão Baldez, 52, exibe pequena pedra de ouro na palma de sua mão - Lilo Clareto/Repórter Brasil
Garimpeiro Luis Aragão Baldez, 52, exibe pequena pedra de ouro na palma de sua mão Imagem: Lilo Clareto/Repórter Brasil

Cristina J. Orgaz - BBC News Mundo

18/08/2019 10h27

Guerra comercial, mercados financeiros em queda e, em última análise, medo de uma recessão. Essa combinação de fatores tem levado investidores ao redor do mundo a tirar seu dinheiro das ações cotadas nas bolsas e a colocá-lo no ouro.

O raciocínio por trás disso seria de que as empresas com ações nas bolsas não vão dar o lucro esperado e o temor de uma mudança no panorama econômico global. Assim, esses investidores preferem limitar seus riscos buscando ativos que consideram mais seguros, como o próprio ouro e o dólar, o franco suíço, o iene, os títulos de dívida emitidos por países como Alemanha e EUA.

Outros fatores, como as tensões geopolíticas e as baixas no mercado de títulos de dívidas, reforçaram essa incerteza.

Diante disso, o preço da onça do ouro superou, pela primeira vez em mais de seis anos, o valor de US$ 1,5 mil, maior nível desde março de 2013.

Apenas nos últimos três meses e meio, seu valor passou de US$ 1.270 a US$ 1.516, cotação da última sexta-feira (16/8). É uma alta de quase 20%.

"O mercado está se preparando para uma mudança de ciclo e isso tem feito (o preço do) ouro disparar", diz Javier Molina, porta-voz da plataforma de negociação de moedas eToro.

Como acontece em todas as crises, o precioso metal segue sendo uma das pistas a serem analisadas com cuidado quando o cenário econômico global se deteriora - que parece ser o caso agora.

De que os mercados têm medo?

O principal temor é a desaceleração do crescimento. A escala mundial da economia pode ter já entrado em uma fase de recessão.

O primeiro sinal disso vem de um indicador-chave: a curva de rentabilidade.

Pela primeira vez desde 2007, um ano antes da grande crise financeira mundial, essa curva mudou.

Isso significa que, para os governos de EUA e Reino Unido, sai mais barato emitir dívida para daqui a dez anos do que para dois anos (embora o risco seja maior quanto mais tempo durar o empréstimo).

Esse fenômeno é incomum e costuma prenunciar uma recessão ou, ao menos, uma significativa desaceleração do crescimento econômico em escala global.

"Sem dúvida, durante este trimestre, o colapso da rentabilidade dos títulos de dívida tem sido o principal impulsor da alta do ouro", diz à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Ole Hansen, chefe de estratégias em matérias-primas do banco dinamarquês Saxo Bank.

Alemanha e China

A essa conjuntura se somam os dados recém-divulgados da economia alemã: o PIB do país no segundo trimestre caiu 0,1%, puxada para baixo pela queda nas exportações e na produção industrial - seus dois grandes pilares -, em meio à guerra comercial entre EUA e China e ao caótico processo do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia, cujos termos ainda não estão definidos).

Ao mesmo tempo, a China publicou seus dados de vendas ao varejo e de produção industrial - o que, segundo analistas, evidenciou a debilidade de sua demanda interna e freio no consumo.

Para Mark Haefele, chefe de investimentos do banco suíço UBS, esses dados "dão sequência a uma tendência de crescimento global baixo que já dura vários meses".

As expectativas de que a economia mundial siga claudicante vão puxar para baixo as taxas de juros de muitos países, como forma de os bancos centrais estimularem o crescimento internamente.

Mas, desta vez, não está claro que os bancos centrais vão contar em seu arsenal com políticas eficazes para levar a cabo essa tarefa, algo que também colabora para gerar ainda mais incerteza.

"Todos os olhos estão sobre o Fed (banco central americano). Qualquer corte adicional (na taxa de juros) em uma conjuntura de incerteza geopolítica pode fazer subir ainda mais o preço do ouro", opinam especialistas da M&G Investments.

Segundo fator

Em segundo lugar, os mercados têm medo da escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China.

Muitos analistas creem que essa disputa não vai arrefecer tão cedo.

"A disputa comercial se intensificará nas próximas semanas, já que nenhuma das partes têm interesse em recuar, o que deve alimentar a inquietação atual dos mercados e respaldar (a busca por) ativos seguros, como o ouro", explica Norbert Rücker, chefe de Economia do banco suíço Julius Baer.

De fato, o que começou como uma guerra tarifária entre EUA e China agora é cambial, uma vez que a China decidiu desvalorizar o yuan para tornar suas exportações mais competitivas, com impactos na economia de todo o mundo.

"Não acreditamos que as autoridades chinesas vão deixar cair ainda mais sua moeda, mas tampouco vemos uma solução rápida" para a guerra comercial, diz a equipe de análise global do Bank of America Merrill Lynch.

Terceiro fator

Por fim, a demanda pelo ouro tem se mantido forte, em uma busca pela diversificação de ativos.

Em âmbito global, bancos centrais aumentaram sua compra do metal precioso no primeiro semestre de 2019, para o mais nível em seis anos, totalizando reservas de US$ 15,7 bilhões.

No total, suas reservas subiram 145,5 toneladas de ouro no período, uma alta de 68% em comparação com o primeiro trimestre de 2018.

Os principais países compradores de ouro são Rússia, China e Irã, que respondem às sanções impostas pelos EUA vendendo dólares e comprando ouro para suas reservas.

Reino Unido e Argentina

A situação no Reino Unido, que está politicamente paralisado pelo Brexit, e na Argentina, cujo mercado despencou depois das primárias das eleições presidenciais, também contribui para esse cenário.

"Alguns mercados emergentes, como a Argentina, estão em crise", afirma Nitesh Shah, analista da empresa de investimentos WisdomTree. "Historicamente, quando eventos similares ocorreram na economia argentina, houve um efeito de contágio em outros países emergentes."