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Por que o leilão do pré-sal resultou no 'pior cenário' para o governo

Vitor Hugo Brandalise e Rafael Barifouse

Da BBC News Brasil em São Paulo

06/11/2019 15h41Atualizada em 06/11/2019 19h26

Resumo da notícia

  • Segundo analistas, governo pediu valor alto demais pelas áreas de petróleo
  • Dois campos foram arrematados pela própria Petrobras, sem concorrência, e pelo lance mínimo possível
  • Governo ficou preso com um contrato com valor mínimo por 30 anos, diz analista
  • Outro ponto negativo foi a indefinição sobre ressarcimento a ser pago para Petrobras
  • Ministro de Minas e Energia minimizou ausência de estrangeiras e disse que resultados "cumpriram com as expectativas"

O governo pediu um valor alto demais pelos quatro campos de petróleo do pré-sal da bacia de Santos, que foram a leilão nesta quarta-feira (6), e o resultado acabou sendo frustrante, avaliaram especialistas em mercado internacional do petróleo ouvidos pela BBC News Brasil.

A expectativa do governo era receber R$ 106,5 bilhões por quatro áreas de exploração, e o valor arrecadado foi de R$ 69,8 bilhões por dois desses campos (Búzios, o mais valioso, por R$ 68,2 bilhões, e Itapu por R$ 1,6 bilhão). Os outros dois campos (Sépia e Atapu) não receberam ofertas.

Além do valor abaixo do previsto, o leilão atraiu poucas empresas estrangeiras.

Em um dos campos, o de Búzios, a oferta foi vencida por um consórcio formado pela Petrobras com as empresas chinesas CNOOC e CNODC. Os chineses, porém, vão entrar com apenas 10% do total, menos de R$ 7 bilhões, e o restante será pago pela Petrobras. Já para o outro campo, o de Itapu, a única oferta foi a da Petrobras.

Como não houve concorrência (e as únicas estrangeiras a participar foram as que se uniram à Petrobras), os campos foram arrematados pelo lance mínimo previsto. Nesse tipo de leilão, além do valor fixo a ser pago para cada um dos campos, a disputa se dá pela oferta de petróleo ao governo durante o período de contrato (30 anos).

"Ficou muito claro que o governo errou a mão na definição dos bônus, cobrou caro demais. O fato de a geologia na área ser de baixíssimo risco, e a oferta era por campos com petróleo já descobertos, expõe esse erro ainda mais", disse o economista Edmar Fagundes de Almeida, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

"Isso resultou no pior cenário possível para esse leilão. Dois campos arrematados pela própria Petrobras, sem concorrência, e pelo lance mínimo possível para os dois campos", disse Fagundes.

"Então, não é apenas o fato de ter recebido um valor inferior ao que esperava, mas também de que no futuro o lucro vai ser mais baixo. O governo ficou preso com um contrato com valor mínimo por 30 anos. É preocupante."

Para Fagundes, a estratégia definida pela Petrobras foi "inadequada". "Um leilão bem feito é o que tem competição. O governo falhou ao não dar margem para essa competição acontecer, ao colocar o preço lá no alto, o mais caro já cobrado no país, os R$ 106,5 bilhões que o governo esperava receber, e acabaram frustrados."

Para o economista Helder Queiroz Pinto Junior, professor da UFRJ especialista em financiamento e regulamentação do setor energético, a indefinição em relação ao ressarcimento a ser pago para a própria Petrobras, que investe na área desde 2010 e, por isso, na definição do modelo do leilão, deveria receber de volta parte desse investimento, desestimulou a entrada de concorrentes.

A Petrobras pedia R$ 45 bilhões de ressarcimento pelo que investiu na área desde 2010, nos cálculos do Tribunal de Contas da União, o valor deveria ser de R$ 34 bilhões.

"As empresas temeram que a negociação sobre esse ressarcimento levasse muito tempo, ou que fosse parar na Justiça, e, por isso, decidiram não concorrer", disse Queiroz. "É um resultado frustrante porque é sabido que o volume de petróleo nessa área é elevado e com possibilidade de a produção começar rapidamente. Se não atraiu investidores, é porque o modelo definido pelo governo foi falho."

Justificativas

Em coletiva de imprensa depois do leilão, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, minimizou a ausência de empresas estrangeiras e afirmou que os resultados "cumpriram com as expectativas". "Foi o maior valor arrecadado em bônus em leilões de petróleo no Brasil, é um motivo de orgulho para o governo", afirmou.

Questionado sobre o motivo de as grandes multinacionais não terem participado, Albuquerque disse que "é necessário avaliar" as razões que fizeram com que essas empresas não participassem.

O ministro afirmou, no entanto, que após o novo leilão de cinco campos do pré-sal nesta quinta-feira (7), o governo vai avaliar a participação de empresas estrangeiras, para verificar se será necessário "rever a metodologia" para as próximas ofertas.

"A Petrobras exerceu o direito de preferência sobre duas áreas, e já era prevista sua participação. Duas petroleiras chinesas que já se encontram em operação no Brasil e em outras áreas do mundo e são importantes, mas como sabemos amanhã será realizado novo leilão do pré-sal, com outras características, temos que aguardar para ver qual será a participação das outras empresas para, depois, termos um cenário em que possa talvez rever a metodologia e outros parâmetros para o sucesso dos próximos leilões."

Já o presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, disse que a participação da Petrobras no leilão teve impacto na decisão de outras empresas participarem. "O fato de a Petrobras ser a companhia que tem prioridade para escolher operação inibe a concorrência", afirmou, na entrevista coletiva.