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Às vésperas de cúpula, 'pai do Brics' questiona relevância do grupo: 'alguém notaria se não houvesse reunião?'

"O que é necessário é que o Brasil reduza sua dependência das commodities ? o que é fácil falar, mas difícil de fazer", diz Jim O"Neill - Cortesia Jim O"Neill
'O que é necessário é que o Brasil reduza sua dependência das commodities ? o que é fácil falar, mas difícil de fazer', diz Jim O'Neill Imagem: Cortesia Jim O'Neill

Laís Alegretti - @laisalegretti - Da BBC News Brasil em Londres

11/11/2019 17h32

Há dezoito anos, em novembro de 2001, o economista britânico Jim O'Neill resolveu olhar as economias do Brasil, Rússia, Índia e China como um grupo.

Foi assim que, em um relatório do banco Goldman Sachs, ele criou o termo Bric para se referir aos quatro países, que ele considerava com grande potencial de crescimento econômico.

Inicialmente um termo usado pelo mercado financeiro para fazer referência a economias emergentes, os países do Bric começaram a se reunir cerca de cinco anos depois do relatório de O'Neill. Em 2010, a África do Sul se juntou ao grupo, que passou a ser chamado Brics.

Agora, às vésperas da cúpula do Brics, Jim O'Neill questiona o resultado dessas reuniões e defende que os países busquem mais ações conjuntas para problemas que têm em comum.

"Eles geralmente parecem desfrutar apenas do simbolismo da reunião, em vez de realmente adotar políticas. Eu disse a um amigo na semana passada: 'alguém notaria se não houvesse reunião do Brics?'", afirmou O'Neill em entrevista à BBC News Brasil.

O economista, que é ex-secretário do Tesouro do Reino Unido e integrante da Câmara dos Lordes do Parlamento Britânico, diz que se orgulha de os países se reunirem como "grupo político" e que há uma importância simbólica nesses encontros, mas diz que os resultados não têm sido interessantes.

"Sugiro que os líderes dos Brics se perguntem: 'o que já fizemos como resultado de uma reunião para melhorar nossas economias individualmente e coletivamente?'", diz O'Neill.

"Acho importante que eles comecem a pensar mais seriamente nas coisas que poderiam fazer juntos. Por que eles não buscam acordos comerciais mais sérios entre si? Por que eles não buscam mais iniciativas conjuntas em áreas da saúde, particularmente de doenças infecciosas?"

Essa busca para intensificar as parcerias, segundo O'Neill, deveria partir principalmente dos países que estão com a economia mais fraca, como Brasil e Rússia. "É de se esperar que eles tentem procurar as ferramentas, interna e externamente, que possam ajudá-los a se recuperar."

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Em 2019, a cúpula do Brics acontecerá no Palácio Itamaraty, em Brasília. É a segunda vez que a capital brasileira sedia o encontro — a primeira foi em 2010
Imagem: Getty Images

As reuniões de cooperação entre os quatro países começaram de maneira informal em 2006, segundo o Itamaraty, com a reunião dos chanceleres desses países no âmbito da Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Em 2009, os encontros passaram a ser anuais e a contar com a presença dos chefes de Estado e governo.

O Itamaraty defende que houve uma "rápida ampliação dos temas tratados pelos parceiros" na última década e que foram estabelecidas mais de 30 áreas de cooperação desde a primeira cúpula, em 2009 — entre elas, economia, ciência, saúde e tecnologia.

Um dos pontos mais marcantes foi a criação, em 2014, do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics (NDB), o chamado Banco do Brics, com o objetivo de aumentar o investimento em infraestrutura e desenvolvimento sustentável nas economias emergentes.

Em relação à saúde, há dois anos, com a concentração nos países do Brics de quase 50% de todos os casos novos de tuberculose no mundo, foi lançada a Rede Brics de Pesquisa em Tuberculose, com o objetivo de reunir esforços de pesquisa e desenvolvimento no combate a essa doença.

A cúpula de 2019 será nos dias 13 e 14 de novembro, no Palácio Itamaraty, em Brasília. É a segunda vez que a capital brasileira é sede do encontro — a primeira foi em 2010.

Qual é o crescimento dos Brics hoje?

Dos cinco países que hoje integram o grupo, apenas a China e a Índia terão um crescimento significativo em 2019 — de 6,1% cada um, segundo a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ao mesmo tempo, Brasil, Rússia e África do Sul terão crescimento próximo a 1%.

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O desempenho "decepcionante" da economia brasileira nos últimos anos se deve à forte dependência do preço das commodities, segundo o economista.

"O que é necessário é que o Brasil reduza sua dependência das commodities — o que é fácil de falar, mas difícil de fazer. Também é importante reduzir a participação do governo na economia e criar um ambiente para estimular investimentos privados", diz.

O'Neill elogia a aprovação da reforma da Previdência e afirma que foi um "passo importante" que "aumenta as chances de o crescimento do Brasil não ser tão ruim quanto foi nos últimos anos".

O principal desafio para o país, segundo ele, é convencer os investidores de que tem um ambiente seguro para os investimentos.

"O mais importante é criar confiança entre os empresários, no exterior e no mercado interno, de que o Brasil será um país com estabilidade, menos corrupto e mais confiável para as pessoas construírem seus negócios."

Desaceleração mundial

Na comparação com o desempenho em 2018, os países do Brics, inclusive a China e a Índia, crescerão menos neste ano, segundo as previsões do FMI.

Isso acontece enquanto a economia mundial sofre com a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores economia do mundo. Nesse cenário, o FMI reduziu em outubro a expectativa de crescimento mundial para 3% neste ano.

"A disputa comercial entre Estados Unidos e China é a principal ameaça à economia global", diz O'Neill.

Para o economista, o mais provável é que a disputa comercial entre os dois países não seja resolvida de forma permanente no curto prazo, mas ele acredita que tarifas já impostas serão removidas.

"É provável que, de 2019 para 2020, tenhamos um período melhor em relação à disputa comercial entre EUA e China. Continuar assim não é interessante para ninguém."

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Guerra comercial entre China e EUA é a principal ameaça ao crescimento econômico mundial
Imagem: Getty Images

Embora aponte que a economia mundial está "definitivamente desacelerando", O'Neill não acredita que uma recessão esteja próxima.

"A economia mundial está vulnerável — há muitas questões, como a guerra comercial e uma possível bolha na área de tecnologia — no entanto, espero não chegue a uma recessão", diz.

Ele argumenta que países europeus, como a Alemanha e o Reino Unido, não precisarão mais de uma política fiscal tão rígida, o que poderá estimular a economia.

"Acredito que mudaremos para uma política fiscal mais expansionista em lugares que podem fazer isso, como na Europa. Isso pode melhorar em relação a anos anteriores", diz. "Mas os riscos de recessão são definitivamente maiores do que há alguns anos."

Ao comentar os protestos no Chile, O'Neill diz que o crescimento econômico que o país alcançou não gerou benefícios para toda a população e que, em vários países, o capitalismo precisa funcionar melhor e beneficiar mais pessoas.

"Os protestos no Chile chamam atenção para o que é um problema em grande parte do mundo desenvolvido — como Estados Unidos e Reino Unido —, que é sobre como o capitalismo não está funcionando bem o suficiente", disse.

"O Chile teve crescimento econômico, mas não houve número suficiente de pessoas que se beneficiaram dele. Precisamos que o capitalismo funcione melhor para mais pessoas em muitos países."