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Por que EUA têm congestionamento recorde de navios de contêineres

Portos como o de Los Angeles têm visto filas de embarcações esperando para descarregar - Reuters
Portos como o de Los Angeles têm visto filas de embarcações esperando para descarregar Imagem: Reuters

Micah Luxen

Da BBC Reality Check

18/10/2021 07h32Atualizada em 18/10/2021 18h46

Há semanas navios-contêineres fazem fila na costa Califórnia, nos Estados Unidos, para descarregar suas mercadorias. Em meio a um verdadeiro congestionamento das cadeias globais de suprimentos, alguns têm de esperar dias para aportar.

"Estamos enfrentando um aumento sem precedentes de chegadas de novas cargas nos portos de Long Beach e Los Angeles. É uma mistura de velhos desafios da cadeia de abastecimentos com grandes mudanças no comércio global por conta da pandemia", afirmou o prefeito da cidade californiana de Long Beach.

Imagens de satélite da região dos portos de Long Beach e Los Angeles mostram um formigueiro de grandes embarcações estacionadas, esperando para descarregar.

São navios porta-contêineres carregados mercadorias — quase tudo o que se possa imaginar, de brinquedos a raquetes de tênis vindas da Ásia pelo Oceano Pacífico até costa oeste dos EUA.

O Marine Traffic, site de rastreamento de navios, contabilizou mais de 50 navios porta-contêineres na costa de Long Beach e Los Angeles no último dia 13 de outubro, depois de engarrafamentos recordes em setembro.

Os dois portos são a principal referência para a carga que vem da China. Assim, uma vez que um congestionamento começa, a probabilidade de ele piorar com rapidez é alta, diz Janet Porter, presidente do Conselho Editorial da Lloyd's List, publicação sobre o setor marítimo.

"Todo o ciclo de embarque ficou mais lento. Alguns navios ficam esperando dias, até mesmo algumas semanas, para descarregar."

Nos primeiros oito meses de 2021, o volume de carga enviada da Ásia para os EUA aumentou cerca de 25% em comparação com o mesmo período de 2019, antes da pandemia de covid-19, conforme os dados do Container Trades Statistics. O cenário foi diferente, por exemplo, na Europa, em que os números permaneceram praticamente inalterados entre os dois períodos.

Na costa leste dos EUA, também há filas de navios no porto de Savannah, na Geórgia. Agosto foi o segundo mês mais movimentado na região de que se tem registro.

Motivos

A chamada crise dos contêineres tem diferentes aspectos. Cerca de dois meses atrás, o epicentro era a própria China, que decidiu fechar alguns de seus mais movimentados portos de contêineres no esforço para evitar a disseminação da covid-19, diagnosticada em alguns funcionários. Esse gargalo fez disparar o custo de frete marítimo e provocou uma escassez global de produtos.

Navios enfileirados perto dos portos de Los Angeles e Long Beach - Getty Images - Getty Images
Navios enfileirados perto dos portos de Los Angeles e Long Beach
Imagem: Getty Images

Parte do congestionamento de navios-contêineres nos EUA se deve ao aumento da demanda por parte dos americanos, que muitas vezes têm preferido gastar comprando pela internet do que para sair de férias ou jantar fora.

A demanda de bens de consumo, de forma geral, cresceu 22% em relação aos níveis pré-pandêmicos (comparando-se agosto de 2021 com fevereiro de 2020).

A consultoria Capital Economics chama atenção para o aumento expressivo nas importações de brinquedos, jogos e artigos esportivos (de até 74%) e de eletrodomésticos (até 49%).

"Neste momento, muitos transportadores marítimos estão com seus contêineres cheios de mercadorias temáticas. São bilhões de dólares em artigos para o Halloween e muitos bilhões de dólares em decorações natalinas, como árvores e luzes de Natal", acrescenta o professor Christopher Tang, da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

O próprio esforço do país para recuperar a economia também contribui para pressionar a demanda, diz ele.

À medida que as empresas incentivam seus funcionários a retomar o trabalho presencial, aumenta a procura por equipamentos de escritório, como computadores e impressoras - muitos dos quais hoje presos em vários contêineres vindos da Ásia.

E há ainda os equipamentos novos que serão usados dentro das estratégias para evitar a contaminação pelo coronavírus dentro do ambiente do escritório.

"Muitos filtros de ar e equipamentos de ventilação também estão nesses contêineres esperando para serem descarregados", completa Tang.

Quando a carga finalmente chega ao porto, contudo, o problema não acaba.

Como destaca Gary Hufbauer, membro sênior do Peterson Institute for International Economics, hoje há um déficit de trabalhadores portuários qualificados, motoristas de caminhão e tripulação ferroviária para garantir que a mercadoria seja distribuída de forma eficiente nos EUA.

"Isso é reflexo em grande parte da variante Delta, mas também da aposentadoria de muitos trabalhadores, principalmente entre os motoristas de caminhão."

Era possível ter evitado o problema?

"Acho que ninguém previu esse aumento expressivo na demanda — especialmente depois que os navios tiveram de 'ficar de molho' por conta da pandemia", opina Porter.

A imagem dos engarrafamentos de navios na costa da Califórnia levantou um debate mais amplo sobre a situação das cadeias de abastecimento no país. Há algum tempo existe uma demanda por parte do setor para que a infraestrutura seja modernizada.

Especialistas afirmam que parte dos problemas de capacidade logística nos portos norte-americanos de fato existiam antes da pandemia.

"Isso reflete anos de investimento inadequado. A capacidade de um porto não se deteriora tão rapidamente, mas havia provavelmente menos de 5% de margem de capacidade ociosa [antes da pandemia]", pontua Hufbauer.

Em manifestação sobre o assunto, o chefe de gabinete da Casa Branca declarou que o governo Biden estaria lidando com a "bagunça da cadeia de suprimentos" que herdou de gestões anteriores.

Uma força-tarefa da Casa Branca foi criada para tentar aliviar os gargalos. Entre as iniciativas está a ampliação do horário de funcionamento do porto de Los Angeles, uma tentativa de amenizar os congestionamentos.