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COP26: Presidente do BNDES diz que 'miséria' no Brasil dificulta cortar subsídios a combustíveis fósseis

"Fazer transição num modelo de país desenvolvido não se aplica", diz Gustavo Montezano. Executivo está em Glasgow, na Escócia, para participar da COP26 - MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
'Fazer transição num modelo de país desenvolvido não se aplica', diz Gustavo Montezano. Executivo está em Glasgow, na Escócia, para participar da COP26 Imagem: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

10/11/2021 22h41

Na contramão de uma das principais recomendações da COP26, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, disse nesta quarta-feira (10/11) à BBC News Brasil que a "miséria" em regiões do Brasil dificulta cortar subsídios e financiamento a combustíveis fósseis.

Um dos trechos do rascunho do acordo final da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, divulgado nesta quarta-feira, prevê "acelerar a eliminação do uso de carvão e de subsídios a combustíveis fósseis". Mas, para o presidente do BNDES, uma transição mais lenta seria necessária para reduzir "impactos sociais".

"No Brasil, a dificuldade dessa transição é que ela seja justa. Nós somos um país como muita miséria, especialmente com a covid, que agravou essa situação. Então você fazer transição num modelo de país desenvolvido, isso não se aplica para a gente, pode colocar pessoas na miséria", disse Montezano, ao ser perguntado se o Brasil deve reduzir financiamento e subsídios ao setor de petróleo, carvão e gás natural.

"Você está na Amazônia e você gasta R$ 8 bilhões por ano em subsídio no combustível. Como que a gente, amanhã, corta isso e fala que as pessoas que moram numa comunidade isolada vão ter que pagar três vezes mais? Temos que ter cuidado com impacto social disso. Se você faz transição do óleo para o gás, você já fez uma melhoria enorme para o impacto climático", completou o presidente do BNDES, que está em Glasgow, na Escócia, para participar de eventos da COP26.

Mas o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, lembra que boa parte da Amazônia é abastecida por hidrelétricas, como a de Belo Monte e a do rio Madeira. E, segundo ele, há diversos projetos de energia sustentável para substituir a dependência de algumas regiões do Norte do país em energia a diesel.

"Em algumas comunidades da Amazônia, o diesel é usado como gerador de gelo, para conservar peixe. Mas a USP em SP desenvolveu uma fábrica de gelo movida a energia solar e já está sendo implementada por ONG lá na Amazônia", exemplificou.

Também na contramão do que diz o rascunho do acordo da COP26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, defendeu na terça-feira (9/11) um projeto do governo que injeta recursos na indústria do carvão. O argumento dele é que adotar medidas para eliminar carvão afetaria empregos em regiões que produzem esse tipo de combustível.

"O Brasil entende que algumas regiões ainda vão depender de combustíveis fósseis por um período. E fazer uma operação mais sustentável, com menos emissão, é importante para uma transição responsável", disse, em entrevista à imprensa.

Mas, segundo ambientalistas, essas medidas são um retrocesso e geram imagem negativa para o Brasil num momento em que o mundo inteiro pede compromissos mais ambiciosos para conter as mudanças climáticas.

"Além de aumentar o desmatamento nos últimos dois anos, o Brasil anunciou investimentos em carvão óleo e gás. Além disso, o governo tornou alguns desses setores extremamente poluentes em provedores fixos de energia, sendo que antes eles eram acionados como 'back up', para suprir energia em período de seca", disse Márcio Astrini, do Observatório do Clima.

"Então, foi uma dupla operação de aumento da poluição que o governo promoveu na área de energia."

Incentivar boas práticas x punir quem polui

A BBC News Brasil também perguntou a Gustavo Montezano qual o papel do BNDES em evitar que crédito vá para indústrias ou empresas de alto impacto ambiental e que não possuem projetos de sustentabilidade.

Montezano respondeu que, em vez de cortar crédito a determinados setores, o enfoque do banco será estimular, assumindo parte dos riscos, projetos que envolvam transição de energia suja para renovável.

"Lançamos um fundo que vai dar garantia de crédito a micro e pequenas empresas que fizerem investimento em transição energética. Esse fundo vai assumir parte do risco. É mais focar no incentivo do que mandar parar (o financiamento) para quem não tem projeto sustentável", disse à BBC News Brasil.

Mas, diante da emergência climática, diversos países têm defendido uma postura mais firme de bancos e fundos de investimentos para impedir que recursos sejam direcionados a produtos que causam alto impacto no meio ambiente.

Como parte do acordo florestal, firmado durante a COP26, presidentes de mais de 30 instituições financeiras, como Aviva, Schroder e Axa, se comprometeram a eliminar investimentos em atividades ligadas ao desmatamento.

'Faltam bons projetos, não dinheiro'

O presidente do BNDES também disse que o maior gargalo no Brasil hoje em financiamento ambiental está na escassez de "bons projetos", não na falta de dinheiro.

"O grande desafio nosso, nesse momento, é desenvolver e alocar projetos. Só na carteira do BNDES hoje, com recursos próprios do banco, dentro do Plano de Crescimento Verde, a gente tem, nos próximos cinco anos, R$ 120 bilhões a serem investidos", disse.

"É bastante dinheiro. O gargalo é ter bons projetos. Recurso é uma questão sim, mas o principal problema é ter bons projetos."

Para Montezano, um dos fatores por trás da falta de bons projetos sustentáveis, está no desconhecimento do setor privado brasileiro sobre questões ambientais.

"Esse gargalo vem de uma cultura do Estado brasileiro em não investir na preparação de projetos. O segundo gargalo é a própria comunidade de executivos brasileiro entenderem de clima", disse.

"É como se o executivo do mercado financeiro focasse no dinheiro, no financeiro, e toda a área ambiental e social dependesse do governo. Agora não, agora cabe também ao setor privado. É importante entender a sustentabilidade também como negócio."