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Turismo médico migra para Tailândia e impulsiona economia após golpe militar

William Mellor

19/11/2014 16h32

19 de novembro (Bloomberg) -- Monica Topliss faz uma pausa no café da manhã em um hotel em Bangkok para explicar por que voou 7.300 quilômetros da Austrália até lá para ser submetida à faca de um cirurgião plástico tailandês.

"O valor total, incluindo passagens aéreas e hotel, é de 15.000 dólares australianos (US$ 13.050), quando no meu país teria custado o dobro", diz Topliss, cozinheira-chefe de 48 anos de idade e autora de livros de culinária, a respeito dos procedimentos de aumento da mama e odontologia estética pelos quais ela acaba de passar. "E o cirurgião fez um grande trabalho. É como se o relógio tivesse sido atrasado em 20 anos. Além disso, eu também estou tendo duas maravilhosas semanas de férias. Até mesmo os hospitais parecem hotéis cinco estrelas".

Venha pelos templos dourados e pelas praias ensolaradas; fique pelos serviços médicos de baixo custo credenciados pelos EUA. Ou vice-versa. Esta é atualmente a Terra dos Sorrisos, reportará a revista Bloomberg Markets em sua edição de dezembro. Estrangeiros em busca de todo tipo de tratamento, de cirurgias de peito aberto a mudanças de sexo, transformaram a Tailândia no destino número 1 para o chamado turismo médico, atraindo 1,8 milhão de visitantes estrangeiros em 2013, segundo a Patients Beyond Borders, firma de consultoria com sede em Chapel Hill, Carolina do Norte, EUA.

Isso coloca a Tailândia, um país em desenvolvimento com um produto interno bruto per capita de apenas US$ 5.700, à frente dos EUA -- e também de Cingapura e da Malásia, vizinhos mais prósperos da Tailândia no Sudeste Asiático -- como destino preferido dos pacientes estrangeiros. No ano passado, os chamados turistas médicos injetaram US$ 4,7 bilhões na economia tailandesa, segundo estatísticas do governo. "Embora os EUA ainda sejam a primeira opção para os ultrarricos, a Tailândia é, inquestionavelmente, a número 1 entre aqueles que buscam cuidados médicos acessíveis", diz o fundador da Patients Beyond Borders, Josef Woodman.

Boa vontade

Seus pontos fortes renderam à Tailândia uma considerável boa vontade entre os investidores, que têm se mostrado dispostos a permanecer mesmo durante os meses de distúrbios políticos e sociais. Nos últimos 12 meses, o país foi sacudido por manifestações de rua mortais, um golpe militar, três meses de crescimento negativo e uma queda no turismo, setor responsável por 10 por cento do PIB. Mesmo assim, o SET Index, índice de referência do país, deu um salto de 22 por cento neste ano até 18 de novembro, contra uma queda de 1,7 por cento no MSCI Emerging Markets Index.

O turismo médico está fazendo sua parte. Um indicador de 15 ações tailandesas do setor hospitalar, impulsionado pelo turismo médico, deu um salto de 54 por cento em 2014 até 18 de novembro. Entre os principais beneficiários dos aumentos dessas avaliações estão três dinastias bilionárias da Tailândia.

Ações de hospitais

Entre elas está a família do falecido Chaleo Yoovidhya, um dos fundadores, juntamente com o bilionário austríaco Dietrich Mateschitz, em 1987, da Red Bull GmbH, maior empresa de bebidas energéticas do mundo. Avessa à mídia, a família Yoovidhya, cuja participação de 51 por cento na Red Bull vale em torno de US$ 10 bilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index, é dona do Hospital Piyavate, de Bangkok, onde Topliss foi submetida à cirurgia de mama.

Prasert Prasarttong-Osoth, 80, médico que se tornou empresário e fundou a Bangkok Airways Co., companhia aérea privada mais antiga da Tailândia, possui 20 por cento da Bangkok Dusit Medical Services Pcl, maior operadora de hospitais da Tailândia. As ações da Bangkok Dusit subiram 55 por cento até 18 de novembro. E a família Sophonpanich, cujo patriarca, Chin Sophonpanich, fundou o Bangkok Bank Pcl, maior banco da Tailândia em ativos, possui 45 por cento da Bumrungrad Hospital Pcl. As ações da Bumrungrad, empresa que se vende como dona da maior instalação privada de saúde do Sudeste Asiático, também deram um salto de 55 por cento neste ano.

Os militares tailandeses, que protagonizaram 12 golpes de Estado desde 1932, nem sempre inspiraram tanta confiança nos investidores. Após o golpe anterior, em 2006, a junta militar rapidamente impôs controles de capital, levando gestores de fundo a liquidar ações. Desta vez, os investidores vêm apostando que a safra atual de generais, liderada por Prayuth Chan-Ocha, o chefe do Exército que se transformou em primeiro-ministro, fará as coisas corretamente. Em setembro, os estrangeiros foram compradores líquidos de ações tailandesas pelo terceiro mês seguido. A entrada de US$ 657,1 milhões em recursos foi a maior desde dezembro de 2012, embora tenha sido seguida de uma saída de aproximadamente US$ 500 milhões em outubro.

Prayuth, 60, assumiu o poder em 22 de maio após seis meses de protestos de rua contra o governo eleito de Yingluck Shinawatra. Até o momento, ele tem mantido o controle sobre as divisões aparentemente intransponíveis entre a elite urbana e os pobres da zona rural da Tailândia.

Sob o comando de Prayuth, a Tailândia evitou uma recessão técnica em 2014, crescendo 1,1 por cento no período de três meses até 30 de junho e outro 1,1 por cento no trimestre que terminou em 30 de setembro. Em outubro, Sommai Phasee, ministro da Economia de Prayuth, projetou que a economia acabaria crescendo 2 por cento em 2014.

Grandes desafios

Prayuth disse que não haverá eleição até o final de 2015, pelo menos, e apenas depois que a junta militar aprovar uma nova constituição e decretar medidas não especificadas para "reformar" a política e a sociedade tailandesas. "O mercado se sairá bem no longo prazo, mas se decepcionará antes disso", segundo o ex-ministro da Economia da Tailândia, Korn Chatikavanij.

Em meio a tais desafios, o turismo médico é um setor no qual a Tailândia pode competir -- em serviços, preços e estilo. Os pacientes que chegam ao Aeroporto Suvarnabhumi, de Bangkok, são recebidos em mesas especiais de atendimento antes de serem levados aos hospitais, onde, em grandes saguões parecidos com os de um hotel, recepcionistas com domínio do inglês e intérpretes especializados em 30 idiomas os conduzem a quartos privados.

Hotéis cinco estrelas

Quando recebem alta, os pacientes podem se recuperar em hotéis cinco estrelas que cobram apenas US$ 100 por noite. A Medi Makeovers, agência de viagens médicas com sede em Sydney, agora é a maior cliente corporativa do Grande Centre Point Hotel Terminal 21, de Bangkok, segundo Somchai Meesri, gerente-geral desse hotel de 500 quartos.

"Eles utilizam 10 por cento dos nossos quartos, mais do que clientes japoneses como Toyota e Honda", diz Somchai, cujo hotel pertence à Land Houses Pcl, maior incorporadora de propriedades residenciais da Tailândia. Os turistas médicos também permanecem mais tempo porque descansam depois dos procedimentos cirúrgicos. "O tempo médio de permanência dos demais clientes é de três noites", diz Somchai. "O dos turistas médicos é de 10 noites".

Embora a Tailândia há muito tempo aspire à excelência médica -- o pai do rei atual se formou em Medicina na Universidade de Harvard em 1927 --, só em 1997 o país começou a explorar o mercado internacional. Naquele ano, a Bumrungrad inaugurou o Hospital Internacional Bumrungrad, de 500 leitos, com um empréstimo em dólares americanos. Seis meses depois, a Tailândia estava no epicentro da crise financeira asiática. O baht tailandês entrou em colapso juntamente com o mercado doméstico de cuidados hospitalares privados de alto padrão. "Nossa dívida em dólares americanos dobrou na moeda local", diz Chai Sophonpanich, presidente do conselho da Bumrungrad.

Busca por estrangeiros

Em desespero, o hospital começou a buscar estrangeiros e expatriados que moravam em países asiáticos próximos, onde os serviços médicos estavam menos desenvolvidos. E então, após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, um novo mercado se abriu no Oriente Médio. "O fluxo de pacientes aumentou como resultado de políticas mais restritas de imigração aplicadas pelos EUA e por países europeus a viajantes do Oriente Médio", diz Chai. Em uma década, o número de pacientes do hospital Bumrungrad provenientes do Oriente Médio saltou de 20.000 para 130.000 por ano. Em 2002, o Bumrungrad se tornou o primeiro hospital da Ásia a conseguir credenciamento da Joint Commission International, braço internacional do principal órgão de definição de padrões para hospitais americanos. Desde então, mais 29 hospitais tailandeses receberam esse credenciamento, incluindo o principal rival do hospital Bumrungrad, o Bangkok Hospital, principal unidade da Bangkok Dusit.

'Tratamento fantástico'

No ano passado, o Bumrungrad atraiu 250.000 turistas médicos, incluindo 20.000 americanos e 8.000 australianos. Três semanas depois de pagar US$ 7.500 para ter o nariz remodelado e os seios aumentados em Bangkok, a australiana Calli Graham toma um café ao lado da Bondi Beach, em Sydney, e declara estar contente. "Foi o dinheiro mais bem gasto", diz Graham, 30. "Recebi um tratamento fantástico e tive a satisfação de saber que estou ajudando a economia de um país em desenvolvimento. É uma relação ganho-ganho".

Título em inglês: Medical Tourists Flock to Thailand Spurring Post-Coup Economy

Para entrar em contato com o repórter: William Mellor, em Sydney, wmellor@bloomberg.net.