IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Barões da carne se tornam bilionários com ajuda do BNDES

Blake Schmidt

15/12/2014 16h42

15 de dezembro (Bloomberg) -- Quando tentou comprar as americanas National Beef Packing e Smithfield, em 2008, o frigorífico brasileiro JBS foi recebido por uma onda opositora.

Procuradores-gerais de 13 estados americanos entraram com ações contra a empresa, alegando que a aquisição da National Beef, o quarto maior frigorífico dos EUA, ameaçaria a competição ao criar um oligopólio liderado pela JBS, pela Tyson Foods e pela Cargill. Em campanha, Hillary Clinton declarou a um jornal da Dakota do Sul que seria contrária à compra da Smithfield e que iria "combater a consolidação".

A família Batista, que controla a JBS, não desanimou. Ela desistiu da aquisição da National Beef, mas concluiu a compra da Smithfield e abriu caminho para transformar a JBS em um império global no setor alimentício. Para isso, contou com ajuda do governo brasileiro.

Com uma receita de R$ 110 bilhões nos últimos 12 meses, a JBS superou a Vale e se tornou a maior empresa do Brasil depois da Petrobras. E transformou em bilionários cinco dos seis filhos de seu fundador, José Batista Sobrinho.

"Eles administram um negócio de margens apertadas", afirma Revisson Bonfim, chefe de análise de mercados emergentes da Sterne Agee Leach em Nova York. "Entram onde há muitos desperdícios e sabem como removê-los. As aquisições sempre estiveram no DNA deles, mas foi depois que eles mudaram para os EUA que a coisa decolou".

Após realizar mais de US$ 17 bilhões em aquisições, a JBS agora tem operações em cinco continentes e em 21 estados brasileiros. Os Batistas, que, sempre bom lembrar, não têm qualquer parentesco com o ex-bilionário Eike, estão surfando na maior alta entre as ações do Ibovespa neste ano. A JBS deu um salto de 53 por cento nos últimos seis meses, impulsionada pela escalada nos preços da carne bovina e pela bem-sucedida entrada no segmento de frango e alimentos processados, após a aquisição da Seara junto à concorrente Marfrig no ano passado.

Bilionários ocultos Os cinco irmãos Batista -- Joesley, Wesley, Valere, Vanessa e Vivianne -- têm uma participação semelhante na J&F Investimentos SA, a holding por meio da qual eles e outros membros da família controlam a JBS, além de um banco, uma usina de celulose, uma criadora de gado, uma fabricante de produtos de higiene e uma construtora. Nenhum deles jamais apareceu individualmente em um ranking internacional de riqueza.

Um porta-voz da JBS disse que os irmãos preferiam não comentar essa reportagem e respondeu a outras perguntas sobre a empresa em um e-mail. Um sexto irmão, José Batista Júnior, vendeu sua parte no negócio e se comprometeu a investir R$ 100 milhões para concorrer ao cargo de governador de Goiás, mas depois deixou a disputa para abrir caminho para um companheiro do PMDB.

O pai, José Batista Sobrinho, iniciou o império familiar do setor alimentício com um abatedouro nos anos 1950, quando o presidente Juscelino Kubitschek deu início ao plano que ficou conhecido como "cinquenta anos em cinco", que culminou na construção de Brasília. Abatendo cinco cabeças de gado por dia, Batista ajudava a fornecer carne para os trabalhadores que construíam a cidade.

Aquisições

O BNDES aprovou R$ 287 milhões em empréstimos para José Batista Sobrinho antes de a empresa comprar as operações da Swift Co. na Argentina, em 2005 -- sua primeira incursão no exterior --. Quando a JBS vendeu ações em uma oferta pública, em 2007, o braço de investimentos do banco comprou R$ 1,1 bilhão em ações para ajudar a adquirir a Swift, na época a terceira maior empresa de carne bovina e suína dos EUA. O BNDES anunciava a criação de uma "multinacional brasileira".

Mais aquisições vieram na sequência, entre elas a da Pilgrim's Pride, com sede em Pittsburgh, EUA, a da canadense XL Foods e a de quatro processadoras de carne brasileiras. A JBS adquiriu a empresa de lácteos Vigor em 2009 como parte da aquisição do Grupo Bertin SA. O banco converteu R$ 3,5 bilhões de debêntures da JBS em ações em 2011. Ao todo, o BNDES aprovou R$ 6 bilhões em compras de ações e R$ 2,4 bilhões em empréstimos na última década.

"O setor de carne bovina estava desorganizado, dividido, informal", disse um porta-voz do BNDES em um e-mail. O ambiente "não permitia que o Brasil tirasse proveito das vantagens competitivas do setor, um relevante criador de empregos".

Batista, 81, transformou seus filhos em membros do conselho da empresa em 2005. Os irmãos Joesley, 42, e Wesley, 44, ampliaram sua importância dentro da empresa ao longo da expansão, até assumirem o comando, que estava nas mãos do pai. Hoje, Joesley é o presidente do conselho e Wesley, o presidente executivo da companhia.

Rich Vesta, que chefiou as operações da JBS nos EUA até 2010, afirma que o apoio do BNDES não deveria diminuir o trabalho dos irmãos na empresa.

Ambiente insalubre

Os irmãos Batista são especialistas em aumentar a eficiência dos matadouros recentemente adquiridos, que dependem de uma grande quantidade de trabalho manual, disse Vesta. Os trabalhadores aumentam as margens de lucro ao transformar as carcaças penduradas em ganchos nos cortes vendidos nas gôndulas frias dos supermercados. A JBS tem mais de 200 mil trabalhadores e capacidade para abater 100 mil vacas, 72 mil porcos e 13 milhões de aves por dia.

A rotina nos frigoríficos pode, porém, ter um preço para os funcionários. As ocorrências de transtornos mentais entre os operários da indústria frigorífica são três vezes maiores do que em outros setores, segundo procuradores do trabalho. Um trabalhador da JBS quase perdeu um braço tentando consertar um tanque de descarga congestionado em 2012, em Mato Grosso. A polícia foi chamada para sua casa, em janeiro, depois que ele tentou serrar o membro paralisado como se fosse a cartilagem de uma carcaça bovina. A JBS declarou que não teve culpa no caso.

"É tenso", resume o trabalhador Elias Vasconcelos da Costa, que recebia cerca de US$ 750 por mês em uma fábrica em Mato Grosso desossando até 50 carcaças por hora. "É preciso ser forte".

'Ritmo frenético'

Os tribunais brasileiros raramente decidem a favor dos empregadores nos processos trabalhistas, que podem se estender por anos. Em um caso recente, o Tribunal Superior do Trabalho ordenou que a Seara, uma unidade da JBS, pagasse R$ 10 milhões a trabalhadores que foram demitidos por exigir intervalos em Santa Catarina.

O juiz Alexandre Agra citou um "ritmo frenético" as temperaturas próximas de zero grau e falta de intervalos apropriados. A empresa não respondeu a um pedido para comentar sobre o caso.

A JBS também foi acusada de comportamento predatório. A senadora Kátia Abreu, a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), acusou a empresa de "formação de monopólio" e disse que o apoio do BNDES é prejudicial para a concorrência. Em um discurso no Congresso, ela acusou a JBS de enganar os consumidores com uma campanha publicitária que os encorajava a optar por sua marca Friboi por causa de seu selo de inspeção federal, quando mais de 200 outros matadouros também tinham sido aprovados em inspeções.

Influência política

Pelo menos um dos bilionários não gostou das declarações de Kátia Abreu. Em novembro, Joesley Batista se reuniu com o ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante, e fez lobby contra a indicação de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura, segundo um funcionário do governo com conhecimento do assunto, que pediu anonimato. As preocupações de Batista não afetarão a escolha de Dilma, disse a fonte.

A JBS, que neste ano foi a maior doadora da campanha de reeleição de Dilma, assim como da campanha do candidato derrotado, Aécio Neves, negou que esteja usando influência política para fazer lobby contra Kátia Abreu. A empresa disse que a existência de concorrência é uma prova de um livre mercado no setor.

O BNDES, que possui ações em mais de 130 empresas, detém uma participação de 25 por cento na JBS ao mesmo tempo em que ela se torna a maior financiadora de campanhas políticas do país. Embora empresas estatais não tenham permissão para financiar campanhas, o BNDES diz que não existe proibição quando as firmas estatais são acionistas minoritárias. "Existem mais de 1.500 abatedouros operando no país", declarou a JBS. "A empresa não concorda que a participação do banco em seu capital interfira na concorrência".

O BNDES teria lucro se decidisse vender suas ações na multinacional das carnes. O banco pagou entre R$ 7,04 e R$ 8,15 por ação da JBS em três aquisições diretas entre 2007 e 2011. Hoje, a JBS era negociada a R$ 11,39 às 15h11 na bolsa de São Paulo. A Caixa Econômica Federal, outro banco estatal, também tem uma participação na JBS.

As empresas do grupo J&F, lideradas pela JBS, financiaram quase um terço dos parlamentares da Câmara dos Deputados e distribuíram R$ 387 milhões em doações nas eleições de 2014, um recorde, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. O alcance das doações de campanha da JBS, cujo objetivo é "apoiar o debate democrático", reflete o fato de ser a maior empresa privada do Brasil, declarou a companhia.

"Todas as doações da empresa seguem rigorosamente as leis eleitorais do Brasil", afirmou a JBS em uma resposta por e-mail.

Título em inglês: Brazil Barons Become Five Slaughterhouse Billionaires With BNDES

Para entrar em contato com o repórter: Blake Schmidt, em São Paulo, bschmidt16@bloomberg.net.