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Uma morte misteriosa e uma presidente sitiada na Argentina

Katia Porzecanski e Camila Russo

29/01/2015 14h55

(Bloomberg) - Os investidores em bonds da Argentina se acostumaram a todos os tipos de dramas políticos ao longo dos anos.

Mas, até mesmo para um país que deu o calote duas vezes desde 2001, poucos poderiam ter imaginado o último tumulto em que a presidente Cristina Kirchner está mergulhando.

O promotor Alberto Nisman foi encontrado morto em sua casa em 18 de janeiro, um dia antes daquele em que ia comparecer perante os legisladores para apresentar as provas da acusação de que Cristina tentou acobertar o envolvimento do Irã em um atentado com um carro-bomba em Buenos Aires em 1994. A princípio, Cristina insinuou em uma publicação no Facebook que Nisman tivesse se suicidado. Depois, em uma carta publicada em sua página oficial na rede social, ela disse que ele foi assassinado como parte de uma conspiração contra ela.

Como a Argentina está assolada por uma inflação descontrolada e por uma recessão cada vez mais profunda, a controvérsia está corroendo o apoio público ao partido de Cristina antes da eleição presidencial deste ano. Isso aumentou as expectativas entre os detentores de bonds de que o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, candidato opositor e há muito crítico de Cristina, ganhe impulso e abra as portas para que a Argentina resolva sua disputa pela dívida, em andamento há uma década.

"Este escândalo é um bom presságio para a oposição - especialmente para Macri - ", disse Hernán Yellati, diretor de pesquisa da BancTrust Co. em Miami, em entrevista por telefone. "A crescente probabilidade de que Macri se torne presidente é boa" para os detentores de bonds.

Protestos nas ruas

Milhares de argentinos saíram às ruas um dia depois que o corpo de Nisman foi encontrado, batendo panelas em vários pontos de Buenos Aires para pedir justiça. Perto da Casa Rosada, manifestantes pediam que Cristina renunciasse.

A constituição proíbe que Cristina se candidate novamente à reeleição.

Quase a metade dos participantes de uma enquete realizada no dia 20 de janeiro que tinham a intenção de votar no partido de Cristina em outubro agora duvida ou mudou de ideia, de acordo com a empresa de pesquisa de opinião pública Management Fit, com sede em Buenos Aires. A pesquisa nacional, que contou com a participação de 1.000 argentinos, teve uma margem de erro de 3,1 pontos porcentuais.

'Imagem muito ruim'

Sergio Massa, ex-chefe de gabinete de Cristina que se tornou opositor ao seu governo, é o favorito. Ele foi escolhido por 26,3 por cento dos consultados em uma pesquisa da Polldata realizada de 2 a 5 de janeiro, com 1.680 participantes e uma margem de erro de 2,4 pontos porcentuais.

Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires e candidato do partido de Cristina, Frente para la Victoria, obteve 24,5 por cento das intenções de voto. Scioli pertence ao movimento peronista no poder. Macri foi escolhido por 21,1 por cento dos participantes.

É claro, a pesquisa foi feita antes que a controvérsia pela morte de Nisman eclodisse.

"É difícil pensar que o que aconteceu favorece alguém, sendo que se trata de um incidente sério que dá uma imagem muito ruim do país", disse Macri em um comunicado enviado por e-mail. "O que fica claro é que isto destaca a magnitude da degradação do Estado e de suas instituições causada pelo kirchnerismo nos seus 12 anos no poder".

Acusações

Nisman foi nomeado pelo falecido marido de Cristina e ex-presidente da Argentina, Néstor Kirchner, em 2004, para investigar o pior atentado terrorista da história argentina, que matou 85 pessoas.

Quatro dias antes de ser encontrado morto em seu apartamento com um tiro na cabeça, Nisman tinha acusado Cristina e o ministro de Assuntos Exteriores, Héctor Timerman, de tentar absolver altos funcionários iranianos do seu papel no atentado com carro-bomba contra um centro comunitário judaico em troca de melhores condições comerciais.

Cristina disse que as acusações não fazem sentido, pois a Argentina nunca importou petróleo do Irã e o comércio entre os dois países tem decaído desde que um memorando de entendimento foi assinado em 2013.

A forma em que a administração está lidando com a morte poderia corroer ainda mais a confiança pública no governo e prejudicar os candidatos da aliança política de Cristina, disse o economista do Bank of America Corp. Marcos Buscaglia em um relatório no dia 27 de janeiro.

"Esses eventos mudam tudo para a perspectiva política da Argentina", escreveu ele.

Título em inglês: 'A Mysterious Death and an Embattled President: Argentina Credit'

Para entrar em contato com os repórteres: Katia Porzecanski, em Nova York, kporzecansk1@bloomberg.net; Camila Russo, em Buenos Aires, oucrusso15@bloomberg.net