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Da Operação Mãos Limpas à Lava Jato: investigação no Brasil segue modelo italiano

Sabrina Valle e Raymond Colitt

30/01/2015 18h02

(Bloomberg) -- Se você quer pegar bandidos, aprenda com quem entende de combate à corrupção pública: os italianos.

Enquanto os procuradores do Brasil continuam a perseguição implacável a executivos de construtoras implicados em um escândalo de propinas e corrupção ligado à Petrobras, um trabalho acadêmico se tornou revelador.

Uma década atrás, Sérgio Moro, à época um juiz brasileiro de 31 anos pouco conhecido, escreveu um trabalho baseado em uma investigação realizada nos anos 1990 sobre pagamentos de subornos entre políticos e empresários em Milão, chamada Operação Mãos Limpas. A investigação sobre grandes desvios de dinheiro público por meio do pagamento de suborno por contratos com o Estado acabou desconstruindo o sistema político da Itália, instaurado no período pós-Segunda Guerra. Moro viu paralelos com o Brasil.

A Operação Mãos Limpas conseguiu desarticular o esquema, pontuou o juiz, em parte porque uma nova geração de procuradores obstinados entrou na briga, empregando a delação premiada para convencer os informantes, e foi apoiada por uma opinião pública cansada de corrupção.

Dez anos depois, Moro está colocando suas observações acadêmicas em prática. Ele lidera um grupo de jovens investigadores, alguns capacitados pelo FBI, que aproveitaram as revelações no âmbito do escândalo da Petrobras para perseguir uma ala da corrupção até então intocável - grandes construtoras que supostamente colheram enormes lucros ilícitos subornando executivos e políticos para inflar contratos.

Devassas em escritórios

Encorajados pela prisão, em 2013, de políticos do primeiro escalão do partido do governo, os procuradores brasileiros planejaram a detenção de vários executivos de construtoras, efetuaram buscas em escritórios e levaram alguns CEOs à cadeia -- uma cena chocante para o Brasil. Isso ocorreu após massivos protestos contra os serviços públicos em 2013 e depois da promessa da presidente Dilma Rousseff de reduzir o financiamento empresarial às campanhas eleitorais e tornar as leis anticorrupção mais rígidas.

"Eles são juízes e procuradores especializados, com uma nova cultura", disse Gustavo Justino de Oliveira, advogado e professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo. "O Judiciário está respondendo à pressão da sociedade para combater a corrupção de forma mais efetiva. Isso é emblemático".

A Operação Mãos Limpas, ou Mani Pulite em italiano, foi uma operação monumental por meio da qual as autoridades investigaram mais de 6.000 pessoas e emitiram quase 3.000 mandados de prisão ao longo de dois anos, desmascarando subornos e um conluio entre políticos e empresas.

Inspirados, os investigadores brasileiros também deram um nome à sua investigação: Operação Lava Jato, uma referência irônica à operação de lavagem de dinheiro com envolvimento lateral de Alberto Youssef, um doleiro que já havia cumprido pena por realizar um esquema de lavagem e com clientes de todo o Brasil.

Redução na sentença

As autoridades estavam investigando suspeitas de que Youssef havia retomado atividades ilícitas mais forte do que nunca quando tropeçaram no fato de que o ex-executivo da Petrobras, Paulo Roberto Costa, era um de seus clientes. Costa foi preso em março e concordou em testemunhar em troca de uma redução na sentença.

Assim como a Operação Mãos Limpas, a Lava Jato empregou a delação premiada como a de Costa com sucesso, segundo Carlos Lima, um procurador que trabalha em casos com Moro há mais de uma década. Transformar o famoso chefe da máfia Tommaso Buscetta em um delator foi justamente o que possibilitou o "maxiprocesso'' de Palermo para uma investigação sobre a máfia. No Brasil, os depoimentos de delatores e altos funcionários da Petrobras ajudaram a transformar a Lava Jato em um caso que poderia mudar o que muitos veem como uma cultura da corrupção no país.

"Nós não tínhamos ideia de que iria tão longe quando começamos", disse Lima, em entrevista em seu escritório em Curitiba, cidade a 1.100 quilômetros de Brasília onde foi iniciado o caso Yousseff. "Vamos continuar avançando enquanto pudermos".

Capacitação em Harvard

Moro declinou de convites para conceder entrevista. O juiz de fala tranquila é reservado. Ele evita a imprensa, rejeita o uso de guarda-costas e carros à prova de balas, corre no parque local sozinho e às vezes vai de bicicleta para o trabalho.

"Ele é um juiz muito corajoso e qualificado, muito centrado -- alguém que pensa bastante antes de falar --", disse Lima.

Dos nove procuradores que atuam no caso em Curitiba, cinco têm 36 anos ou menos. Eles são especialistas em crimes financeiros com pós-graduação em instituições como a Universidade de Harvard e a London School of Economics and Political Science e estão bem distantes da política de Brasília.

Alguns participaram de duas investigações anteriores de corrupção famosas no Brasil: o caso de compra de votos chamado Mensalão e um caso envolvendo o banco estatal Banestado, no qual o banqueiro do mercado paralelo, Youssef, também conseguiu um acordo de delação premiada.

"Nós nos conhecemos, cada um confia no trabalho do outro e isso acelera o processo", disse a coordenadora de polícia Erika Marena, que batizou a operação, em seu escritório em Curitiba. "Agora as instituições estão mais fortes".

Novo paradigma

A postura de Moro, dos procuradores e dos policiais federais da Lava Jato difere da que é adotada em casos de colarinho branco no Brasil, nos quais muitas vezes são estabelecidos acordos antes do julgamento. A transparência e a intensidade também são fatores de destaque do caso: milhares de arquivos vêm sendo disponibilizados on-line em atualizações diárias e os despachos são emitidos em horas avançadas da noite.

Moro representa uma "mudança de paradigma" no Brasil, segundo Antônio Figueiredo Basto, advogado que representa Youssef. "Ele é um bom juiz, rígido, trabalha duro e tem uma visão ideológica muito diferente daquela que as pessoas estão acostumadas por aqui".

Essa postura inflexível levou à maior repressão a crimes do colarinho branco já vista na história do Brasil, um caso que a presidente Dilma Rousseff disse que mudaria a história do país.

Em novembro, altos executivos das empresas que construíram estádios da Copa do Mundo, metrôs e portos pelo país foram detidos e trocaram suas mansões por celas de prisão apertadas. Desde então, alguns foram libertados.

"Alguns acham que a Lava Jato está entre o meio e o fim", disse o procurador Deltan Dallagnol, em entrevista concedida em seu escritório em Curitiba. "Estamos apenas começando".

Próximos passos

Os procuradores e a polícia acusam as empresas construtoras de terem formado cartéis para conseguir contratos inflados com a Petrobras, dando propinas a executivos da petroleira estatal e também a políticos. Um montante recorde de R$ 23 bilhões (US$ 8,9 bilhões) em transações suspeitas foi descoberto no âmbito da Operação Lava Jato.

Esta foi a primeira investigação que se concentrou nas construtoras, tradicionalmente as maiores doadoras de campanhas políticas no país. Os subornos teriam sido lavados por meio de doações legais, segundo Márcio Anselmo, um dos cinco policiais que conduzem o caso.

Até agora foram abertos 18 casos diferentes com 86 de pessoas indiciadas, informou o Ministério Público por e-mail.

Embora Costa tenha dito no dia 2 de dezembro em uma audiência no Congresso que "dezenas de políticos" estão envolvidos no escândalo da Petrobras, até o momento nenhum deles foi detido ou indiciado. Na verdade, os políticos estão fora da jurisdição do juiz Moro e as acusações contra eles teriam que ser apresentadas ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília.

A assessoria de imprensa da presidência do Brasil e a Petrobras informaram, em respostas enviadas por e-mail, que preferem não comentar esta reportagem. O advogado de Costa não quis comentar, quando contatado por e-mail e telefone.

Título em inglês: From Clean Hands to Carwash: Brazil Probe Follows Italian Model

Para entrar em contato com os repórteres: Sabrina Valle, no Rio de Janeiro, svalle@bloomberg.net; Raymond Colitt, na Redação de Brasília, rcolitt@bloomberg.net.