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Desemprego crescente transforma base sólida de Dilma em areia movediça

David Biller

12/03/2015 15h55

(Bloomberg) -- Luciano Neri, um ex-funcionário de estaleiro desempregado que apoiou a presidente Dilma Rousseff no segundo turno, agora está questionando seu próprio voto. Após perder o emprego, no mês passado, ele está fazendo um curso para ser motorista de ônibus.

"Ela estragou tudo", disse Neri, 37, enquanto tomava cerveja em uma pacata praça de Maragogipe, na Bahia. "Eu me pergunto se ela não deixará o governo endividado e o Brasil sem emprego".

A preocupação de Neri significa problemas para Dilma. Ao longo de sua campanha para reeleição ela se referiu ao baixo desemprego recorde como uma prova do sucesso de suas políticas econômicas, mesmo com o crescimento estagnado e a inflação acelerada. Agora o desemprego está em alta -- e os descontentes também, até mesmo na região Nordeste, que há muito tempo é reduto do PT (Partido dos Trabalhadores), a legenda da presidente.

"Do ponto de vista político, nada é mais prejudicial para a popularidade do governo e de Dilma do que o aumento da taxa de desemprego -- muito mais do que a inflação, muito mais do que a recessão -", disse Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs, por telefone, de Nova York. "O desemprego tende a infligir o maior custo político ao governo do Brasil e a tendência é que continue piorando".

Durante a campanha, Dilma alertou os eleitores de que uma possível vitória da oposição implicaria em um retorno ao passado: mais desemprego, inflação mais alta, taxas de juros mais elevadas. Após sair-se vitoriosa por uma diferença de 3,3 pontos porcentuais, margem mais apertada desde 1945, pelo menos, ela mudou de rumo com a nomeação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Corte de custo

A tarefa dele não é popular: o homem que tem o apelido de "Mãos de Tesoura" devido à sua inclinação pelos cortes de custos precisa reforçar as contas fiscais para recuperar a confiança dos investidores e evitar o rebaixamento da nota de crédito do Brasil para grau especulativo. Sua equipe já elevou alguns impostos, cortou gastos e propôs regras mais restritas para o seguro-desemprego e as pensões.

O Banco Central, por sua vez, elevou a taxa básica de juros para o nível mais alto em seis anos para conter a inflação, que está no nível mais alto em aproximadamente uma década. A economia deverá registrar uma contração de 0,66% neste ano após uma virtual estagnação no ano passado, segundo economistas consultados pelo BC.

Os juros mais altos estão atingindo o mercado de trabalho, segundo Jankiel Santos, economista-chefe do banco de investimento BESI Brasil, com sede em São Paulo. Em janeiro, o desemprego subiu para 5,3%, nível mais alto desde 2013, contra 4,3% em dezembro.

O país perdeu 82 mil empregos em janeiro, quase quatro vezes a estimativa média dos economistas consultados pela Bloomberg. A indústria automotiva, um dos pilares da economia, eliminou quase 11,8 mil postos de trabalho nos últimos 12 meses, 1.900 apenas em fevereiro, segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

Vento contrário

A taxa de desemprego chegará neste ano ao nível mais alto em quatro anos, de cerca de 6,5%, e a cerca de 7,5% no ano que vem, o que significa outro vento contrário para um modelo econômico que ao longo da última década vem sendo baseado no consumo, disse Santos. Em Salvador, capital da Bahia, em frente a Maragogipe, do outro lado da baía, o desemprego já é de 9,6%.

Dilma defendeu suas políticas em um discurso realizado no dia 25 de fevereiro, em Feira de Santana, no interior da Bahia, ao inaugurar um projeto habitacional para pessoas de baixa renda. "Eu faço ajustes no meu governo como uma mãe, uma dona de casa, faz na casa dela", disse a presidente. "Nós precisamos agora dar condições de a gente retomar um novo ciclo de desenvolvimento econômico. Para quê? Para gerar mais emprego, para segurar mais renda".

A assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda preferiu não comentar o assunto ao receber perguntas sobre as políticas para evitar o rebaixamento da nota de crédito do país. A assessoria de imprensa do Planalto preferiu não comentar a respeito de como o aumento do desemprego está afetando a popularidade e a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho não respondeu aos pedidos de comentário feitos por e-mail e telefone.

Plataformas de petróleo

O infortúnio do estaleiro Paraguaçu, onde Luciano Neri trabalhava, ilustra as dificuldades enfrentadas pelo Brasil, de forma mais ampla. A empresa possui contratos que somam US$ 4,8 bilhões para construção de seis plataformas de petróleo para águas profundas para projetos da Petrobras, a petroleira controlada pelo Estado. O estaleiro é de propriedade da Enseada Indústria Naval, um consórcio formado por Odebrecht, OAS, UTC Engenharia e Kawasaki Heavy Industries, do Japão.

Com a Petrobras envolvida no maior escândalo de corrupção da história do Brasil, o dinheiro da petroleira deixou de fluir para muitas de suas empreiteiras. O consórcio CEP, que estava edificando o estaleiro para o consórcio Enseada, com 82% da construção concluída, suspendeu as obras devido a uma "crise de liquidez", segundo o Enseada. O CEP contava com 5.227 trabalhadores em junho passado e agora possui 156. O Enseada demitiu 1.800 funcionários de novembro para cá e cerca de 600 continuam construindo plataformas no estaleiro inacabado.

Cobrança a Dilma

No dia 2 de março, sindicalistas se reuniram do lado de fora do Ministério do Trabalho em Salvador para protestar contra o crescente desemprego e as medidas de corte de custo do governo. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada da Bahia (Sintepav) diz que perdeu 5.000 empregos na construção de estradas nos últimos seis meses, além dos milhares de postos de trabalho eliminados em Maragogipe. Eles deverão realizar uma nova manifestação no dia 13 de março.

"Nós elegemos a Dilma, por isso temos que cobrar dela", disse Iraílson Warnaux, vice-presidente do sindicato, em entrevista em Salvador. Em sua mesa, um recorte de jornal emoldurado mostrava uma foto de um sindicalista com Dilma.

No ano passado, a presidente recebeu uma fatia esmagadora de 71,6% dos votos no Nordeste. Agora, o índice de aprovação de seu governo na região caiu 24 pontos porcentuais -- mais do que em qualquer outra --, para 29%, segundo uma pesquisa com 4.000 pessoas realizada pelo Datafolha entre 3 e 5 de fevereiro. O índice nacional caiu para 23%, contra 42% em dezembro. A pesquisa teve uma margem de erro de dois pontos porcentuais para mais ou para menos.

'Prejudicar as pessoas'

Francisco Fernando de Jesus, 36, trabalhou construindo e reformando restaurantes do McDonald's para uma empresa de construção com sede em Salvador até janeiro, quando ele e sua equipe foram despedidos. Sua situação de desemprego surge em um momento em que os ajustes da política de Dilma estão aumentando os preços de todos os tipos de produtos, da água à eletricidade e à gasolina. Ele pretende protestar.

"Eu votei na Dilma, mas não esperava que o segundo mandato dela fosse prejudicar tanto as pessoas", disse Francisco na sede de seu sindicato, onde foi para assinar a papelada de sua demissão. "Isso é muito ruim. Eu espero que ela perca o emprego neste ano".

No Facebook, ativistas estão organizando manifestações para o dia 15 de março em cidades de todo o país, algumas delas defendendo o impeachment de Dilma. Embora o número de manifestantes que aderem ao movimento na internet sempre seja muito maior do que o total que realmente participa, centenas de milhares de pessoas se registraram.

Quando a presidente discursou para o país na TV, no domingo, e pediu paciência em relação às suas novas políticas econômicas, moradores de várias cidades gritaram protestos de suas janelas e bateram panelas e frigideiras.

Rebaixamento de crédito

Com a popularidade de Dilma em queda seu governo terá dificuldades para conseguir a aprovação de medidas econômicas impopulares em um Congresso dividido que sente a fraqueza dela, disse Thiago de Aragão, sócio e diretor de estratégia da Arko Advice, uma empresa de risco político com sede em Brasília. Isso pode dificultar a tarefa de evitar o rebaixamento soberano, disse ele.

Em março de 2014, a Standard Poor's rebaixou o rating de crédito do Brasil para um nível acima de especulativo. Seis meses depois, a Moody's Investors Service reduziu para negativa sua perspectiva para o rating Baa2. Este é o segundo grau de investimento mais baixo. Desde este último corte, os títulos da dívida soberana do Brasil subiram 89 pontos-base, para 5,5%, contra um incremento médio de 57 pontos-base dos mercados emergentes, segundo dados compilados pelo JPMorgan Chase.

Jogando dominó

A perda de milhares de empregos na construção do estaleiro Paraguaçu foi um duro golpe para a cidade de Maragogipe. Não há nada de vitorioso na Praça da Vitória, a principal da cidade: lojas e pousadas estão fechadas. Idosos jogam dominó no único bar aberto. Um cachorro coça sua sarna no meio da rua.

Homens que fizeram empréstimos para comprar carros e residências se mostram desconcertados com as dívidas e os juros crescentes e alguns retornaram à pesca tradicional que pensavam ter deixado para sempre no passado, disse o irmão de Luciano Neri, Fernando, que é vereador da cidade.

"Eu sonhava que haveria outros meios, que nossos filhos poderiam estudar e conseguir empregos mais dignos com esse empreendimento", disse Fernando, em referência ao estaleiro. "Mas ele terminou da noite para o dia e nós acabamos enterrando nossos sonhos novamente. É lamentável".