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Crianças afogadas transformam sonho europeu de imigrantes em pesadelo

John Follain

21/04/2015 11h23

(Bloomberg) -- Para muitas crianças cujos pais refugiados sonhavam com uma vida nova na Europa, a travessia do Mediterrâneo acabou no porão de um barco frágil que naufragou e as levou para o fundo do mar.

As agências humanitárias dizem que há cada vez mais crianças tentando uma travessia que custou as vidas de 700 a 950 pessoas no naufrágio de um barco ao largo da costa líbia, no sábado, naquele que pode ter sido o pior desastre do tipo já ocorrido no Mediterrâneo.

"Estimamos que cerca de 50 crianças morreram no porão com suas mães", disse Andrea Iacomini, porta-voz italiano do Fundo das Nações Unidas para a Infância, a Unicef. "O objetivo era colocar o máximo de pessoas possível a bordo".

Aqueles que conseguem chegar vivos à Europa muitas vezes desaparecem, o que ressalta o futuro preocupante enfrentado pelos imigrantes, mesmo que alcancem o outro lado. Das 12.000 crianças que chegaram aos chamados centros de acolhimento da Itália, neste ano, cerca de 3.500 desapareceram sem deixar rastros, disse Iacomini, de Roma.

"Nós não temos nem sequer as impressões digitais dessas crianças", disse ele. "Acreditamos que muitos acabam nas mãos da máfia e de outras gangues de criminosos, muitas vezes atuando como transportadores para traficantes de drogas".

A Itália é o primeiro ponto de contato na Europa para a maior parte daqueles que fogem da guerra e da pobreza ou que simplesmente buscam uma vida melhor.

Rotas pelo Mediterrâneo

Segundo a Frontex, a agência de gestão de fronteira da União Europeia, mais de 170.000 imigrantes chegaram à Itália em 2014, o que representa o maior afluxo a um país na história da UE. O número contrasta com os 40.000 que realizaram a travessia no ano anterior para a Itália e Malta, tendo a Líbia muitas vezes como um "ponto de ligação" onde os imigrantes se reúnem para embarcar.

A rota da região leste do Mediterrâneo usada por imigrantes que cruzam a Turquia em direção à UE, por meio da Grécia, do sul da Bulgária ou de Chipre, foi a segunda maior área de travessias de fronteira em 2014, com 50.830 imigrantes.

Os imigrantes que chegam à costa italiana ou são salvos no mar passam seus primeiros três dias em terra nos centros de recepção, muitas vezes sob condições de higiene ruins, segundo as organizações humanitárias. Com o aumento do número, a Itália abriu centros às pressas "até mesmo em antigas discotecas e em edifícios sem janelas", disse Aurélie Ponthieu, assessora humanitária da organização Médicos sem Fronteiras, ou MSF, em Bruxelas.

Há cada vez mais mulheres e crianças entre os imigrantes, que segundo promotores da Sicília pagam até 4.000 euros (US$ 4.290) cada pela travessia.

'Mais crianças'

"Estamos vendo mais mulheres, mais crianças e até mesmo mais bebês", disse Ponthieu em entrevista por telefone. "Isso inclui eritreus. Antes, atravessar o Saara para chegar à Líbia era considerado perigoso demais, algo que apenas homens jovens podiam tentar, mas agora cada vez mais famílias estão tentando também".

Segundo a imprensa italiana, os sobreviventes do desastre de sábado vinham da Somália, da Eritreia, de Mali, do Senegal, da Costa do Marfim, de Gana, de Serra Leoa, de Bangladesh e do Suriname. O navio teria saído do Egito e atracado na Líbia para pegar mais passageiros.

Um sobrevivente de Bangladesh, entrevistado pelo jornal La Repubblica, de Roma, disse que ele e várias outras pessoas sobreviveram porque estavam na coberta da embarcação. Muitas ficaram presas no porão porque os traficantes haviam fechado as escotilhas para evitar que elas saíssem, disse o sobrevivente, que foi levado a um hospital em Catania, na Sicília, conforme publicado pelo jornal.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados diz que mais de 35.000 refugiados e solicitantes de asilo chegaram à Europa de barco até esta altura do ano.

Título em inglês: Drowned Children Turn Migrant Dreams of Europe Into a Nightmare

Para entrar em contato com o repórter: John Follain, em Roma, jfollain2@bloomberg.net.