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Análise: com Lava Jato, modelo econômico do país prepara reformulação

Juan Pablo Spinetto, Anna Edgerton e Sabrina Valle

28/05/2015 15h51

(Bloomberg) -- O petróleo deveria ser o elixir dos sonhos do Brasil de construir uma economia formidável, promover o desenvolvimento industrial e financiar programas sociais mais generoso, atraindo ao mesmo tempo bilhões em investimento internacional privado.

Em vez disso, a crise e a decepção do setor petrolífero estão forçando as lideranças do Brasil a se moverem -- mesmo a contragosto -- para tornar os setores mais desregulados e moderar o uso das empresas estatais pelo governo para estabelecer amplas políticas econômicas.

Isso ajuda a explicar por que, à medida que seu segundo mandato toma forma, alguns ministros da presidente Dilma Rousseff deixaram de lado linguagem estatista do primeiro mandato e da época de seu popular antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Em vez disso, eles estão tirando da manga algumas noções liberais que têm mais a ver com os anos pré-Lula.

As declarações sobre desregulação e o afastamento da retórica econômica do partido -- com pronunciamentos que costumavam fazer um ministro receber uma chamada de atenção publicamente da presidente, como ocorreu com assuntos como impostos e salário mínimo -- agora ficam impunes, mesmo que a própria Dilma continue apegada ao roteiro nacionalista. "Eu não diria que o governo está se transformando", disse John Forman, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, a ANP, que agora assessora empresas de energia. "Eu diria que o governo está sendo forçado a adotar uma postura diferente".

Forçado, disse ele, por uma confluência de circunstâncias que começaram com as enormes baixas contábeis e prejuízos que prejudicaram a Petrobras, a gigantesca petroleira controlada pelo Estado, sobrecarregada com US$ 125 bilhões em dívidas. Como o governo não está em posição de fazer um resgate, a pergunta agora é como o Brasil financiará o desenvolvimento de suas vastas reservas de petróleo offshore, incluindo os chamados depósitos do pré-sal, no Oceano Atlântico, a cerca de 240 quilômetros a leste do Rio. Essas reservas foram descobertas durante a era Lula.

Crise atual

A crise atual na Petrobras -- realçada por uma desconcertante baixa contábil de US$ 16 bilhões, realizada em abril, relacionada à corrupção e à má gestão de projetos de refinaria -- é apenas a ponta do iceberg. O governo também havia ordenado que a Petrobras oferecesse subsídios ao combustível para as massas, um movimento pensado para usar as enormes somas da suposta fonte de riqueza do pré-sal nas políticas sociais de sua preferência e como proteção contra a inflação.

Em setembro de 2010, no auge do frenesi da descoberta do pré-sal, a Petrobras levantou US$ 70 bilhões em dinheiro e ativos na maior venda de ações do mundo, transformando-a à época na quarta empresa mais valiosa do mundo após a Exxon Mobil Corp., a Apple Inc. e a PetroChina Co., segundo dados compilados pela Bloomberg. Sua capitalização de mercado era de cerca de US$ 220 bilhões e a empresa planejava investir US$ 224 bilhões ao longo de cinco anos para duplicar a produção de petróleo para 5,38 milhões de barris por dia e superar a Venezuela, o México e o Canadá nas Américas. Dilma havia acabado de deixar o cargo de presidente do conselho da Petrobras para concorrer à presidência.

Modelo quebrado

Em vez disso, mais da metade do novo capital -- cerca de US$ 40 bilhões no total -- saiu diretamente pela porta dos fundos para manter a gasolina barata. A empresa perdeu outros US$ 10 bilhões para a má gestão em projetos de refinarias longínquos ligados ao escândalo de corrupção.

Os investidores foram bastante prejudicados. Mesmo após um rali de 31% nos últimos três meses, o valor de mercado da Petrobras ainda está mais de 50% abaixo dos níveis de 2010 em termos de moeda local. E o aumento previsto na produção de petróleo não aconteceu. Em 2,8 milhões de barris por dia, a produção é apenas 12% maior desde então.

O escândalo de corrupção estourou em março do ano passado, quando a polícia prendeu um ex-diretor de refino da Petrobras, acusando-o em documentos judiciais de formar um conluio com um conhecido doleiro brasileiro para esconder ou distribuir propinas como parte de um plano para inflar contratos de construção. O dinheiro, segundo os investigadores, foi destinado ao financiamento de campanhas e para subornar políticos, por meio de intermediários, para garantir que eles votassem em linha com o partido do governo e enriquecê-los.

Tópicos tabu

A grande vítima aqui é o Modelo Brasil em si -- a ruptura da insistência essencial do governo de que pode administrar a Petrobras como um grande experimento em beneficência do governo sem prejuízo das obrigações da empresa para com os acionistas.

Atualmente, resta aos brasileiros declamar homílias otimistas a respeito da recuperação. "O petróleo existe. Agora nós precisamos encontrar a melhor forma de gerar riqueza", disse Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio.

Agora, as ideias desprezadas há apenas alguns anos -- reduzir a regulação do governo e abrir não apenas o setor petrolífero, mas também a agricultura e outros setores econômicos do Brasil para mais investimento externo -- estão sendo abertamente exaltadas pelos altos escalões.

"Tópicos que até recentemente eram tabu no Brasil, como o papel da Petrobras na geração da energia ou os detalhes das regras sobre conteúdo local, agora estão sendo discutidos", disse Damian Popolo, gerente de assuntos institucionais da Parnaíba Gás Natural, maior produtora independente de gás do Brasil.

Recursos locais

O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, deverá entregar uma proposta em junho para ajustar uma política onerosa que exige que as produtoras de petróleo adquiram a maior parte de seus produtos e serviços localmente. Ele também apoia a permissão para que a Petrobras possa optar por deixar de lado a obrigação -- que costumava ser descrita como um direito -- de assumir pelo menos 30% da propriedade de todos os projetos do pré-sal e operá-los. A empresa não tem recursos para cobrir sua fatia no desenvolvimento.

Em uma entrevista recente em Houston, Braga também disse que a Petrobras, após assumir dívidas por anos para vender combustível aos consumidores abaixo dos preços internacionais, agora terá a liberdade de estabelecer sua própria política de preço.

Capital político

"A presidente agora está sendo forçada a voltar atrás no caminho que ela mesma trilhou", disse Sérgio Fausto, diretor do Instituto Fernando Henrique Cardoso. "A grande questão é se o governo tem a convicção para queimar uma parte de seu capital político, que já é pequeno, para ver essas mudanças até o final".

O Planalto preferiu não comentar. A Petrobras não respondeu aos pedidos de comentário.

Com a Petrobras enterrada em dívidas, a melhor chance de o Brasil acelerar a exploração do petróleo e impulsionar suas receitas ruins pode ser confiar cada vez mais em empresas internacionais. Elas têm interesse, mas estão sendo cautelosas até saberem os detalhes das possíveis mudanças regulatórias, segundo Joísa Campanher Dutra, professora da FGV e pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da universidade.

O Brasil é "abençoado com recursos naturais, mas o que gera riqueza é a atividade econômica e a produção", disse Campanher Dutra. "Então o que adianta ter petroleo lá em baixo? O que adianta ter reservas se não formos capazes de usá-las?".

Retrocesso

Não que isso seja fácil de vender para a corrente mais esquerdista do PT, o partido de Dilma, para quem a Petrobras é uma fonte de orgulho e um socorro político. E os US$ 10 bilhões em crédito chinês anunciados nos últimos dois meses dão algum respiro financeiro, segundo as regras atuais. Dilma disse, durante um evento realizado no dia 14 de maio, que a exigência de produção local é "o centro de uma política de recuperação da capacidade de investimento deste país".

A combinação da queda dos preços do petróleo com as "regras estranhas" do Brasil está impulsionando mudanças nas políticas por uma questão de necessidade, segundo Arthur Byrnes, que supervisiona quase US$ 1 bilhão como diretor-gerente sênior da Deltec Asset Management.

"Se eles concretizarem essa liberalização para que a Petrobras não precise ser dona de 30% de todas as novas concessões, será uma mudança bastante positiva para o país e para a Petrobras", disse ele. "É esperar para ver, mas eu acho que eles estão de mãos atadas".

Juntamente com o setor de energia, também é discutida a desregulação da agricultura, da mineração e da aviação do Brasil. "A realidade exige isso", disse Wellington Moreira Franco, diretor da fundação política Ulysses Guimarães e ex-ministro da Aviação. "É uma questão de aritmética e de números, não de ideologia. A ideologia é ótima para definir valores para uma sociedade civilizada, mas quando se trata do dia dia, é terrível".