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A Califórnia tem um plano para dar um fim à indústria automotiva como a conhecemos

John Lippert

04/08/2015 10h44

(Bloomberg Business) -- Sergio Marchionne tinha uma coisa engraçada a dizer sobre o Fiat 500e, o carro de US$ 32.500 movido a bateria que sua empresa comercializa na Califórnia como "ecochique". "Espero que vocês não o comprem", disse ele à sua audiência, em uma think tank em Washington, em maio de 2014. Ele disse que perde US$ 14.000 por cada 500e que vende e que produz os carros apenas porque as regras estaduais exigem. Marchionne, que assumiu a Chrysler após um resgate, em 2009, para formar a Fiat Chrysler Automobiles, alertou que se só pudesse vender veículos elétricos estaria novamente em busca de um resgate do governo.

Então, quem está forçando Marchionne e todas as outras grandes fabricantes de automóveis a vender veículos elétricos em grande parte com prejuízo? Mais do que qualquer outra pessoa, é Mary Nichols. Ela comanda o Conselho de Recursos do Ar da Califórnia desde 2007, defendendo as cotas de veículos com emissão zero do estado e apoiando a determinação nacional do presidente dos EUA, Barack Obama, de dobrar a economia média de combustível para 23 quilômetros por litro até 2025. Ela já havia sido presidente do órgão estadual regulador do ar uma geração atrás e a limpeza do notório céu enfumaçado de Los Angeles é apenas um dos feitos de uma carreira de quatro décadas.

Nichols realmente pretende forçar as fabricantes a, mais cedo ou mais tarde, venderem apenas veículos elétricos. Em entrevista, em junho, no laboratório para caminhões pesados de sua agência, no centro de Los Angeles, ficou claro porque Nichols, aos 70 anos, está pressionando por regulações hoje que poderiam, até meados do século, praticamente banir o motor de combustão interna das famosas estradas da Califórnia. "Se vamos tirar nosso sistema de transporte do petróleo", diz ela, "temos que acostumar as pessoas a um mundo com zero emissão, e não simplesmente a uma versão um pouco melhor do mundo que elas têm agora".

No referido discurso em Washington, Marchionne falava sobre essa opção um pouco melhor. Ele elogiou a melhora da eficiência a ser arrancada dos motores tradicionais e dos híbridos movidos a gasolina e eletricidade. Mas Nichols não se intimida com executivos do setor automotivo e nunca aceitou a visão deles a respeito do que é possível. (A General Motors disse que os conversores catalíticos, um primeiro avanço no controle de poluição dos escapamentos que Nichols promoveu nos anos 1970, poderiam matar a empresa. Eles são lugar-comum hoje e a GM não está morta ainda).

Mesmo que a maioria das pessoas de fora da Califórnia nunca tenha ouvido falar de Mary Nichols, ela é a reguladora automotiva mais influente do mundo, diz Levi Tillemann, autor de The Great Race, um livro sobre o futuro da tecnologia automotiva. "Sob sua liderança, o Conselho de Recursos do Ar tem sido a força que impulsiona a eletrificação", diz Tillemann.

Metas rigorosas

Nichols, que dirige um pequeno Honda Fit elétrico, atua como se fosse uma força imparável. As metas da Califórnia para a adoção da tecnologia dos veículos elétricos são as mais rigorosas dos EUA, mas Nichols pensa que elas precisam ser ainda mais duras. As regulações na Califórnia, estabelecidas em 2012, exigem que 2,7% dos novos carros vendidos no estado neste ano sejam, segundo o jargão regulatório, ZEVs (sigla em inglês para "veículo de emissão zero"). É a definição dos carros movidos apenas a bateria ou a célula de combustível e dos híbridos plug-in. A cota aumenta a cada ano a partir de 2018 e atinge 22% em 2025. Nichols quer que 100% dos novos veículos vendidos tenham emissão zero ou quase zero até 2030, em parte por meio de um uso maior dos combustíveis de baixo carbono que ela também está promovendo.

A meta de 2030 é necessária para cumprir o objetivo do governador Jerry Brown, estabelecido por meio de uma ordem executiva, de redução de 80% nas emissões de gases de efeito estufa até meados do século, diz Nichols. O motor de combustão interna convencional precisa estar fora das ruas até 2050 e, como os carros duram muitos anos, deve deixar as concessionárias de carros novos em torno de 2030.

Brown, 77, manteve Nichols ao seu lado como reguladora de limpeza do ar durante suas duas passagens pelo governo - seus dois primeiros mandatos, de 1975 a 1983, e sua notável segunda eleição, a atual. Ele a tornou membro do Conselho de Recursos do Ar em 1975 e a nomeou presidente em 1979. Quando ele retornou ao Capitólio estadual, três décadas depois, Nichols já havia reconquistado o posto de presidente ao ser colocada no cargo por Arnold Schwarzenegger. "Ela é inteligente e honesta", diz Brown. "Não existe diferença entre o que eu penso e o que Mary pensa a respeito de mudança climática".

No ano que vem, Nichols será um dos principais nomes, juntamente com funcionários do governo de Obama, em uma revisão e atualização que estabelecerá o curso dos padrões nacionais de quilometragem e suas próprias cotas para os ZEVs. "Essa revisão dará forma aos próximos 20 anos de tecnologia de transporte em todo o mundo", diz Diarmuid O'Connell, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Tesla Motors. A empresa de Elon Musk, devotada exclusivamente aos carros elétricos, é uma exceção entre as fabricantes de veículos ao pressionar Nichols a mover-se mais agressivamente.

Brown está pressionando a legislatura para transformar em lei seu plano de redução do CO2 para 2050, garantindo assim que ele dure mais do que seu mandato em Sacramento. Isso inclui uma extensão por tempo indefinido de um programa de limite e comercialização iniciado por Schwarzenegger, que exige que as empresas de serviços públicos e as companhias industriais adquiram autorizações para excederem suas cotas de emissão de carbono, gerando, dessa forma, um fluxo de receita que Brown está utilizando para projetos como um trem de alta velocidade.

Posição das empresas automotivas

Mas se as empresas de serviços públicos da Califórnia mantêm uma espécie de acordo de paz com Mary Nichols, isso não se repete entre a maioria das empresas automotivas do mundo. A influência crescente de Nichols está forçando as automotrizes a dedicarem investimentos de design e engenharia, além dos motores a gasolina, a futuros modelos que funcionarão com baterias ou células de combustível de hidrogênio, diz Bill Reinert, planejador de produto aposentado da unidade americana da Toyota Motor, que ajudou a redesenhar o híbrido Prius, em 2003.

Os executivos automotivos se mostram relutantes em reclamar publicamente a respeito da ordem sobre o ZEV. Por um lado, eles querem utilizar algumas questões de relações públicas para os veículos verdes que produzem. Por outro, eles não querem um enfrentamento com Nichols. "O pessoal de relações públicas e de imagem tem muito medo dela", diz Reinert.

Marchionne se apresenta como um ponto fora da curva entre as fabricantes de veículos ao reclamar em público que a iniciativa dos carros elétricos e de economia de combustível está avançando muito rapidamente. Ele diz que venderá apenas o total de carros elétricos 500 exigido pela cota -- nenhum veículo a mais.

Nichols não busca discutir "on the record" com as fabricantes de veículos, mas também não foge da briga. Ao responder sobre como os executivos automotivos a enxergam pessoalmente, ela diz que não faz ideia. Ela explica que as fabricantes de veículos internacionais enxergam o Conselho de Recursos do Ar como o mais importante impulsor para diversos tipos de tecnologia automotiva. As empresas de veículos estão transformando a Califórnia no lugar central para o design e a engenharia avançada, diz ela, e sabem que existe mercado para a inovação verde.

Ao responder especificamente sobre os comentários do CEO da Fiat Chrysler, Nichols faz uma pausa e depois diz: "Existe uma razão pela qual a Chrysler é a eterna número 3 das Big Three". Quando ouve um pedido para que aprofunde a resposta, Nichols interrompe a pergunta. "Essa é a minha resposta. É pegar ou largar".