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Lago gigante de petróleo infinito da Venezuela é uma bagunça suja e desgovernada

Pietro D. Pitts

04/08/2015 13h32

(Bloomberg) - A partir do momento em que o mergulhador, trajando um macacão vermelho de nylon e tênis azul Chuck Taylor, volta à superfície depois de ter trocado uma tubulação enferrujada no maior lago da América do Sul, começa uma corrida contra o tempo. Coberto de petróleo preto-escuro da cabeça aos pés, ele sobe no barco de serviço, arranca do corpo o uniforme provisório e corre para se lavar com uma mistura especial que serve para limpar os contaminantes.

Durante quase cem anos, os depósitos de petróleo sob o gigantesco Lago de Maracaibo serviram como fonte de renda para sucessivos governos venezuelanos. Em troca, especialmente nos anos desde que o setor energético do país foi industrializado pelo ex-presidente Hugo Chávez, ele só foi negligenciado.

A bacia do Maracaibo é onde a grande dádiva energética da Venezuela, inclusive reservas de petróleo que ofuscam até as da Arábia Saudita, se depara de forma abrupta e violenta com a capacidade reduzida da produtora estatal monopólica, a Petróleos de Venezuela SA, para administrar tanto as demandas do aumento da produção quando as exigências da proteção ambiental.

Hoje, a massa de água de 13.200 quilômetros quadrados, um cemitério tanto para tubulações e pneus abandonados quanto para os sonhos venezuelanos de prosperidade, funciona como um emblema de um país com muitíssimas riquezas que está ficando completamente transtornado.

Desaceleração econômica

A economia começou a desacelerar muito antes da queda dos preços do petróleo que ocorreu no ano passado. O crescimento agora está firme em território negativo, a inflação está acima de 80 por cento ao ano, a mais alta do mundo, de acordo com previsões consensuais da Bloomberg News, e os bonds de referência do país estão sendo comercializados a cerca de 41 centavos por dólar - dando-lhes um yield de mais de 20 por cento - em comparação com o pico de 129 centavos por dólar em 2006. A Venezuela nunca dependeu tanto das receitas do petróleo, responsável por 95 por cento do arrecadado com as exportações e por quase metade das receitas do governo, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores do país.

Mesmo para os padrões de um país tão abençoado pelos recursos naturais como a Venezuela, a bacia de Maracaibo é admirável. Ela vem produzindo petróleo há um século, tendo rendido quase 43 bilhões de barris até agora. Com uma reserva comprovada de 19 bilhões de barris restantes - mais do que o total das reservas comprovadas do Brasil ou do México - o lago poderia representar um alívio maior se a encrencada Venezuela fosse mais receptiva ao capital e aos conhecimentos de outros lugares além da China e da Rússia, disseram Antero Alvarado e Carlos Rossi, analistas da Gas Energy Latin America e da EnergyNomics, em entrevistas diferentes.

Falhas do governo

"Há uma enorme irresponsabilidade governamental, não só deste governo, mas daqueles de 20 a 30 anos atrás", disse Gustavo Carrasquel, diretor geral da Fundación Azul Ambientalistas, uma ONG ambientalista e conservacionista fundada em 1986. "As transnacionais destruíram o lago e a PDVSA não tem capacidade operacional para controlar os constantes vazamentos de petróleo e gás".

Representantes da PDVSA e do Ministério de Petróleo da Venezuela não responderam aos e-mails e telefonemas em busca de comentários sobre a contaminação do Lago de Maracaibo e a queda da produção na bacia.

Vinte e cinco mil quilômetros de oleodutos e gasodutos cruzam o fundo do lago, em grande parte corroídos e com vazamentos. O petróleo que escapa desse labirinto subaquático vai para a superfície, criando o aspecto de grandes poças de óleo de motor em uma estrada depois da chuva.

Vazamento de gás

Redemoinhos de água borbulhante delatam que as tubulações de gás natural também estão permeáveis. Estima-se que 50 por cento do gás natural transportado no Lago de Maracaibo se perca devido a rupturas e vazamentos do gasoduto, disse Alvarado, da Gas Energy, em uma entrevista por telefone.

A Venezuela detém a capacidade para reverter a queda da produção e acabar com a deterioração ambiental, disse Rossi, presidente da EnergyNomics, mas a escassez de fundos e a evasão de engenheiros, técnicos e outros veteranos do setor petroleiro estão dissuadindo as iniciativas. Apesar de seu vasto potencial de produção, o Lago de Maracaibo também está perdendo seu lugar de destaque, disse Rossi, pois a PDVSA está cada vez mais "pondo todos os ovos na mesma cesta" - a reserva de petróleo pesado do Orinoco, mais nova, que fica do outro lado do país.

Título em inglês: 'Venezuela's Giant Lake of Endless Oil Is a Filthy, Lawless Mess'

Para entrar em contato com o repórter: Pietro D. Pitts, em Caracas, ppitts2@bloomberg.net