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Levy, o 'mãos de tesoura' que não consegue cortar

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Josué Leonel

31/08/2015 13h27

(Bloomberg) -- Apelidado de "mãos de tesoura" por ter sido uma das figuras-chave do ajuste fiscal no governo Lula, em 2003, o ministro Joaquim Levy parece trabalhar de mãos atadas nesta segunda experiência em uma administração petista. Esta percepção sobre o ministro, juntamente com o risco de a nota de crédito do país ser cortado, alimenta a disparada do dólar nesta segunda-feira (31).

Em oito meses de Levy na Fazenda, o resultado fiscal só faz piorar e a meta de superávit para 2016 está prestes a sofrer a segunda revisão, agora para déficit. Enquanto a recessão prejudica as receitas, as sugestões de mais cortes de gastos esbarram na aparente falta de determinação do governo e na hostilidade do Congresso.

O mercado não questiona as credenciais de Levy. Seja em suas passagens pelo governo, seja no setor privado, Levy teve sempre um discurso totalmente em linha com o que a maioria do mercado prescreve para o país: ajuste fiscal baseado na austeridade de gastos e não aumento de impostos, câmbio flutuante sem amarras, combate à inflação, abertura comercial e privatizações -- o kit básico do economista liberal.

O que o mercado questiona é a capacidade do ministro em entregar resultados. "O Levy está murchando. Ele está perdendo as disputas internas", diz Vladimir Caramaschi, estrategista do banco francês Credit Agricole no Brasil.

Para Caramaschi, uma eventual saída de Levy poderá não ter um impacto muito forte no mercado, que já vem acompanhando o desgaste do ministro. Da mesma forma, a perda do grau de investimento pelo Brasil já está precificada. Isso se reflete no CDS brasileiro, que já se aproxima do nível da Rússia e é o segundo maior entre os Brics.

No caso de Levy deixar o posto, porém, tudo dependeria do nome do substituto ser visto como alguém com perfil similar. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que tem aparecido no noticiário sempre do lado oposto a Levy no debate sobre cortes de gastos, não deve ser este nome.

A dificuldade de Levy em tocar o ajuste fiscal agora contrasta com o sucesso que ele obteve em 2003 como secretário do Tesouro. A situação 12 anos atrás, contudo, parecia muito menos complexa. Embora Lula na época tenha dito que recebeu uma "herança maldita", o petista recebeu de FHC um superávit primário de 3,3% do PIB. Dilma, por sua vez, herdou de seu próprio primeiro mandato um déficit de 0,6% do PIB.

E a conjuntura para reverter o déficit hoje é muito mais difícil para Levy. Em 2003, o PIB crescia, embora pouco, enquanto hoje há recessão, o que prejudica a receita. Além disso, Levy no Tesouro em 2003 contava com o suporte do ministro Antonio Palocci, na época fortíssimo e com trânsito fácil no PT, partido ao qual é filiado.

O próprio presidente Lula em 2003 tinha popularidade e força política incomparavelmente superiores à demonstrada hoje por Dilma. Levy já enfrentaria sérias dificuldades para fazer o ajuste hoje mesmo se contasse com total apoio às suas políticas no governo. Mas parece não estar contando sequer com esta condição mínima.

--Com a colaboração de Roberto Cintra em São Paulo.

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