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Analista da McKinsey descobre como ajudar os pastores do Himalaia

Kartikay Mehrotra

01/09/2015 17h10

(Bloomberg) -- A última coisa que Babar Afzal lembra antes de perder a consciência era que ele estava correndo por uma planície no Himalaia empunhando um canivete suíço, tentando evitar que um rebanho de cabras-da-caxemira fosse comido por leopardos-das-neves.

Quando seu cérebro, com pouco oxigênio por estar a 4.300 metros de altitude, enviou uma dor incapacitante à espinha antes do desmaio, o ex-analista da McKinsey Co. teve uma momento de lucidez: esse lugar realmente precisa ter uma ambulância.

Isso foi há um ano, quando os pastores nômades da Caxemira indiana o salvaram e perderam 35 cabras. Neste ano, Afzal planeja voltar a essa passagem perto das fronteiras com o Paquistão e a China e ver se consegue fazer com que as cabras paguem uma ambulância.

Estas cabras não são comuns. São bestas desgrenhadas com grandes chifres que produzem pashmina, o tipo mais fino de cashmere, uma lã macia e sedosa que pode alcançar até US$ 200.000 na forma de xale em uma butique de Paris ou de Nova York. A maior parte dessa margem de lucro vai para uma extensa rede de compradores, tecelões, negociantes, intermediários e atacadistas. Os pastores recebem 2.700 rúpias (US$ 40) por quilo de lã bruta, ou menos que isso quando são pagos com carne ou tecidos.

Afzal, 39, nativo da Caxemira, quer garantir uma fatia maior do lucro para sua região natal com o objetivo de salvar uma indústria que está em queda livre devido à falta de investimento, à concorrência chinesa e a uma série de invernos devastadores. Ele espera que parte do dinheiro pague por serviços como estradas e hospitais.

Nos últimos quatro anos, Afzal vem se juntando às famílias nômades quando elas guiam seus rebanhos por caminhos junto a penhascos vertiginosos, de agosto a outubro, sob o risco de avalanches e tempestades, para se reunirem com compradores que vêm de longe, por exemplo da França, em busca da lã bruta.

Ótimo salário

Trata-se de um longo caminho percorrido em relação à vida que ele levava. Quando era um jovem analista do McKinsey Knowledge Center, em Nova Délhi, ele ganhava mais de US$ 150.000 por ano, o suficiente para colocá-lo na camada superior de 0,3 por cento da elite rica da Índia.

"Eu tinha um ótimo salário, uma ótima residência, boa comida, bons amigos e viajava pelo mundo todo, mas alguma coisa sempre me trazia de volta a este lugar", disse ele. "Eu via as pessoas na minha terra, amigos e familiares, passando dificuldades e morrendo. Era devastador".

"Era como se fossem dois mundos separados e eu estivesse no meio", disse ele. Natasha Wig, gerente de comunicação externa da McKinsey em Mumbai, preferiu não comentar quando perguntaram sobre a passagem de Afzal pela empresa.

Aumento da produção

A Índia responde por menos de 1 por cento da produção mundial anual de pashmina, estimada em 10.000 a 15.000 toneladas. O país está muito atrás da China, com seus 70 por cento, e da Mongólia, que responde por 20 por cento.

No ano passado, o governo do primeiro-ministro Narendra Modi lançou uma campanha de 300 milhões de rúpias para aumentar a produção e oferecer residências e recursos básicos aos pastores.

"Até hoje, a maioria dessas pessoas foi explorada", disse Tundup Namgail, diretor técnico do Escritório Distrital de Criação Pecuária em Leh. "Estamos fazendo algumas coisas, mas eu duvido que seja suficiente para essas famílias".

Cabras únicas

As roupas de pashmina indiana podem levar meses ou até mesmo anos para serem tecidas a mão, com modelos intrincados que algumas vezes incluem fios de ouro e prata. Por toda a Caxemira, das casas de tijolo e barro das cidades de Srinagar e Jammu até os vales altos de Ladakh, homens e mulheres usam teares manuais para tecer e bordar.

A abordagem da Afzal é elevar os ganhos dos nômades ensinando-os a fiar e a tecer, e investindo 7 por cento das vendas de volta para a região onde ele cresceu.

O futuro deles pode passar por convencer pastores como Tsering Chosgail, nas passagens montanhosas que estão acima deles, de que ainda vale a pena criar essas cabras únicas.

"Não há dinheiro que possa nos salvar, isso é simplesmente muito complicado", diz Chosgail, 29, sentado de pernas cruzadas em uma barraca médica mal iluminada, usando um boné do Chicago Bulls e um lenço rosa. Ele diz que o clima se tornou muito imprevisível e os invernos, mais frios. "Ser pastor é uma luta".

Título em inglês: How a McKinsey Analyst Sought a Fortune as a Himalayan Goatherd

Para entrar em contato com o repórter: Kartikay Mehrotra, em Nova Délhi, kmehrotra2@bloomberg.net.