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Papa surge como figura-chave na eleição presidencial da Argentina, seu país natal

Charlie Devereux e Juan Pablo Spinetto

02/09/2015 13h44

(Bloomberg) - O candidato favorito à presidência da Argentina prometeu criar um ministério de economia popular para "cumprir o sonho do papa Francisco". Seu principal oponente se reuniu duas vezes com Francisco em Roma. A presidente Cristina Kirchner visitou o papa seis vezes nos dois anos que ele leva no cargo.

Não é surpreendente que os políticos argentinos, diante da primeira rodada eleitoral no dia 25 de outubro, queiram aproveitar o brilho do argentino e católico romano mais influente do planeta. Talvez mais notória seja como esse papa parece estar cooperando, oferecendo sua imagem e bênção à causa da democracia argentina.

"É a forma do papa de garantir uma transferência pacífica do poder", disse Jorge Castro, diretor do Instituto de Planejamento Estratégico em Buenos Aires, apontando que as transições políticas na Argentina normalmente trouxeram crises.

Embora não tenha voltado à sua terra natal desde que assumiu o papado em 2013 - apesar de visitar os vizinhos Brasil, Bolívia e Paraguai - nem tenha favorecido nenhum candidato, Francisco aceitou numerosas visitas de seus compatriotas, inclusive com um tom político.

Diálogo pelas Malvinas

No mês passado, em uma reunião pública semanal, um ativista jogou nas mãos dele um cartaz que instava o diálogo entre a Argentina e o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas. O papa foi fotografado segurando o pequeno cartaz e sorrindo. A presidente Cristina tuitou a foto.

Um porta-voz do papa quis rapidamente invalidar a tentativa de ligá-lo à causa, dizendo que as pessoas costumavam dar a Francisco coisas nessas reuniões e que ele não fazia ideia do que o cartaz dizia naquele momento.

O próprio Francisco admite ter dificuldades para se abster quando ele acha que seu envolvimento pode fazer uma diferença em um assunto que é importante para ele. Ele apoiou o diálogo em disputas como a entre a Turquia e a Armênia e entre os EUA e Cuba.

Como Arcebispo de Buenos Aires, o papa, então conhecido como Jorge Bergoglio, não evitava se envolver na abrasiva política da Argentina. Ele criticou Cristina e seu marido e predecessor, o falecido Néstor Kirchner, por não enfrentarem a pobreza. Em 2010, ele liderou os protestos contra a proposta de Cristina de reconhecer legalmente o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.

Quando trabalhava do outro lado da praça do palácio presidencial da Argentina, o papa tinha dificuldade para conseguir uma audiência com Cristina, e se encontrou com ela três vezes em seis anos, nunca em particular.

Transição tranquila

Agora ele passou a ser criticado por alguns membros da mídia da Argentina por se reunir com ela com tanta frequência, um gesto que alguns veem como um apoio ao governo e ao partido dela neste ciclo eleitoral.

Talvez, para Francisco, um pouco de exploração política de sua imagem seja um pequeno preço a pagar para alcançar seus objetivos de garantir uma transição tranquila do poder no dia 10 de dezembro. Os analistas dizem que ele está fazendo uma diferença.

A principal preocupação do papa parece ser acabar com o efeito de polarização exercido por Cristina e seu falecido marido na política argentina, disse Enrique Zuleta Puceiro, um pesquisador e analista político. Ao deixar de lado o passado turbulento e forjar uma amizade com Cristina, ele contribuiu sutilmente para modificar o clima político na Argentina, disse ele.

"Ele entende que sua voz chega longe na Argentina", disse Zuleta Puceiro. "Há um discurso de colaboração no ar na Argentina, que tem substituído o discurso de conflito que caracterizou grande parte dos últimos dez anos".

Título em inglês: 'The Pope Emerges as Key Election Player in his Native Argentina'

Para entrar em contato com os repórteres: Charlie Devereux, em Buenos Aires, cdevereux3@bloomberg.net; Juan Pablo Spinetto, no Rio de Janeiro, jspinetto@bloomberg.net