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Análise: Culpe bancos centrais por Trump, 'Brexit' e populismo

Mark Gilbert

09/11/2016 14h15

(Bloomberg) -- A ascensão do populismo na política te preocupa? A culpa é dos bancos centrais.

Todos os políticos populistas do mundo irão para a cama hoje à noite mais sonhadores após a surpreendente vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos EUA.

Cada membro da chamada elite --independentemente da forma escolhida para definir esse conceito amorfo-- precisará se olhar longa e detidamente no espelho e se perguntar se os poucos não calcularam muito mal o ânimo de muitos.

Existe um forte argumento de que os políticos estão sentindo apenas agora a reação da crise econômica de quase uma década atrás.

E, em particular, é possível argumentar que os chamados efeitos distributivos das políticas monetárias adotadas pelos bancos centrais do mundo na tentativa de evitar a recessão e a deflação contribuíram diretamente para a atual insatisfação com o status quo.

Classe média e capitalismo

A principal mensagem econômica de Trump --de que a classe média não recebeu nenhum aumento salarial em mais de uma década-- repercutiu claramente no eleitorado dos EUA. O mesmo vale para boa parte do restante do mundo. Para muitos eleitores, parece que o capitalismo não vem dando resultados há muito tempo.

Nos tempos de expansão, a maior parte dos benefícios veio do capital, e não do trabalho (algo que, segundo o famoso argumento de Thomas Piketty, é uma falha do capitalismo).

Nos tempos difíceis que vieram na sequência, a flexibilização quantitativa e as taxas de juros extremamente baixas do Federal Reserv (Fed, o banco central dos EUA) e, do Banco Central Europeu, do Banco do Japão e do Banco da Inglaterra contribuíram principalmente para os preços dos ativos -- o que não é de muita ajuda para aqueles que não possuem ativos financeiros.

Os primeiros indicadores apontam que 53% dos americanos com 45 anos ou mais apoiaram Trump; esta é a faixa da população que está vendo o planejamento de sua aposentadoria ser prejudicado pelos rendimentos de títulos mais baixos já vistos pelo mundo, consequência direta das políticas dos bancos centrais.

Extremismo

A vitória de Trump foi aplaudida por extremistas, como o ex-líder do Ku Klux Klan David Duke ("Essa é uma das noites mais excitantes da minha vida") e a organização grega Aurora Dourada ("Essa foi uma vitória das forças que se opõem à globalização e que estão a favor de estados limpos etnicamente").

Mas seria um equívoco pensar que apenas extremistas loucos votaram em Trump, no Partido da Independência do Reino Unido e no Brexit, ou que poderiam votar em Marine Le Pen, no Movimento Cinco Estrelas e no partido Alternativa para a Alemanha nas eleições francesa, italiana e alemã, respectivamente.

A primeira vítima europeia provável da reação populista provavelmente será o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi.

Seu referendo de 4 de dezembro trata ostensivamente de reforma constitucional, mas em vez disso é provável que se transforme em um plebiscito sobre a taxa de desemprego do país, de 11,7%, sobre o estado frágil do sistema bancário e sobre os debates com a Comissão Europeia a respeito de seus planos orçamentários. Renzi prometeu renunciar se perder o referendo; as pesquisas de opinião pública mais recentes mostram que a campanha do "não" está na liderança.

Voto de protesto

Eu conversei pela internet com Darren Pollock, gerente de fundo da Cheviot Value Management em Beverly Hills, Califórnia, antes da eleição dos EUA. Ele argumenta que a interferência dos bancos centrais na economia pode ser comparada ao ato de apagar pequenos incêndios florestais: impede os processos naturais de limpeza trazidos por uma conflagração maior:

"Nos últimos anos e atualmente, muitos cidadãos estão, de uma forma ou de outra, realizando votos de protesto contra seus políticos. Mas não tenho certeza se os políticos de hoje merecem o protesto mais do que os de antes. Se os bancos centrais não tivessem prejudicado suas economias, é possível que não estivéssemos vendo tanta dissidência em tantas partes do mundo."

Embora eu tenha muita simpatia pelo trabalho incrivelmente difícil que os bancos centrais têm realizado nos últimos anos, a maior parte dele sem qualquer ajuda fiscal de seus governos, em retrospecto está ficando mais difícil não sentir que a flexibilização quantitativa pode ter feito muito mais mal do que bem.

Juros baixos

A vitória de Trump, o referendo do Brexit no Reino Unido e a ascensão do populismo em todo o mundo sugerem que grande parte do eleitorado pode estar tão insatisfeita com a política monetária quanto com sua liderança política atual. Os eleitores aproveitam a chance para mudar seus governos, mas não têm a mesma oportunidade para expulsar os guardiões da estabilidade monetária, que não são eleitos pelo voto.

Eu escrevi anteriormente de forma favorável ao chamado argumento neofisherista de que os juros baixos podem acabar sendo o problema, e não a solução, para uma economia frágil. Talvez a eleição do presidente Trump seja a prova de que os bancos centrais deveriam pelo menos estar debatendo uma linha de ação diferente.

Essa coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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