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Trump faz Brasil rever possibilidades para eleição de 2018

Bruce Douglas

23/11/2016 14h54

(Bloomberg) -- Se a revolta da classe média com elites políticas distantes da realidade foi fundamental para a vitória surpreendente de Donald Trump nos EUA, o mesmo ingrediente eleitoral pode causar uma mudança radical no Brasil em 2018.

Nos últimos três anos, milhões de pessoas saíram às ruas contra os políticos em Brasília. Em vez de melhora nos serviços públicos e um governo mais honesto, a população recebeu em troca a pior recessão da história, o impeachment de Dilma Rousseff e um escândalo de corrupção que envolve dezenas de figurões da economia e da política do País.

Sanar as finanças públicas com medidas de austeridade e ao mesmo tempo preservar programas sociais populares e duramente conquistados não é tarefa fácil para um presidente impopular e não eleito como Michel Temer.

Sem uma percepção de melhora na economia e no combate à corrupção, a possibilidade de ascensão de um personagem inusitado e inexperiente na eleição presidencial de 2018 aumenta. No entanto, uma virada radical pode intensificar a instabilidade social ou prolongar ainda mais a recessão.

"Esse cenário é absolutamente possível aqui no Brasil", disse Oliver Stuenkel, professor assistente de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. "Existe um profundo cinismo quando se trata das instituições políticas e um sentimento muito forte de que realmente não importa em quem se vota."

Soluções simples

Nos EUA e na Europa, a imigração e o aumento da desigualdade de renda causaram amplo descontentamento. No Brasil, os recém-chegados à classe média estão cada vez mais revoltados com a educação, a saúde e a segurança pública, de acordo com relatório de pesquisa da consultoria de risco político Eurasia Group.

Mas assim como os eleitores dos EUA e do Reino Unido foram atraídos por soluções aparentemente simples como a construção de muros, medidas protecionistas e a saída da União Europeia (Brexit), os eleitores no Brasil dão sinais de frustração com o funcionamento normal do sistema político.

O apoio dos brasileiros à democracia diminuiu 22 pontos percentuais de 2015 para 2016, de acordo com pesquisa publicada em setembro pela Latinobarometro.

Embora os protestos contra o governo Temer tenham sido esporádicos, há sinais de maior insatisfação. Centenas de escolas foram ocupadas em protesto contra seu programa de reformas.

Confrontos recentes no Rio de Janeiro entre policiais e servidores públicos que não recebem salários podem se espalhar para outros Estados que também enfrentam crises financeiras. Na semana passada, dezenas de manifestantes invadiram o Congresso e pediram intervenção militar.

"Para o Brasil, a principal questão no horizonte continua sendo se a eleição de 2018 pode produzir um candidato que manterá viva a chama reformista ou produzirá um candidato populista", escreveu Christopher Garman, diretor-gerente da Eurasia Group.

O Trump brasileiro?

Com a esquerda brasileira desorganizada e os eleitores desiludidos com todos os partidos, apareceram diversos candidatos não tradicionais. Dois deles se destacam. O deputado federal e militar da reserva Jair Bolsonaro foi segundo colocado em uma pesquisa de opinião, publicada em 19 de outubro, sobre possíveis candidatos presidenciais para 2018.

Bolsonaro conquistou fãs no país todo por meio de declarações ofensivas, como na ocasião em que disse a uma deputada "Não te estupro porque você não merece", e ao insistir que direitos humanos são para "humanos, não bandidos".

Ele descreve o Bolsa Família como "um crime", que criou uma geração de brasileiros "sem nenhum futuro". Quase um quarto da população recebe benefícios do programa de transferência de renda. Em entrevista por telefone, Bolsonaro disse que ficava feliz em ser comparado com Trump. "Ele é explosivo e eu sou explosivo", disse.

Apesar do distanciamento de seu partido (PSC), Bolsonaro cita seu grande número de fãs na internet como prova de viabilidade de sua candidatura. "Tenho uma massa de jovens seguidores que me adoram de verdade", ele disse. O próprio Bolsonaro admite ter menos apoio entre seus colegas no Congresso, dado que poucas propostas suas se transformaram em leis.

O outro destaque é João Dória, empresário milionário e apresentador de televisão sem experiência política, que usou um discurso linha dura no combate à criminalidade para garantir uma surpreendente vitória no primeiro turno da eleição à prefeitura de São Paulo no mês passado.

Uma das propostas de Dória antes de assumir o cargo é reavaliar as gratuidades na utilização dos ônibus. Em 2013, o anúncio de aumento das passagens deflagrou protestos em várias partes do País e o fortalecimento do movimento em defesa do passe livre.

Apesar de ser filiado ao PSDB, Dória --assim como Bolsonaro-- tem pouca experiência com as negociações de bastidores necessárias para criar um pouco de consenso entre os quase 30 partidos políticos representados no Congresso.

"Só o voto popular não será suficiente para governar", disse Maurício Santoro, professor de ciência política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). "Um presidente precisa construir uma base de apoio."