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Análise: Fabricação de iPhone deve continuar na China

Adam Minter

24/11/2016 13h10

(Bloomberg) — Poucas pessoas levaram Donald Trump a sério quando ele disse em março que ia "fazer com que a Apple comece a fabricar seus computadores e o iPhone em nossa terra, não na China".

Mas sua eleição parece ter mudado isso. A Apple supostamente pediu que as duas companhias asiáticas que montam a maioria dos aparelhos iPhone avaliem se podem levar esse trabalho para os EUA. Uma delas, a Foxconn, aceitou analisar o assunto.

Os partidários de Trump receberam esta notícia como um sinal do poder que ele tem para convencer corporações caprichosas a fazer com que os EUA voltem a ser grandiosos.

Mas, como a Apple e seus parceiros de fabricação sabem, e como o presidente Trump vai descobrir em breve, isso nunca acontecerá. Os EUA não têm a mão de obra e as cadeias de abastecimento necessárias para que a Apple transfira a operação do iPhone de volta para casa. E, mais especificamente, os americanos não deveriam querer isso.

Combinação de fatores

A cadeia de abastecimento original da Apple incluía uma garagem em um subúrbio dos EUA, mas a Ásia rapidamente se tornou central para o crescimento da companhia.

Em 1981, a companhia abriu uma instalação em Cingapura para fabricar placas lógicas e outras componentes. Era uma opção óbvia, de acordo com o gerente que administrava a instalação: "Em nossa opinião, nenhum país pode oferecer a combinação de infraestrutura, capacidade técnica, indústrias complementares, eficiência governamental, apoio e incentivos que Cingapura oferece".

Nas décadas seguintes, a China imitou a abordagem de Cingapura em uma escala gigantesca, desenvolvendo conjuntos industriais com infraestrutura de primeira linha e oferecendo terrenos e subsídios para as empresas que estivessem dispostas a se mudar para o país.

Em torno de 2004, a Apple tinha fechado sua última operação de fabricação nos EUA e a China havia se tornado o centro industrial de seu império mundial.

Força de trabalho

A mão de obra de baixo custo e as regulamentações mínimas sem dúvida foram parte do apelo da China. Mas o fator mais importante foi sua enorme e habilidosa força de trabalho. A principal fábrica de iPhone em Zhengzhou emprega atualmente 110 mil funcionários, e outras fábricas empregam mais centenas de milhares.

Os 270 milhões de trabalhadores migrantes da China — cuja maioria é ambiciosa e oportunista — provaram que são indispensáveis para uma empresa que valoriza a flexibilidade. No terceiro trimestre, empresas contratadas pela Apple supostamente contrataram 100 mil trabalhadores para aumentar a produção do iPhone 6s antes do lançamento no quarto trimestre.

Mão de obra capacitada

Nada comparável a isso poderia acontecer nos EUA, independentemente do que o presidente deseja. Uma mobilização massiva nessa escala, e a essa velocidade, provavelmente não foi nem tentada depois da Segunda Guerra Mundial. E há poucos motivos para crer que seria bem-sucedida ou desejável nos dias de hoje, mesmo que a Apple estivesse disposta a tentar.

Encontrar suficiente mão de obra capacitada também não seria muito mais fácil. O presidente da Apple, Tim Cook, disse no "60 Minutes" no ano passado que, graças à melhoria do ensino profissionalizante, a China agora tem uma mão de obra mais capacitada que os EUA.

Os executivos da Apple estimam que precisariam de 8.700 engenheiros industriais para supervisionar 200 mil trabalhadores da linha de montagem, mas apenas 7.000 estudantes finalizaram programas de engenharia industrial com grau universitário nos EUA em 2014. Shenzhen, em contraste, é o lar de 240 mil funcionários da Foxconn — e de milhões de outros engenheiros e trabalhadores.

Uma concentração tão alta de atividade fabril e profissionais em um único lugar dá à China outra enorme vantagem. A maioria das centenas de peças que compõem o iPhone é fabricada a pouca distância do lugar onde os aparelhos são montados.

Isso acelera a produção, reduz a necessidade de armazenamento e diminui os custos de logística. Essas fábricas também podem aumentar a produção com a rapidez que a Apple necessite graças à oferta de mão de obra capacitada. É um ecossistema industrial que levou décadas para evoluir e que não vai se mudar para os EUA.

Empresa lucrativa

Além do mais, os americanos não deveriam querer que isso aconteça. Esse ecossistema fez da Apple uma das empresas mais lucrativas do mundo, que sustenta 2 milhões de empregos nacionalmente.

É isso que possibilita que os americanos comprem aparelhos incríveis a um preço (relativamente) acessível. E está contribuindo para o surgimento de uma ampla classe média asiática que domina a tecnologia — o que produzirá muitos consumidores para os bens e serviços americanos.

Tudo isso desapareceria se a Apple fosse de algum modo obrigada a transferir sua produção de volta para os EUA, provavelmente dobrando os custos no processo.

Se Trump deseja reanimar a produção industrial nos EUA, será preciso mais que intimidar a Apple. Ele terá que dar apoio ao ensino profissionalizante em grande escala, oferecer subsídios industriais semelhantes aos chineses e esperar algumas décadas para que tudo isso surta efeito — tudo para conseguir empregos entediantes, com salários baixos e que se tornam cada vez mais obsoletos à medida que os robôs industriais avançam.

Na realidade, é provável que um iPhone americano seja apenas mais uma promessa eleitoral vazia. E é melhor que seja assim.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.