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Doria recorre a Unilever e Mitsubishi para embelezar São Paulo

Blake Schmidt

20/01/2017 10h34

(Bloomberg) -- Uma das primeiras façanhas de João Doria assim que assumiu a prefeitura de São Paulo foi limpar as pichações na Ponte Estaiada, sobre o fétido Rio Pinheiros.

O problema é que os grafiteiros locais têm orgulho de colocar suas obras nos lugares de acesso mais difícil.

Doria não se deixou abalar. Ele não só contratou e treinou uma equipe de limpeza para escalar a ponte de 138 metros de altura, como também encontrou uma maneira de não pagar pela operação com dinheiro público. Ele chamou parceiros de negócios para assumir a conta.

"A cidade tem recursos muito limitados, por isso uma das nossas inovações é que rapodamente buscamos o setor privado para ajudar a administrar a cidade", disse Doria, 59 anos, em entrevista concedida em seu gabinete em sua terceira semana no cargo.

Sabonete, veículos

Foi um dos diversos favores que ele literalmente cobrou durante seus primeiros dias como prefeito. Doria, que fez fortuna com uma empresa de eventos e ficou mais conhecido quando apresentava o programa "O Aprendiz", tem telefonado para os presidentes de empresas com quem se relaciona para pedir contribuições. A Unilever doou sabonete e xampu para moradores de rua. A Mitsubishi doou veículos para manutenção das vias. Fabricantes de tintas estão doando materiais para limpeza das pichações. Ele também quer criar empregos para 20.000 moradores de rua, negociando um acordo com um grupo de companhias de limpeza.

O novo CEO de São Paulo acredita que o Estado precisa se concentrar no básico: saúde, educação e segurança. Para todo o resto, há o setor privado, onde ele tem muitos amigos.

É uma abordagem executiva à política que alguns podem comparar à de Donald Trump, embora Doria afirme não gostar da comparação. Diante dos esforços de responsabilidade social, muitos se perguntam o que os amigos do prefeito no setor privado ganharão em troca.

'Nada em troca'

"Eles não levam nada em troca", disse Doria, de olho no cronômetro que usa para calcular o tempo de suas entrevistas. A recompensa, segundo ele, é uma cidade melhor. "Com uma cidade melhor, você vive melhor, as famílias vivem melhor e seus negócios vão prosperar."

Aparentemente, Doria não vê limites para o papel das empresas na gestão da cidade. Ele procura formas de captar recursos após promessas de campanha de congelar os preços das passagens de ônibus e acabar com a chamada indústria da multa, que gerava mais de 1 bilhão de reais por ano aos cofres de seu antecessor, Fernando Haddad. O ex-prefeito do Partido dos Trabalhadores afirmou que o cumprimento das promessas de Doria abriria "um buraco no orçamento".

A solução de Doria é chamar o setor privado ao resgate. Ele quer surfar uma nova onda de privatizações, começando por duas operações que, segundo estimativas dele, vão gerar até 7 bilhões de reais: o centro de convenções do Anhembi e o autódromo de Interlagos (Haddad é contra a segunda proposta por causa da localização em uma região de mananciais).

Privatização

Doria também está elaborando planos para oferecer concessões para administração de até 100 parques, uma dúzia de mercados municipais, mais de 20 cemitérios, o crematório municipal, o estádio do Pacaembu e um serviço funerário municipal. Ele acrescentou duas ambições à lista: a coleta de lixo e o serviço de cobrança de transporte público. Interessados do exterior são bem-vindos, ele avisa.

O status do empresário paulistano como outsider da política atraiu comparações com um certo bilionário americano. A Breitbart News, empresa de mídia comandada por Steve Bannon até que ele deixou o cargo para coordenar a campanha de Trump, recentemente noticiou a posse de Doria em janeiro da seguinte forma: "Em levante populista, Donald Trump brasileiro toma posse como prefeito de São Paulo". Doria declara uma fortuna de aproximadamente US$ 50 milhões - bem menos do que os US$ 3 bilhões de Trump, mas suficiente para atrair eleitores com o compromisso de abrir mão do salário de prefeito.

Dos negócios à política

Porém, Doria se diz "totalmente Hillary". As postagens dele no Twitter ? geralmente selfies sorridentes e máximas de autoajuda ? são uma Disneylândia em comparação com a sequência infindável de ataques de Trump a seus críticos. Doria prefere ser colocado ao lado de executivos que se tornaram políticos, como o presidente argentino Mauricio Macri, que teve dois mandatos como prefeito de Buenos Aires. Doria não descartou explicitamente a possibilidade de concorrer à presidência, mas disse que servirá apenas um mandato como prefeito.

"A eleição de Trump expressou o sentimento do eleitorado americano, que eu respeito", ele disse. "Mas talvez ele seja duro em algumas questões, excessivo, pouco compreensivo, arbitrário, duro em relação aos imigrantes."

Doria é descendente dos Doria Costa, ilustre família de fazendeiros e políticos que data do período colonial. Seu pai, também chamado João Doria, foi deputado e teve o mandato cassado no golpe militar de 1964. A família se exilou em Paris. Depois que a esposa voltou ao Brasil com os dois filhos, João Doria Júnior estudou Administração e foi funcionário da agência de publicidade que seu pai havia comandado. O primeiro emprego dele no setor público foi no turismo, por indicação de um amigo do pai, o governador paulista Franco Montoro.

Conflito de interesses

Doria fala quatro idiomas e construiu um império de negócios que foi passado para o filho João Doria Neto, de 22 anos, e para o economista Roberto Giannetti da Fonseca quando ele assumiu a prefeitura. Luiz Furlan, que já foi ministro do Desenvolvimento, comandará o grupo de eventos de Doria, o Lide.

A decisão não o isentou do problema de conflito de interesses que é marca registrada de Trump. O Lide, que organiza eventos empresariais que costumam atrair políticos, enviou convites para um evento no qual uma cadeira na mesa de Doria custava 50.000 reais, segundo reportagem veiculada pela Folha de S. Paulo na quinta-feira. Um porta-voz dele disse que não há restrições em relação à participação de prefeitos em eventos promovidos por empresas.

Muitas das companhias que apoiam o prefeito fazem parte do Lide, incluindo a Philips, que instalou a nova iluminação na Ponte Estaiada.

Um dos anunciantes de suas revistas era o governo do Estado de São Paulo, comandado pelo padrinho Geraldo Alckmin, a quem Doria declarou apoio na corrida presidencial de 2018.

O Grupo EMS, controlado pelo magnata dos medicamentos genéricos Carlos Eduardo Sanchez, patrocinou eventos do Lide e comprou espaço para anúncio em suas revistas. O EMS participou de licitação durante a gestão Haddad pelo Anhembi, que Doria quer privatizar. O EMS informa que está estudando se participa da possível privatização.

Gari

Doria disse que o antídoto para potenciais conflitos de interesse é a "transparência absoluta" e promete abertura dos lances do processo de privatização.

Por ora, ele tem focado no embelezamento da cidade, começando pela pintura do escritório de assessoria de imprensa da prefeitura. Trocando os suéteres de cashmere que preferia antes de entrar para a política, ele liderou a limpeza vestido de gari e limpador de pichações, espetáculo que revoltou muitos moradores da periferia de São Paulo, que consideram o grafite uma forma de arte.

Luciano Menezes, presidente do edifício World Trade Center, que tem vista para a Ponte Estaiada, foi um dos executivos que apoiaram a limpeza do cartão postal da cidade. Para ele, as empresas aceitarão não levar nada em troca além de contribuir para a melhora da cidade, ou pelo menos de sua imagem.

"É um símbolo da cidade", disse Menezes. "Quando vendemos o Brasil, vendemos uma imagem, portanto os símbolos são importantes."