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Argentina vive nova situação de moratória 13 anos depois

31/07/2014 00h41

Mateo Sancho Cardiel.

Buenos Aires/Nova York, 30 jul (EFE).- A agência de qualificação Standard & Poor's rebaixou nesta quarta-feira a dívida da Argentina à categoria de moratória seletiva, mas o ministro da Economia do país, Axel Kicillof, disse que essa situação não é possível, já que existe solvência e garantiu que "amanhã será outro dia e o mundo continuará girando".

Apesar de hoje ser um dia chave para o futuro da Argentina, uma vez que foi anunciada a temida moratória (aplicável somente ao pagamento de US$ 539 milhões retido no Bank of New York Mellon) e que não havia acordo entre o país sul-americano e os fundos denominados "abutres", as versões sobre os efeitos dessa situação variaram de acordo com as partes.

Kicillof, após uma reunião, ofereceu uma entrevista coletiva na qual negou a moratória porque a situação da Argentina, que pagou a dívida, mas o dinheiro está retido em um banco por recomendação do juiz nova-iorquino Thomas Griesa, "essa situação não existe, porque é insólita, porque é incompreensível, porque é absolutamente nova".

"O dinheiro está aí, evidentemente. Se fosse um 'default' (moratória) não estaria", disse o ministro, pois a Argentina depositou US$ 1,031 bilhão aos credores da dívida reestruturada no dia 26 de junho, a tempo para não cair na falta de pagamento.

Acrescentou que "a Argentina teve uma dolorosa situação de 'default' (moratória) em 2001" e disse que o que acontece agora "não é relativo à solvência, nem à vontade da República Argentina de executar seus pagamentos".

Kicillof mostrou também sua intenção de continuar negociando, mas respeitando sempre os interesses dos argentinos e a lei de seu país, além das condições das reestruturações de 2005 e 2010.

Não descartou a comentada compra total da dívida por parte da Adeba (Associação de Bancos da Argentina) para desfazer essa confusão, mas assegurou que a associação não estava presente na reunião e que só ficou sabendo dessa opção através da imprensa.

No início da noite desta quarta-feira, essa possibilidade passou a ser especulada com força já que nenhum comunicado foi emitido pelos querelantes após a reunião, nem uma nova ordem do juiz Griesa.

"Pode haver uma solução entre privados. Podem aparecer soluções deste tipo", disse Kicillof, não sem antes ressaltar que, ao tratar com fundos de risco, "não se sabe se a solução tem algo a ver com o que acontece na mesa, ou algo que acontece fora dela e que lhes traz benefícios".

O ministro, que voltou à Argentina hoje mesmo, também acusou o juiz Griesa de "não resolver", de ter criado uma situação que ninguém sabe caracterizar, após formular o "quebra-cabeça jurídico" que desembocou na "moratória".

Kicillof disse "não entender a justiça americana", especificamente a redação da cláusula "pari passu", que bloqueia o pagamento a outros credores se o dinheiro também não for depositado aos "holdouts", que não aceitaram as reestruturações da dívida.

Essa condição provocou o empecilho do litígio, pois entra em conflito com outra cláusula, a "Rufo", que a Argentina assinou com os credores que aceitaram a reestruturação para protegê-los caso o país oferecesse melhores condições aos "holdouts" no futuro, como as que são pedidas pelos litigantes agora.

Mas, sobretudo, o culpou de ter mantido a decisão da medida cautelar, o "stay", nas mãos dos querelantes, uma decisão "polêmica e infeliz".

Também desacreditou as avaliações das agências de classificação ao perguntar: "Quem acredita nas agências de classificação a esta altura? Quem pensa que são imparciais do sistema financeiro?" e lembrou que elas mesmas foram incapazes de prever a moratória de 13 anos atrás.

O funcionário lembrou que "aqueles que emprestaram (dinheiro) à Argentina conseguiam taxas que não conseguiam em nenhum outro lugar. Por quê? Porque havia um risco e esse risco ocorreu. Também não entraram nesse negócio com uma atitude benevolente".

A pouca credibilidade que Kicillof deu à moratória seletiva, que a agência Standard & Poor's especificou que seria revisada "caso a Argentina saneasse o descumprimento do pagamento dos bônus reestruturados", contrastava com a veemência do mediador nomeado pelo juiz Griesa para costurar o acordo, Daniel Pollack.

"Uma moratória não é uma simples questão técnica, mas um fato real e doloroso que causará prejuízo às pessoas de carne e osso: aos argentinos em geral, aos credores que aceitaram a reestruturação da dívida e aos holdouts", afirmou Pollack.

O mediador disse que não é seu papel atribuir responsabilidades nem encontrar culpados e, após lembrar que tentou fazer com que a Argentina e os fundos chegassem a um acordo durante cinco semanas, voltou a se colocar à disposição das partes para buscar uma solução.

Mas também destacou que o que ficou "perfeitamente claro" para ele, ao longo de todo este processo de negociação, é que todas as partes eram obrigadas a respeitar as leis americanas.

"Os abutres e os especuladores sempre ganham. O povo sempre perde", concluiu Kicillof.