IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Moeda venezuelana perde valor asfixiada pela inflação

03/12/2016 10h04

Indira Guerrero.

Caracas, 3 dez (EFE).- Sobre o balcão de uma cafeteria no leste de Caracas, um homem, com total indiferença, deixa um maço com 200 notas de dez bolívares. A pilha de dinheiro para pagar dois cafés é mais um dos reflexos da alta inflação na Venezuela.

A gestão monetária do país é um complicado processo que defasou o conjunto de notas e moedas em circulação na Venezuela iniciado em 2008, somado a uma inflação acumulada até 2015 de 2.357,9%, segundo dados oficiais.

De acordo com o economista e professor universitário Luis Oliveros, entre janeiro de 2008, quando entrou em circulação o "bolívar forte", até outubro de 2016, houve um aumento de 6.000% da base monetária.

As novas notas emitidas durante o governo Hugo Chávez (1999-2013) eram parte de um processo de reconversão monetária que cortava três zeros do "bolívar", o que fazia de 1 "bolívar forte" o equivalente a 1000 bolívares.

No entanto, o número de notas é pequeno frente à inflação acumulada no país no último ano, que, de acordo com Oliveros, pode chegar a 400%, o que implicaria e, um Índice de Preços acumulado de 16.400% de 2008 até hoje.

Isso quer dizer que o que os venezuelanos podiam comprar há oito anos com uma nota de 100 bolívares requereria agora 16.000 bolívares, ou 16 notas de 100.

O próprio salário mínimo é uma mostra do atraso monetário em relação à inflação do país, imerso em uma crise profunda.

O salário mínimo, que em 2008 era de 700 bolívares e que podia ser pago com poucas notas, hoje é de 27.000 bolívares.

A Associação Bancária da Venezuela (ABV) anunciou há uma semana um "processo de introdução" de notas de maior denominação nas entidades bancárias do país para compensar a escassez de dinheiro registrada nos últimos dias.

"As limitações transitórias (...) são consequência do processo de introdução de uma nova gama de notas de maior denominação que tornou necessário aplicar medidas que permitam distribuir o efetivo disponível entre clientes e usuários até que sejam incorporadas as novas peças monetárias", informou a ABV em comunicado.

Enquanto isso, o problema gerou a escassez de notas em circulação e o racionamento diário de dinheiro por parte das instituições bancárias.

Nos bancos o limite de saque diário é de 10.000 bolívares (cerca de US$ 15 no câmbio oficial), divididos geralmente em notas de valor mais baixo.

Esta situação pode explicar por que o corpo do senhor Ramón Rodríguez passou de magro a obeso com uma só visita ao banco, após guardar em sua jaqueta 10.000 bolívares que retirou em notas de dez que não cabiam em seus bolsos.

Com essa quantia, Ramón só poderia comprar, talvez, umas 10 latas de refrigerante ou 15 pães.

Por outro lado, os caixas eletrônicos estão habilitados para fornecer até 8.000 bolívares por dia, menos de um terço do salário mínimo venezuelano, em várias transações de até 3.000 bolívares.

Este limite alterou a rotina de Yordalis Cabrer, que contou à Agência Efe que visita diariamente os caixas para tirar o limite até conseguir juntar dinheiro suficiente para viajar de Caracas ao interior do país antes do Natal.

Porém, retirar dinheiro nos caixas eletrônicos é tentar a sorte, pois só é possível acessá-lo após uma longa fila, além disso, é preciso torcer para o caixa não estar "fora de serviço", caso a pessoa da frete tenha retirado os últimos 3.000 bolívares.

Em Caracas, no populoso bairro de 23 de Enero, o senhor Miguel Velázquez, um colecionador de artigos usados de 74 anos, visita duas ou três vezes por semana o banco onde recebe a aposentadoria para retirá-la em pequenas partes e guardá-la em casa.

Seu medo é pegar um ônibus carregado de dinheiro e ser assaltado por aparentar levar uma fortuna.

"Na semana passada saquei 10.000 bolívares, e me deram cinco pacotes. Não sabia que fazer, andava olhando para os lados pensando que fossem me assaltar achando que carregava dois milhões de bolívares", contou Miguel.

Para Miguel, sacar dinheiro no caixa perto de sua casa quase não faz sentido, porque lá não poderia retirar mais de 600 bolívares por operação, em apenas duas vezes por dia.

"E para que me servem 1.200 bolívares?", se pergunta. "Para nada. Para sair do banco, comer uma arepa (torrada de milho), voltar a entrar e retirar o dinheiro da passagem para voltar amanhã".