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Aloysio de Andrade Faria, bilionário criador do Banco Real, morre aos 99 anos

1979: Aloysio de Andrade Faria (à dir.), banqueiro e empresário, com o também empresário José Ermírio de Moraes - Folhapress
1979: Aloysio de Andrade Faria (à dir.), banqueiro e empresário, com o também empresário José Ermírio de Moraes Imagem: Folhapress

16/09/2020 07h01

O banqueiro Aloysio de Andrade Faria morreu na manhã de ontem, 15, aos 99 anos, em sua fazenda em Jaguariúna, no interior de São Paulo. Até pouco tempo antes de a pandemia do coronavírus colocar o Brasil em quarentena, ele ainda dava expediente no Banco Alfa, na região da Avenida Paulista, pelo menos uma vez por semana, apesar de não exercer mais cargo executivo ou no conselho de administração do grupo que construiu.

Faria, que completaria 100 anos em novembro, era o banqueiro mais velho da lista da revista Forbes e o terceiro mais idoso entre todos os bilionários, com uma fortuna estimada em US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 9 bilhões).

Mineiro de Belo Horizonte e médico de formação, ele herdou aos 28 anos o banco que viria a ser o Real e teve uma vida marcada pela discrição. Em 1998, na época o quarto maior banco privado do Brasil, o Real foi vendido por US$ 2,1 bilhões ao holandês ABN Amro (posteriormente comprado pelo Santander).

Em 80 anos de vida empresarial, Faria construiu um conglomerado que engloba não apenas o banco Alfa, criado após a venda do Real, mas também uma dezena de empresas, como a rede de hotéis Transamérica, emissoras de rádio, a fabricante de água mineral Águas da Prata, a gigante de material de construção C&C, a sorveteria La Basque e a produtora de óleo de palma Agropalma. "Ordem sem progresso é inútil, progresso sem ordem é falso". Esta frase, estampada em placas nas empresas do banqueiro, era a sua filosofia de trabalho.

Contemporâneo de uma linhagem de banqueiros como Olavo Setubal (Itaú), Walther Moreira Salles (Unibanco) e Amador Aguiar (Bradesco), Faria sobreviveu a inúmeros presidentes e regimes de governo, ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central, pacotes e crises econômicas.

"O Brasil ficou menor. Perdeu hoje o grande brasileiro Aloysio Faria. Foi sempre um eficiente, silencioso e duro trabalhador pelo Brasil. Pensou sempre num sistema financeiro sofisticado e eficaz, com instrumento de um desenvolvimento seguro e mais equânime. Leva com ele aquela sabedoria que combinava o saber prático e um ideal de justiça", afirma o economista e ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto.

Vida pessoal

Nascido em Belo Horizonte, Faria veio de família rica. Seu avô era latifundiário no norte de Minas Gerais e criou-se na política, assim como seu pai, que decidiu fundar em 1924 o Banco da Lavoura de Minas Gerais, cuja regra era "emprestar pouco para muitos". Foi um banco que cresceu na política do "café com leite" do Brasil - quando o poder nacional era dividido entre as oligarquias mineira e paulista.

Em poucas décadas, a instituição se tornou o maior banco privado na América Latina. Inicialmente, Faria não pensava em seguir a carreira de banqueiro. Havia estudado medicina na UFMG e se especializado em gastroenterologia pela Universidade Northwestern, de Chicago. Com o morte do pai, em 1948, herdou, ao lado do irmão mais novo, Gilberto, o banco.

Em 1971, os dois irmãos cindiram o Banco da Lavoura. Aloysio ficou com os ativos que se tornaram o banco Real, e Gilberto, com o Banco Bandeirantes.

Avesso a manchetes, Aloysio nunca foi de frequentar rodas da high society. De tão discreto, foi apelidado de "banqueiro invisível" por Delfim Netto. O papel de aparecer nas colunas sociais cabia à esposa Cléa Dalva, com quem ficou casado por sete décadas, até a morte dela, três anos atrás. O banqueiro teve 5 filhas e 17 netos.

Tinha paixão por artes e cavalos. Nos anos 1960, Faria importou cavalos árabes dos EUA, ampliando a disseminação da raça no Brasil. Foi diretor do Museu de Arte Moderna de Belo Horizonte e do Museu de Arte de São Paulo. Sua esposa era colecionadora de esculturas e quadros e tinha obras originais de Portinari, Djanira e Maria Leontina. Nos últimos anos, Faria realizou doações milionárias para saúde e educação. Mesmo afastado da medicina, nunca deixou o assunto totalmente de lado.

Reações

O presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, lembrou o caráter visionário do banqueiro. "Em seus 100 anos de vida e trabalho, Aloysio Faria jamais buscou cultuar sua própria personalidade, preferindo valorizar as marcas que criava. (...) Amealhou admiradores e seguidores. Com tantos feitos, destacava, da vida, a importância da simplicidade", disse, em nota.

Na visão do presidente do Itaú Unibanco, Cândido Bracher, Faria foi um dos responsáveis "pela modernização do setor bancário no Brasil". "É um daqueles brasileiros que serão lembrados por terem dedicado sua vida a empreender, a construir algo relevante, o que fez com êxito em diferentes áreas."

"O Brasil perdeu hoje um dos seus grandes empreendedores. Vai fazer falta no agronegócio, no setor financeiro e no processo de internacionalização do Brasil. Dr. Aloysio Faria foi um dos pioneiros na internacionalização do País", afirma Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que trabalhou por 23 anos na Agropalma.

Executivos do grupo

Uma das características de Faria era o investimento de longo prazo nos talentos de seu conglomerado de empresas. O presidente do conselho de administração do grupo Alfa, Christophe Cadier, atuou ao lado do banqueiro ao longo dos últimos 27 anos. Ele foi convidado pelo próprio Faria no início deste ano para assumir seu atual cargo. "Dr. Aloysio tinha valores extremamente fortes em termos de ética, responsabilidade e confiança. Não é à toa que os executivos que estão no comando hoje são pessoas que trabalham com ele há décadas. Como empresário, era um visionário, um homem muito à frente de seu tempo", disse ele ao Estadão.

Para Fabio Amorosino, presidente do conglomerado financeiro Alfa, que também atua há duas décadas no grupo, ensinou a equipe a "fazer as coisas de maneira simples". "Ele sempre dizia que o ser humano tem a tendência de complicar as coisas e que cabe a cada um torná-las mais simples", lembra. "Além disso, deixa um exemplo de altruísmo, discrição, simplicidade e empreendedorismo."

Já Beny Fiterman, presidente das empresas não financeiras do conglomerado Alfa, conta que teve a oportunidade de trabalhar em diferentes empresas do grupo ao longo dos últimos 27 anos, tendo uma carreira variada dentro de um mesma holding. "Ele deixa um exemplo de perseverança, força de vontade, foco, valorização do trabalho e da capacitação da equipe. É uma grande inspiração para quem trabalhou diretamente com ele e também para os demais funcionários."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.