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Jacaré encontrado em sítio inspira empresária a criar animal em Maceió (AL)

Izabela Ferreira Alves

Do UOL, em São Paulo

09/03/2012 07h00

Contrariando todos os preconceitos ligados à fragilidade feminina, Maria Cristina Ruffo, de 59 anos, não tem medo de jacaré. Ela mantém um criatório, em Maceió (AL), que é o único no país credenciado a exportar a pele do animal, com registros comerciais nas esferas municipal, estadual, nacional e internacional. Pela iniciativa, a empreendedora venceu, ontem, o prêmio Mulher de Negócios do Sebrae, serviço de apoio à empresa, na categoria Pequenos Negócios.

Maria Helena Jeske, de 42 anos, dona da Imperatriz Doces Finos, em Pelotas (RS), que liderou um movimento na região que conseguiu registrar a marca Doces de Pelotas como uso exclusivo das confeiteiras da cidade, venceu  na categoria Negócios Coletivos.

Para atingir todo esse sucesso, Ruffo teve de estudar a fundo sobre a criação desses animais e é a prova de como determinados setores exigem do empreendedor, além de boas práticas de gestão, know how técnico e, até mesmo científico, na área em que se pretende atuar. 

Há 20 anos, ela nada entendia sobre jacarés-de-papo-amarelo, espécie que figurava na lista dos ameaçados de extinção, quando a oportunidade literalmente bateu à sua porta. Durante uma pescaria em seu sítio, num momento de lazer, foi surpreendida por três animais adultos presos à rede. “Nem sabia de qual espécie eram, mas me deu aquele estalo. Fui pesquisar.”

Com a ajuda das técnicas desenvolvidas de criação em cativeiro, o animal não corre mais risco de desaparecer do planeta. Embora a venda de peles de animais seja condenada por ambientalistas, Ruffo afirma que o negócio nunca sofreu resistência de movimentos contrários ao abate do jacaré na região.

No Brasil, havia muito pouca literatura sobre essa criação. Ainda assim, a empresária conseguiu fazer um primeiro plano de negócios, em 1994. O planejamento já atestava a viabilidade econômica da empreitada. Contudo, para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), não comprovava sua sustentabilidade ambiental.

“Decidi viajar para fora do país para me capacitar com quem entendia do assunto”, afirma Maria Cristina Ruffo.  Mas, mesmo tendo aprendido com instituições de pesquisa especializadas, a forma correta de manejo da criação, o licenciamento do Ibama para a emissão do primeiro registro comercial só foi expedido em 2002.

Independência

A mulher tem que ter coragem, acreditar em seu potencial e não cair nos obstáculos. Não pode desistir. Também acho que devemos esquecer que casamento é emprego. Ter uma atividade é muito importante para se preservar a independência

Para superar essa etapa, ela chegou a dormir ao relento, para filmar as fêmeas na postura dos ovos e garantir ter atingido os níveis de natalidade exigidos. “Na verdade, contribuímos para tirar o animal da extinção, mas foi difícil provar.”

Hoje, o criatório Mr. Krocco completa todo o ciclo de vida do animal. Desde o ovo, passando pelas fases de crescimento, engorda e reprodução, até o abate de parte da cria. No abatedouro, também registrado conforme todas as normas ambientais, os jacarés recebem uma injeção para não haver nenhum tipo de sofrimento.

Além de observar todas as obrigações previstas na legislação, a Mr. Krocco contribui para o desenvolvimento da pesquisa sobre a espécie e seus hábitos. Com frequência, Ruffo recebe estudantes de veterinária e compartilha com eles o conhecimento acumulado ao longo de mais de duas décadas de dedicação à empresa.

Graças ao seu criatório, um projeto científico da USP (Universidade de São Paulo) foi corrigido. Na pesquisa, a distribuição geográfica do animal não incluía certas áreas do Nordeste, tese refutada pela Mr. Krocco. “Para quem ia nas reuniões e escutava de muita gente ‘você não sabe nada’ é um grande salto.”

Vida pessoal e preconceito não fecharam portas

Para concretizar seu sonho, Maria Cristina Ruffo se superou em vários aspectos. Vinda de Santos, aportou na capital do Alagoas em um momento difícil. “Tinha sofrido um infarto do miocárdio e havia me separado há pouco tempo. Mudei à procura de descanso e de uma vida melhor, mas próxima das minhas três filhas”, afirma.

  • Beto Macário / UOL

    Maria Cristina Ruffo, de 59 anos, no seu criatório de jacaré-de-papo-amarelo, em Maceió (AL)

Ex-proprietária de uma empresa de informática, em São Paulo, ela recorda como o preconceito vinha de todos os lados. Por ser mulher, por não ser da região, por querer entrar em um nicho do agronegócio – área dominada por homens.

“Os homens eram os criadores e eu ‘a mulher do jacaré’. Com frequência, as próprias mulheres me perguntavam: ‘você ainda está insistindo nisso?’” Se não investisse do próprio bolso os recursos para abrir a empresa e conduzir as pesquisas, Ruffo garante
que não encontraria investidores, parceiros ou instituições que a apoiassem.

Mas a empresária não se prende ao passado. Pretende retomar a faculdade de medicina veterinária, iniciada e interrompida por causa do negócio. No momento, também está envolvida com a troca de expertise em curtume e pretende montar uma oficina-escola.

Em outra frente, dedica-se a incrementar as vendas de matrizes-reprodutores, bem como o trabalho de assessoria para elaboração de projetos e implantação de novos criatórios.