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Produção industrial da Argentina cai pelo 10º mês, e vendas desabam 8,3%

Alcadio Oña

Do Clarín

22/07/2014 15h17

Em maio, a produção industrial caiu 4,9% e há dez meses consecutivos vem ladeira abaixo. A construção caiu 4,4% e o PIB mostra taxas negativas durante dois trimestres seguidos. São dados do Indec (equivalente ao IBGE argentino).

Segundo a Came (Confederação Argentina da Média Empresa), uma entidade próxima ao governo, as vendas no comércio varejista  desmoronaram 8,3% em média e até os alimentos, normalmente imunes aos altos e baixos, entraram nessa queda.

Automóveis

Os fabricantes de carros acabam de acrescentar ao seu próprio rosário uma derrapagem de 40% nas vendas de junho.Já não se trata, então, de uma economia que esfriou, mas de uma recessão de verdade, e as recessões nunca surgem repentinamente.

É inútil buscar culpa fora do governo, mas, se alguém olhasse para fora, encontraria números piores que os do Indec. Diferentemente do IVA-Alfândega (o IVA é equivalente ao ICMS), que registra os movimentos do comércio exterior, o IVA-DGI costuma ser um bom termômetro sobre o andamento da economia.

Nem a vigorosa ajuda da inflação conseguiu impedir desta vez que em junho os ingressos do IVA-DGI crescessem apenas 22,1%, dez pontos percentuais a menos que o mais moderado dos índices de preços privados.

Assim como acontece cada vez que ocorrem coisas deste tipo, as consequências repercutem inevitavelmente para o mercado de trabalho. Se antes havia suspensões, agora há mais; cortar horas extras, eliminar turnos, não renovar contratos e lançar planos de demissão voluntária são receitas do momento.

Sobram os acordos para evitar demissões, consentidos por sindicatos que temem as organizações de base. Não tão visível, mas pelo menos igualmente inquietante, é o retrocesso sem pausas da produção de gás, que em seu percurso arrasta custos cada vez mais custosos para o Estado e provoca deslocamentos crescentes em toda a estrutura econômica.

YPF

Em abril, a produção de gás caiu 3,5% em relação ao mesmo mês no ano passado e 11,4% em comparação com abril de 2012, o momento da estatização da empresa petrolífera YPF.

O efeito direto é medido em importações de gás natural e liquefeito, caras e de tal volume que já representam mais de 30% do consumo interno e em alguns meses escalam até 50%.

Nada que seja desconhecido: a crise energética transformada em um enorme aspirador de divisas, ainda por cima, de divisas escassas.

Parte do mesmo quadro é a enxurrada de subsídios com que o governo evita que tamanha confusão termine nas tarifas residenciais. Nestes dias foram acrescentados 7,362 bilhões de pesos a uma conta onde esses gastos ficam registrados: no dia 29 de junho, mostrava nada menos que 34,186 bilhões de pesos, equivalentes a quase US$ 4,2 bilhões. E vai ter mais: mais pesos e mais divisas.

Certamente preocupada com o impacto político ou porque as boas oportunidades políticas são de outra época, Cristina Kirchner continua protelando um aumento na luz que poderia aliviar pelo menos um lado dessa mochila.

De atraso em atraso, a expectativa está colocada, ou estava colocada, em que o aumento fosse filtrado em meio aos ruídos da Copa, uma maneira de tentar ocultá-lo.

Em compensação, ela resolveu demitir de uma vez por todas o secretário de Energia, Daniel Cameron, embora o homem já não tivesse força alguma nas decisões sobre energia e várias vezes tivesse apresentado sua demissão.

Assim como o ministro do Planejamento, Julio de Vido, Cameron acompanhou o ex-presidente Néstor Kirchner, morto em 2010, desde os distantes tempos de Santa Cruz, seu reduto político na Patagônia, e compartilhou com eles informação surgida das entranhas do negócio do petróleo.

Mariana Matranga, uma especialista devota das regulações estatais que vem da YPF, passou a ocupar o lugar de Cameron. Por trás da nomeação aparece o avanço do ministro da Economia Axel Kicillof sobre toda a área econômica e fora da área econômica, mesmo não ficando claro quais são os benefícios que isso reporta à gestão da presidente.

Mas melhor não se iludir com a possibilidade de que a mudança vá tirar o país do pântano energético onde afundou durante a era kirchnerista. Entre outras razões, porque não é um caso de desajustes, mas uma crise estrutural e, além disso, porque faz tempo que o próprio Kicillof mexe no setor por decisão de Cristina.

Também não significa uma surpresa que as esperanças de uma melhoria econômica no segundo semestre tenham sido enterradas e, junto com elas, os prognósticos do ministro.

Quem podia esperar algo diferente de um coquetel onde convivem a queda do salário real, os preços em aumento, os temores relacionados ao emprego e, finalmente, a retração do consumo? É um ajuste clássico, intransferível e com a marca K.

Dentro da sua própria tempestade, o governo coloca fichas no gasto público, que agora cresce a 45% anuais e até deixa para trás a pior das estimativas inflacionárias. Melhor dizendo, põe as fichas que tira em grande quantidade das caixas da ANSeS (previdência social pública) e do Banco Central: nada menos que 22,719 bilhões de pesos no primeiro quadrimestre.

Recessão

A recessão já é real, e a única pergunta é quanto o PIB cairá neste ano. E tem outra que começam a cogitar em institutos privados: o risco de que avance em 2015. Fora do largo mundo da economia real existe um menor: o da especulação financeira, isso que Cristina chama em casos alheios a aposta. Nota-se nos bônus e no fenomenal rush de algumas ações.

Um acordo com os fundos abutres poderia melhorar o quadro econômico e mudar as expectativas, embora implique custos que dependem da capacidade negociadora do governo.

Mas é óbvio que só com isso não se arruma tudo o que foi desarrumado nestes anos, nem se sai incólume de outras ciladas, dentre as quais ganha de longe o escândalo do vice-presidente Amado Boudou.

Tudo se soma a uma conta já muito volumosa, que será paga por aqueles que vierem. É claro que antes, no caminho para 2015, o kirchnerismo também terá que pagar essa fatura.

(Texto originalmente publicado no site do “Clarín” em português)