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Feiras fazem cem anos em SP; feirante há 50 mamava e dormia em caixote

Mariana Bomfim

Do UOL, em São Paulo

26/12/2014 06h00

Em 2014, completaram-se cem anos que as feiras livres foram regularizadas em São Paulo, na gestão do prefeito Washington Luís. A primeira feira oficial foi a do Largo General Osório, no centro, e empregava 26 feirantes.

Hoje, a cidade tem 16.300 barracas em 880 feiras, segundo dados da prefeitura. A maior é a do parque Paulistano, na rua São Gonçalo do Rio das Pedras, com 224 bancas. A do Campo Belo tem 92.

O feirante Mário Yaguiu, 63, faz parte dessa história. Ela trabalha há cerca de 50 anos no ramo. Começou adolescente, mas frequenta o ambiente desde bebê. Mamava e dormia em caixas de verduras enquanto os pais trabalhavam.

Entre os 12.073 donos de barracas, os idosos são mais numerosos que os jovens. São 1.678 feirantes com 66 a 95 anos (13%) e 319 com até 25 anos (3%). A maioria deles, porém está em outra faixa de idade, de 36 a 65 anos (66%) e é homem (60%).

Feirante segue tradição familiar

Assim como seus sete irmãos, Yaguiu herdou o ofício do pai, que abriu sua primeira barraca em 1951, logo que veio com a família de Valparaíso, a 630 quilômetros da capital. As licenças para feirantes, concedidas pela prefeitura, podem ser transferidas para um herdeiro em caso de aposentadoria, invalidez ou morte.

O feirante conta que cresceu no meio do fuzuê ruidoso das feiras, com fregueses sendo disputados a gritos bem-humorados pelos feirantes. “Eu era amamentado lá, dormia em caixa de verdura”, diz. Adolescente, passou a ajudar a família no trabalho.

Enquanto ajeita pés de brócolis em pratinhos coloridos, Yaguiu lista sua sequência de tarefas cotidianas. Ele acorda às 2h, chega à feira por volta das 4h, onde fica até as 15h. Em seguida, vai à Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) comprar os produtos que venderá no dia seguinte.

Antes de dar o dia por encerrado, ainda limpa e organiza as verduras e os legumes e os deixa prontos para a venda. Por conta da restrição à circulação de caminhões na região da Ceagesp, vigente entre as 5h e as 21h, Yaguiu só chega em casa às 22h, indo logo para a cama.

“É uma vida muito dura, por isso eu não quis que meus filhos trabalhassem na feira”, diz. Mesmo se ele quisesse, Yaguiu conta que os dois filhos não se interessam pela atividade e, com isso, a tradição familiar não deve sobreviver por mais uma geração.

Barracas competem com supermercados

Além do trabalho penoso, pesa contra o ofício de feirante a dificuldade de resistir à concorrência com supermercados e hipermercados, em geral, mais baratos.

Dono de um restaurante italiano vizinho da feira no Campo Belo, Rodrigo Velloso, 43, diz que só compra lá produtos usados em pouco volume no estabelecimento. “Hoje, por exemplo, comprei agrião porque teve rabada no cardápio”, diz. “Mas não costumo frequentar a feira porque é tudo muito caro.”

O preço dos produtos na feira até cai ao longo do dia, mas a qualidade deles segue o mesmo caminho. Nem sempre, contudo, o motivo que atrai cerca de 3 milhões de fregueses às feiras de São Paulo é o preço.

Eva Gomes Nogueira, 53, frequenta a feira de Higienópolis, na rua Mato Grosso, toda sexta-feira, há 14 anos. “Fico muito sozinha em casa”, diz. “Quando venho pra cá, faço amizade e desabafo”, ela conta, depois de pagar R$ 5 por meia dúzia de ovos em uma barraca.

Yaguiu tem outra teoria para explicar a fidelidade de alguns fregueses e a importância das feiras livres para a cidade.

“Pergunta para qualquer médico o que você precisa comer. Ele vai dizer que são verduras, legumes e frutas”, diz. “O que a gente oferece é saúde para o freguês.”