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Gijo, 84, vende linguiça há mais de 60 anos e nem pensa em aposentadoria

Ricardo Marchesan (texto) e Reinaldo Canato (imagens)

Do UOL, em São Paulo

12/10/2016 06h00

O paulistano Luiz Tozzi, 84, cuida da pequena loja que leva seu apelido, Gijo, desde a inauguração, em 1955, há mais de 60 anos. O local começou como um açougue e depois se especializou em linguiças. Em sua longa história, nunca saiu do mesmo ponto, de cerca de 18 m², no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo.

Nascido na tradicional região do Bixiga, em São Paulo, filho de italiano e brasileira, Gijo é um senhor que tem muito orgulho de sua trajetória e de suas linguiças. Diz que acorda todos os dias às 5h, e chega no local por volta das 8h, onde fica até a hora de fechar, à noite (não tem horário fixo). Costuma ficar lá inclusive aos finais de semana.

Ele diz que nunca pagou a Previdência para ter direito à aposentadoria, e nem tem vontade de parar de trabalhar

Para ele, esse é um dos segredos da longevidade: "Trabalho, (boa) alimentação e não pagar o INSS para ficar jogando dominó", afirma.

Nunca paguei Previdência na minha vida, tomei tudo em cachaça. Foi a melhor coisa que fiz na vida.

Sobre a reforma da Previdência que o governo quer fazer, passando a idade mínima da aposentadoria para 65 anos, e que é um dos assuntos polêmicos do momento, Gijo diz não ter opinião. "Não acompanho essas coisas."

Um hábito que o comerciante diz ter é beber bastante. Diz, com orgulho, que, mesmo com a idade, toma seis doses de uísque por noite. Mas, além da bebida e da linguiça, ele tem outras paixões, como pesca no oceano, corrida de cavalos e dança. "Fui um dos grandes pés de valsa de São Paulo".

Loja foi presente do pai

A história de Gijo com vendas, especialmente de carne, começa algum tempo antes da inauguração da loja. Ele começou cedo no ramo, ajudando o pai no açougue da família quando tinha 7 anos.

"Eu fazia entrega de pacotinho de carne com meu pai e minha mãe em sacola de pano, não existia de plástico", conta. Naquele tempo, entre o final da década de 1930 e os primeiros anos da seguinte, o produto era racionado. "Era o tempo da guerra, tinha falta da carne."

Claro que, quando criança, ele apenas ajudava. Trabalhou de fato com o pai de 1949 a 1955, até receber como presente a loja que comanda atualmente. Na época, porém, era um açougue, não vendia apenas linguiças.

"Meu pai deu um dote para cada filho. Ele ficou aqui (na loja) durante dois meses e depois falou: 'Aqui é seu. Se fechar, a porta de casa também está fechada'", lembra.

Naquela época, Gijo fazia linguiças dos tipos toscana e calabresa depois que o açougue fechava, às 19h. A opção por largar a venda de outros tipos de carne aconteceu em 1960, por causa da concorrência com outros açougues, segundo ele.

Linguiça com queijo e vinho

Ele vende mais de 20 tipos de linguiça, criados por ele mesmo. São recheios variados, como pimenta, provolone, tomate seco, parmesão e vinho branco, além dos tipos mais tradicionais. "A receita é minha, tudo minha. Inclusive tenho registrado isso em cartório."

O segredo, ele afirma, não está só na receita. "O manuseio dela é dificílimo. Isso é mais difícil do que construir uma igreja. Se você não encher de acordo, entra ar, ela vai deteriorar", afirma. "Essa técnica nasceu comigo. Meu pai e minha mãe sabiam (fazer linguiça), mas eu incrementei mais."

Há mais de 30 anos, porém, o aumento da demanda fez com que Gijo deixasse de fazer as linguiças no local. Fechou uma parceria com um frigorífico, que faz suas receitas e, garante ele, segue suas técnicas.

Hoje ele diz que vende entre 1.200 e 1.600 quilos por mês.

A "melhor linguiça do mundo" (frase que está escrita no toldo da loja) não é nada acessível. É necessário desembolsar um bom dinheiro para degustá-la, já que o quilo custa em torno de R$ 50, dependendo do tipo.

Quem cuidará do legado?

O que deu fama ao local sempre foi o boca a boca, segundo Gijo, que afirma que nunca quis expandir o negócio. "Recebi diversas propostas, mas casa boa tem que ser uma só", afirma. "Isso enterra comigo. Eu não vou vender."

Apesar de ter duas filhas, além de netos e bisnetos, nenhum descendente de Gijo trabalha com ele hoje em dia, ou seguiu a mesma linha de trabalho. Alguém vai tocar a casa quando ele não estiver mais por aqui? Isso segue indefinido: "Fica na mão de Deus. Só Deus sabe", diz.

Certo é que, enquanto ele tiver forças, vai seguir atrás do balcão. "O dia em que eu parar, eu morro. Eu nasci para o trabalho."

Dono diz que papa provou e gostou

Dentre as inúmeras histórias que Gijo conta, a mais inusitada é a de que o então papa João Paulo 2º teria experimentado e aprovado a linguiça.

Ele diz que sua sogra trabalhava como professora do Colégio Santo Américo, em São Paulo. Em uma das visitas do papa ao Brasil, ela teria tido a oportunidade de cozinhar um macarrão para ele, e então usou a calabresa feita por Gijo no molho.

João Paulo 2º teria gostado tanto que quis saber quem fazia aquelas linguiças. A história virou um dos folclores que cercam o local.

Onde encontrar:

http://www.gijolinguica.com.br/