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Governo tinha indícios de esquema um ano e meio antes da Carne Fraca

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

22/03/2017 16h10

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tinha indícios da existência de um esquema de fraude na fiscalização de frigoríficos no Paraná desde outubro de 2015, um ano e cinco meses antes de a Polícia Federal deflagrar a Operação Carne Fraca.

A informação consta em um documento do próprio Ministério da Agricultura ao qual o UOL teve acesso.

O relatório em questão traz as conclusões de uma sindicância interna do ministério para apurar irregularidades denunciadas por Daniel Gouvêia Teixeira, pivô da Operação Carne Fraca. Foi Teixeira quem procurou a Polícia Federal com as informações que resultaram na operação deflagrada na semana passada.

Apesar dos indícios que constam do documento, alguns dos suspeitos de participar do esquema revelado pela PF foram mantidos em seus cargos pelo Ministério da Agricultura. Questionado sobre o assunto, o ministério disse que as informações às quais o UOL teve acesso deram origem a um processo administrativo disciplinar para apurar o caso, e que esse processo ainda está em tramitação, sob sigilo.

Da denúncia à sindicância, ministério levou 1 ano

Segundo a sindicância, Teixeira fez uma auditoria interna junto ao frigorífico Peccin Agroindustrial Ltda., em maio de 2014, e encontrou supostas irregularidades no processamento de carnes.

Em junho de 2014, após ter denunciado o esquema a seus superiores, ele foi afastado da fiscalização do frigorífico Peccin. A decisão foi da então chefe do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Paraná, Maria do Rócio Nascimento.

Um ano depois, em junho de 2015, o Ministério da Agricultura instaurou uma comissão de sindicância para apurar o caso --tanto as irregularidades apontadas por Teixeira quanto as circunstâncias do seu afastamento.

No dia 24 de setembro de 2015, uma ex-funcionária da Peccin Agroindustrial, Vanessa Letícia Charneski, prestou depoimento e disse que a ação de Teixeira junto à empresa incomodava o responsável pelo frigorífico, o empresário Adacir Antônio Peccin. Segundo a ex-funcionária, Maria do Rócio teria sido acionada pelo empresário para lidar com o caso.

"Relata a depoente [Vanessa] que o senhor Peccin chamou os funcionários e disse que daria um jeito de tirar o FFA [termo para fiscal] Daniel da fiscalização do SIF 2155 [código referente à Peccin Agroindustrial] e que a FFA Maria do Rocio teria ido a empresa com 2 outros homens e [...] reviram [reviraram] nossa sala e consumiram [sumiram] com os documentos. Posterior a esta situação, disseram que eu e Joyce [Igarashi Camilo, ex-funcionária da empresa] não precisávamos mudar as coisas como o Daniel pediu. A Joyce foi demitida e uma semana depois fui eu", diz um trecho do relatório da sindicância.

Mais de mil agentes da PF participaram na sexta-feira (17) da Operação Carne Fraca - Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Condeúdo - Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Condeúdo
Mais de mil agentes da PF participaram na sexta (17 de março) da Operação Carne Fraca
Imagem: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Condeúdo

Relatório pedia mais investigações

O relatório com as conclusões da sindicância do ministério, datado de 15 de outubro de 2015, afirma que havia indícios de que existia o esquema descrito por Daniel Gouvêia Teixeira.

"Por todo o exposto, esta comissão investigativa entende que existem indícios de que a fraude pode ter ocorrido, havendo suspeita de participação de servidores", diz um trecho do documento.

O relatório sugere a abertura de uma nova investigação interna para apurar, entre outros pontos, "a atitude da FFA [fiscal] Maria do Rocio em relação ao afastamento [de Daniel Gouvêia Teixeira] e o comprometimento da investigação" e as alegações de que teria tido reunião com a empresa "para o fim de dar um jeito na situação".

O relatório também sugeria que fossem apuradas as responsabilidades de Daniel Gonçalves Filho, então superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná. Ele é apontado pela PF como o chefe da quadrilha investigada pela Operação Carne Fraca.

Investigados mantiveram os cargos

Apesar das recomendações, Maria do Rócio Nascimento e Daniel Gonçalves Filho continuaram em seus cargos.

Daniel permaneceu como chefe da Superintendência Federal de Agricultura do Paraná (SFA-PR) até abril de 2016, quando foi afastado do cargo pela então ministra da Agricultura e hoje senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). Ele continuou no ministério.

Maria do Rócio, por sua vez, foi exonerada do cargo no dia 26 de julho de 2016 pelo secretário-executivo do ministério, Eumar Novacki. Porém, ela voltou ao cargo dez dias depois, após Novacki anular a portaria que ele mesmo havia assinado anteriormente. Maria do Rócio continuou comandando o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Paraná até 30 de novembro de 2016, quando foi dispensada da função, permanecendo no ministério.

Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Agricultura, Maria do Rócio foi exonerada por recomendação de uma comissão de sindicância do órgão, mas foi reconduzida ao cargo após uma determinação da consultoria jurídica do ministério.

Os dois só foram afastados do ministério na última sexta-feira (17), após a deflagração da Operação Carne Fraca. Tanto Maria do Rócio Nascimento, quanto Daniel Gonçalves Filho estão presos.

Material apreendido pela Polícia Federal na "Operação Carne Fraca" - Rodrigo Félix - 17.mar.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo - Rodrigo Félix - 17.mar.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo
Material apreendido pela Polícia Federal na Operação Carne Fraca
Imagem: Rodrigo Félix - 17.mar.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo

O que dizem o ministério, a Peccin e os investigados

A reportagem do UOL enviou um e-mail na última segunda-feira (20) ao Ministério da Agricultura solicitando um posicionamento sobre o relatório ao qual teve acesso e sobre os motivos que levaram o órgão a manter Maria do Rócio Nascimento e Daniel Gonçalves Filho em seus cargos, apesar de saber dos indícios da existência do esquema de fraudes no Paraná.

Na terça-feira (21), a reportagem foi informada pela assessoria de imprensa que essas perguntas haviam sido repassadas à área técnica e que não havia previsão de quando seriam respondidas. 

O ministério afirmou apenas que as informações às quais o UOL teve acesso deram origem a um processo administrativo disciplinar para apurar o caso, e que esse processo ainda está em tramitação, sob sigilo.

Em nota, publicada em seu site, a Peccin Agroindustrial disse ter "amplo interesse em contribuir com as investigações" e que está "inteiramente à disposição das autoridades policiais para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários". A nota diz, ainda, que a empresa está "confiante" de que os "órgãos competentes saberão discernir a efetiva veracidade dos fatos".

A reportagem do UOL ligou para os escritórios dos advogados que defendem Maria do Rócio Nascimento e Daniel Gonçalves Filho, nestas terça (21) e quarta-feira (22). Nas duas ocasiões, a reportagem foi informada de que os responsáveis pela defesa da dupla estavam em atividades externas e não poderiam atender às ligações. Até a publicação desta matéria, nenhum dos escritórios retornou o contato.