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Investigações revelam esquemas semelhantes à Carne Fraca em outros Estados

Guilherme Stutz/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Guilherme Stutz/Futura Press/Estadão Conteúdo

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

24/03/2017 04h00

O pagamento de propina e outras vantagens por frigoríficos a fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não se resumiu aos casos investigados no Paraná e revelados pela Operação Carne Fraca. Investigações realizadas pela Polícia Federal e pelo MPF (Ministério Público Federal) em Rondônia e em Brasília mostram que esquemas semelhantes operavam em outros Estados do país.

A Operação Carne Fraca, deflagrada na semana passada pela PF, revelou a existência de um esquema de pagamento de propina para a liberação da produção e venda de produtos fora dos padrões sanitários.

Apesar de ter sido anunciada como a maior operação de combate à corrupção da história da PF, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, disse que os casos apurados pela polícia são “fatos isolados”.

Material apreendido pela Polícia Federal na "Operação Carne Fraca" - Rodrigo Félix - 17.mar.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo - Rodrigo Félix - 17.mar.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo
Material apreendido pela Polícia Federal na Operação Carne Fraca
Imagem: Rodrigo Félix - 17.mar.2017/Futura Press/Estadão Conteúdo

Operação Abate: “irmã” mais nova da Carne Fraca

Em 2009, a PF de Rondônia deflagrou a Operação Abate. Tratava-se de uma investigação sobre o pagamento de propina por frigoríficos a fiscais do Ministério da Agricultura para que produtos fora das normas sanitárias pudessem ser comercializados, esquema semelhante ao encontrado pela Operação Carne Fraca.

A operação atingiu nove Estados e o Distrito Federal e culminou com a prisão da cúpula da SFA-RO (Superintendência Federal de Agricultura de Rondônia), mesmo órgão atingido pela Operação Carne Fraca no Paraná. 

Entre as irregularidades encontradas pela Operação Abate, estavam a emissão de laudos fraudulentos para beneficiar frigoríficos que pagariam propinas a fiscais da SFA-RO de forma “sistemática”. Entre as empresas investigadas estava a JBS, dona das marcas Friboi e Seara.

Ela foi acusada, entre outras coisas, de injetar água nas carnes comercializadas para aumentar o peso das mercadorias.

Em um comunicado divulgado à época, a JBS afirmou “não ter qualquer tipo de ligação a crimes associados” ao inquérito e disse que "contribuía com a Polícia Federal”.

O procurador que atuou no caso, Reginaldo Trindade, diz que, em 2009, já havia indícios de que o esquema ou o modus operandis descoberto em Rondônia era mais amplo.

“Naquela época, pelo que a gente coletou, já havia, sim, claros indícios de que a coisa era muito maior do que acontecia apenas em Rondônia”, diz. Segundo ele, havia evidências de que pessoas da administração central do ministério também estariam envolvidas.

A ação penal movida pelo MPF contra os suspeitos de integrar o esquema ainda tramita na Justiça Federal de Rondônia, mas quatro fiscais do Ministério da Agricultura apontados como os principais responsáveis pelo esquema foram demitidos do órgão por diversas irregularidades, entre elas, receber propina.

Consórcio de empresas pagava funcionária em ministério

Em 2012, o MPF do Distrito Federal moveu uma ação civil pública por improbidade administrativa contra cinco pessoas, entre elas três funcionários do Ministério da Agricultura e um aposentado da pasta. 

Segundo os procuradores, José Pinto Rocha, aposentado pelo ministério, representava empresas junto ao órgão e repassava dinheiro enviado por elas para pagar o salário de uma estagiária que trabalhava na seção de carnes do DIPOA (Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal).

Os pagamentos ocorreram entre abril e dezembro de 2002.

Os procuradores alegam que o fato de empresas pagarem por funcionários dentro da estrutura do ministério poderia beneficiá-las em processos que tramitam no órgão. 

De acordo com o MPF, o acordo para que empresas pagassem o salário da estagiária foi aprovado pelos chefes dela: Rui Eduardo Saldanha Vargas e Paulo Roberto André.

Rui Eduardo Saldanha Vargas e Paulo Roberto André foram punidos pelo Ministério da Agricultura em 2008 e 2012, respectivamente. Vargas foi demitido por se valer do cargo para obter vantagem para si ou para terceiros e por improbidade administrativa. Paulo Roberto teve a aposentadoria cassada por recebimento de propina, decisão que foi revertida posteriormente por decisão judicial.

A ação civil pública foi rejeitada pela Justiça Federal em primeira instância, mas o MPF recorreu da decisão e o caso ainda está em tramitação. 

Por telefone, Paulo Roberto André e José Pinto Rocha disseram não querer se pronunciar sobre o assunto.

Demitido em 2012, Rui Eduardo Saldanha Vargas ocupa, desde 2014, a vice-presidência da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

A entidade, por sua vez, representa os interesses de empresas do setor e tem como associadas algumas das empresas investigadas pela Operação Carne Fraca como a Jaguafrangos e a BRF Foods.

Por e-mail, Rui Eduardo disse que a Justiça Federal já deu uma sentença sobre a ação civil pública "ficando expressamente consignado" que ele não teve "qualquer participação" no caso. Ainda por e-mail, Rui Eduardo diz acreditar ser "improvável" que a decisão sobre o caso seja alterada em segunda instância. 

Sobre seu trabalho na ABPA, ele diz que a entidade atua "junto às várias esferas governamentais no Brasil e no exterior para defender, de forma legal, os interesses da avicultura e da suinocultura do país". 

Mais de mil agentes da PF participaram na sexta-feira (17) da Operação Carne Fraca - Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Condeúdo - Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Condeúdo
Mais de mil agentes da PF participaram na sexta (17 de março) da Operação Carne Fraca
Imagem: Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Estadão Condeúdo