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Lista de ministério omite suposta contaminação em granjas da BRF

Getty Images
Imagem: Getty Images

Thâmara Kaoru e Nivaldo Souza

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

24/03/2017 04h00Atualizada em 26/03/2017 08h58

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou uma lista com os motivos pelos quais as 21 empresas da Operação Carne Fraca estão sendo investigadas, mas não incluiu entre as suspeitas sobre a BRF (dona de Sadia e Perdigão) a hipótese de contaminação por salmonella em granjas e em um lote de carne barrado na Itália.

Segundo o documento disponibilizado pelo ministério em seu site, a BRF é investigada por corrupção, embaraço da fiscalização internacional e nacional, e tentativa de evitar a suspensão de exportação. A lista não cita o problema da bactéria.

Questionado pelo UOL, o ministério afirmou que a lista divulgada pelo órgão foi feita pela Polícia Federal. A PF, por sua vez, não respondeu até a publicação desta matéria. A BRF nega irregularidades (leia mais abaixo).

Diálogo mostra contaminação, segundo PF

Em diálogos interceptados pela Polícia Federal na investigação, funcionários da BRF demonstram preocupação com a contaminação pela bactéria salmonella em uma das unidades da empresa, em Mineiros (GO). (ouça os áudios aqui)

Em uma das gravações, um dos diretores da BRF fala sobre um alerta gerado após a contaminação ter sido identificada pelo Ministério da Agricultura, mas que não seria comunicado a Brasília por um dos responsáveis pela fiscalização. De acordo com ele, o fiscal disse que iria "matar no peito" a notificação e refazer a inspeção semanas depois, para que a empresa tivesse tempo de resolver o problema.

Em troca da "ajuda", o fiscal teria pedido contribuição financeira para campanhas, já que ele seria responsável por fazer caixa para o PDT naquela jurisdição. O executivo demonstra, ainda, preocupação com o alerta, que teria potencial para "fechar a fábrica para sempre".

Em outra gravação, uma funcionária liga para um dos acusados na investigação e diz que a BRF tem 74 granjas de frango e 75 de peru que não são registradas e, por isso, teriam que atender normas mais rígidas e passar por análises feitas em laboratórios oficiais do Ministério da Agricultura. Segundo o diálogo, granjas da empresa teriam contaminação por salmonella. 

"Qual o nosso problema aí? A gente tem incidência de salmonella", disse a funcionária. Ela, então, pede ajuda a outro funcionário para conseguir registrar essas granjas e evitar que precisem passar por análises externas. Com isso, a própria BRF certificaria a carne. "E cada análise que a gente faz é um risco que a gente tá [sic] correndo de dar um resultado que o lote inteiro não vai ser recebido", afirma.

Não fica claro se isso aconteceria nas 74 granjas de frango e nas 75 de peru. O juiz federal Marcos Josegrei da Silva, responsável pelos processos da Operação Carne Fraca, mencionou em decisão que só duas unidades da BRF estariam contaminadas --ele não informa quais.

O que diz a empresa: De acordo com a BRF, a conversa entre os funcionários "não revela nenhuma irregularidade, apenas o interesse dos funcionários em obter o cadastro das granjas". A empresa diz que a preocupação dos funcionários em relação aos testes está relacionada aos custos e à demora para obter informações.

Proibição de entrar na Itália

Em outra gravação que consta na investigação da PF, um diretor e um funcionário da BRF discutem estratégias para evitar que três contêineres cheguem à Itália, onde quatro cargas já haviam sido barradas por causa de contaminação por salmonella.

Em um documento anexado ao processo, a BRF pede autorização ao Ministério da Agricultura para redirecionar uma carga de 17.280 quilos de peitu de peru apimentado, que havia sido barrada na Holanda por detecção de salmonella, para o frigorífico Souza Ramos, de Colombo (PR). Essa carne seria usada na fabricação de produtos processados para venda no mercado interno --o que é permitido por lei (leia mais abaixo).

O que diz a empresa: A BRF afirmou que a legislação europeia permite níveis de bactéria do tipo salmonella Saint Paul na carne in natura (fresca) que entra na região "e, portanto, não justificaria a proibição de entrada na Itália".

Salmonella é aceita em carne crua de aves

De acordo com o professor da Unesp de Botucatu (SP) Roberto Roça, é comum a presença da salmonella em granjas e não há um limite estabelecido por lei. "As aves são reservatório de salmonella, mas a bactéria não faz mal para elas".

Em nota, o Ministério da Agricultura afirma que "a salmonela é uma bactéria comum no trato gastrintestinal dos animais" e que, no caso das aves, "é um problema mundial, para o qual não existem medidas efetivas de controle que possam eliminá-la da carne crua".

O órgão diz que faz o controle da presença de salmonella "seguindo padrões internacionais", desde as granjas até o produto final, e que, como há diferentes tipos de salmonella, são checadas aquelas que oferecem risco à saúde pública para ver se estão dentro de "um nível adequado de proteção ao consumidor".

Se for detectada a salmonella que causa risco à saúde, a lei prevê que a carne seja cozida para matar a bactéria, segundo o ministério. Portanto, essa carne pode ser cozida e usada na fabricação de outros produtos, mas não pode ser vendida crua. 

No caso da Salmonella sp., diz o ministério, como é muito difícil controlar sua presença na carne crua de aves, esse produto deve sempre ser vendido informando, no rótulo, os cuidados que o consumidor deve ter ao manusear e consumi-lo.

O que diz a empresa"Em relação à salmonella, cabe à empresa, em conjunto com as autoridades sanitárias competentes, a decisão do procedimento que deverá ser tomado previamente à comercialização sem oferecer risco ao consumidor", disse a companhia, em nota.

A BRF também rejeita a acusação de que poderia haver contaminação por salmonella em seus produtos finais, após o processamento da carne. Segundo a empresa, "existem cerca de 2.600 tipos da bactéria comum em produtos alimentícios de origem animal ou vegetal", mas a companhia afirma que "todos os tipos são facilmente eliminados com o cozimento adequado dos alimentos".

O que a salmonella causa?

De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde, órgão do Ministério da Saúde, a salmonella pode causar falta de apetite, náuseas, vômitos, diarreia, dores abdominais e febre. Segundo o dr. Eitan Berezin, infectologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, há também o risco de que a contaminação por salmonella evolua para uma infecção disseminada, que atinja diversos órgãos.

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