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Com Lacoste e Mont Blanc, Cuba socialista ganha primeiro shopping de luxo

Consumidora tira selfie em frente a uma loja do primeiro shopping de luxo de Cuba - Ramon Espinosa/AP Photo
Consumidora tira selfie em frente a uma loja do primeiro shopping de luxo de Cuba Imagem: Ramon Espinosa/AP Photo

Michael Weissenstein

Da Associated Press, em Havana

10/05/2017 13h38

HAVANA (AP) - As vendedoras da nova loja da L'Occitane en Provence em Havana ganham US$ 12,50 por mês. O perfume que vendem custa US$ 95,20 e o creme facial rejuvenescedor, US$ 162,40. A algumas portas dali, uma câmera Canon EOS sai por US$ 7.542,01. Um relógio Bulgari, por US$ 10.200.

No coração da capital de uma nação fundada sob os ideais da igualdade social, o braço comercial das Forças Armadas cubana transformou um prédio comercial centenário em um notável templo para o capitalismo.

Com as primeiras filiais cubanas de marcas como L'Occitane, Mont Blanc e Lacoste, o shopping Manzana de Gomez tornou-se um fenômeno sociocultural desde sua inauguração, há algumas semanas.

Alguns cubanos andam de olhos arregalados por seus corredores. Os mais velhos ficam chocados ao verem produtos que custam mais do que o salário de uma vida inteira pago pelo governo. Adolescentes e jovens tiram selfies para o Facebook em frente às vitrines. 

Com cinco andares, o shopping fica no Prado, a grande e arborizada avenida que divide o centro da cidade. Nos andares de cima funcionará um hotel cinco estrelas, que deve ser inaugurado no começo de junho, de propriedade da Gaviota, braço de turismo das Forças Armadas, e administrado pela cadeia suíça de luxo Kempinski.

No térreo, há lojas de marcas de luxo internacionais, bem como lojas cubanas vendendo produtos pouco conhecidos, mas caros, voltados para a pequena e crescente classe média de Cuba --como mini-xampu por US$ 6 e jogo de pratos por mais de US$ 100.

Fachada do shopping de luxo Manzana de Gomez, em Havana - Ramon Espinosa/AP Photo - Ramon Espinosa/AP Photo
Fachada do shopping de luxo Manzana de Gomez, em Havana, na Cuba
Imagem: Ramon Espinosa/AP Photo

A poucos quarteirões de distância, os cubanos da classe trabalhadora vivem em apartamentos caindo aos pedaços, em ruas entupidas de lixo. Com os salários pagos pelo governo corroídos por anos de estagnação e inflação, mal têm dinheiro para comer, quanto mais para reformas nas casas ou para comprar produtos de luxo.

"Isso dói porque eu não posso comprar nada", disse Rodolfo Hernandez Torres, 71, um mecânico aposentado  que vive com um salário de US$ 12,50 por mês. "Tem gente que pode vir aqui e comprar coisas, mas é talvez uma em 10 pessoas. A maior parte do país não tem dinheiro."

L'Occitane, Lacoste, Mont Blanc e as empresas cubanas não quiseram comentar.

Com a economia em recessão e a ajuda petrolífera venezuelana de longa data sob risco, o governo cubano parece estar dividido entre a necessidade de fazer reformas para o mercado e o medo da desigualdade social que poderia causar insatisfação popular e protestos políticos.

Com outros setores em declínio, a indústria de turismo de Cuba torna-se cada vez mais importante e está sob pressão para mudar a reputação de seus hotéis estatais, conhecidos por cobrar preços exorbitantes por quartos e comida muito abaixo dos padrões internacionais. O "Manzana de Gomez Kempinski" se impõe como o primeiro hotel cinco estrelas real de Cuba, e as lojas de marca em torno dele parecem projetadas para reforçar isso.

O hotel tem recebido comentários positivos, mas alguns turistas criticam o shopping de luxo ao seu redor. "Fiquei muito decepcionada", disse Jeannie Goldstein, que trabalha com marketing esportivo em Chicago (EUA) e terminou uma viagem de seis dias a Cuba, sua primeira, no sábado. "Vim aqui para fugir disso", disse ela. "Isso nos lembra muito: riqueza e EUA."

A avenida do Prado foi palco recente de uma exibição de consumismo exorbitante, patrocinada pelo Estado. Em maio passado, o governo fechou a avenida para um desfile particular da grife francesa Chanel, com um público que incluiu os atores Tilda Swinton e Vin Diesel e a modelo Gisele Bündchen.

O aluguel temporário de uma rua para uma corporação internacional que vende os conceitos de exclusividade e luxo gerou críticas generalizadas em Cuba. O ministro de Cultura de Cuba renunciou dois meses depois, sem esclarecer a razão para sua partida.

Muitos outros cubanos se dizem encantados com o desfile da Chanel e o shopping de luxo, dizendo que é um sinal de que o país sabe que seu futuro depende da abertura à riqueza externa.

"Essas lojas são para milionários. Atrair turistas com dinheiro --isso é desenvolvimento, capitalismo", disse Maritza Garcia, 55, que trabalha no escritório de uma companhia aérea. "Tudo o que é desenvolvimento é bom. Pouco a pouco, o país está se erguendo. Somos um país socialista, mas a economia tem que ser capitalista."