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Mãe solteira e filho lutam juntos contra desemprego: "Dá angústia"

Adriana Lima dribla desemprego com delivery de massas - Beto Macário/UOL
Adriana Lima dribla desemprego com delivery de massas Imagem: Beto Macário/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

09/09/2017 04h00

Há três meses, Adriana Lima, 42, viveu um dos piores momentos de sua vida. Demitida após 15 anos no ramo de loja de automóveis, ela se viu sem qualquer renda --já que não tinha carteira assinada no último emprego-- para pagar as contas, fazer a feira e pagar o aluguel em Maceió, onde mora.

Adriana foi demitida de uma empresa em que estava havia seis meses. Ela mora com os dois filhos: Jonnhy, 21, que também perdeu o emprego há nove meses, e Adryccia, universitária e que se dedica apenas aos estudos. Ela conta que se viu "sem chão" por não ter mais renda.

"Quando veio a triste notícia, o desemprego me desesperou, porque sou mãe solteira. Sempre trabalhei em ‘autocenter’ e sempre tive um bom salário para manter um bom padrão para meus filhos. Tinha uma graninha o mês todo", afirma.

Ao sair do emprego, Adriana conta que tinha cerca de R$ 700 de reserva. "Eu tinha que agir rápido, botar a cabeça para pensar porque estava em uma empresa sem carteira assinada, sem seguro-desemprego, sem fundo de garantia, essas coisas."

Adriana e filhos - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Adriana Lima (centro), com os filhos Jonnhy e Adryccia, que a ajudam na empreitada
Imagem: Beto Macário/UOL

Recusada para ser motorista do Uber

Adriana procurou um novo emprego por um mês, sem sucesso. Tentou também ser motorista pelo aplicativo Uber. Chegou a se cadastrar, mas foi recusada porque seu carro --modelo 2007-- é dois anos mais velho que o máximo aceito pela empresa.

Diante das negativas, o desespero foi crescendo na mesma medida em que as dívidas começavam a chegar.

"Eu sempre sonhei em ter meu próprio negócio. Ninguém sabia, mas Deus sabia; então foi preciso eu perder o emprego, para poder ter a atitude. Comecei a pensar: meus filhos amam minha lasanha, minhas massas, meus molhos, então logo me veio o desejo de trabalhar com massas", explica.

Para montar o empreendimento, era preciso comprar o material, mas ela não tinha o dinheiro. "Só estava com o dinheiro do aluguel do mês", conta. "Então comentei com minha mãe esse desejo. Mesmo sem condições, ela me deu R$ 280. Com o investimento, naquele mesmo mês comprei materiais, fiz as lasanhas, a divulgação na internet, panfletei em alguns lugares", completa.

Aos poucos, com ajuda dos filhos, os pedidos foram surgindo, e ela conseguiu dinheiro para pagar as contas e sustentar a casa. Agora, com o serviço já implementado, diz que não pensa mais em voltar a pedir emprego.

Especialista alerta: estudar o mercado antes de empreender

Segundo Enio Pinto, gerente de Atendimento Individual do Sebrae Nacional, o caso de Adriana é comum no país: de pessoas que empreendem por necessidade após o desemprego. Muitas vezes, a falta de informações eleva o risco do negócio.

"O que acontece com empreendedorismo no Brasil é que ele é marcado por muito amadorismo. O que a gente vê é que muitas pessoas não fazem um plano de negócios, não têm estudo de viabilidade de mercado, não tiram da cabeça e põem no papel antes de colocar na rua. E se deve fazer isso", conta.

Segundo análise de Pinto, em épocas de crise, o número de abertura de empresas cresce, ao mesmo tempo em que também aumentam os fechamentos. É a chamada mortalidade precoce das empresas.

"Uma pesquisa mostra claramente que o número de empresas aumenta bem significativamente no período de desemprego alto. Mas, entrando nos dados do Serasa, das juntas comerciais, o número de empresas dando baixas também aumenta muito", conta.

Para se proteger, o gerente afirma que é preciso se capacitar. Até pela internet, é possível acessar dados e conceitos de gestão gratuitamente em portais, como o do Sebrae, onde Adriana faz capacitação antes de abrir sua empresa. "Existem capacitações com bons enfoques, que orientam técnicas de gestão mínimas necessárias", diz Pinto. Outra coisa importante citada por ele é que o empreendedor deve se preocupar com as licenças governamentais necessárias e aspectos administrativos do negócio. No caso da área de alimentação, há alguns passos a serem seguidos.

"Por exemplo, o cara é um gourmet e resolver montar seu restaurante. E lá ele vai descobrir que vai passar muito mais tempo no escritório do que na cozinha. O que ele vai mais fazer é supervisionar essa cozinha, mas muitas vezes ele acredita que, para tocar um restaurante, precisa de entender de cozinha", explica.

"Tem dia que dá vontade de desistir de tudo"

"Trabalhei e trabalho muito. Muitas vezes vou dormir às 2h e acordo às 6h”, conta Adriana sobre a nova fase da sua vida.

“Não é fácil porque têm dias que dói todo meu corpo porque cozinho, lavo e ainda saio às 11h para entregar. A correria é muito grande, tem dia que dá vontade de desistir de tudo, mas vou enfrentar cansaço, dor, desânimo, humilhações, timidez.”

O filho dela, Jonnhy, que perdeu o emprego em uma copiadora há nove meses, também ajuda no negócio, assim como a irmã: "Os dois me ajudam em divulgação, para anotar pedidos, lavar louça", conta Adriana.

Jonnhy continua procurando emprego, mas esbarrando na falta de oportunidade. "Está muito difícil, ele já fez várias entrevistas, mas continua desempregado. Ele precisa de um emprego, porque ainda não tenho como tirar nem uma grana para eles. Ele é pai, e sem emprego e vendo o filho precisando [de coisas] o deixa extremamente angustiado", afirma.

Adriana ainda deixa um recado a quem perdeu o emprego: "Desemprego é uma realidade em nosso país neste momento, mas não podemos nos acomodar, murmurar e baixar a cabeça. Pode faltar emprego, mas sempre tem trabalho, criatividade, determinação, garra, coragem e fé, não é?”.

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