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Família desempregada equilibra contas com bolo e bala vendidos nas ruas

Fabrício Oliveira Soares, 19, vendedor ambulante em semáforo de São Paulo - Simon Plestenjak/UOL
Fabrício Oliveira Soares, 19, vendedor ambulante em semáforo de São Paulo Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

16/10/2017 04h00

Um mês e meio depois do primeiro contato no semáforo, ele tomou coragem e entregou seu currículo à “madame” que dirigia um carrão. Percebeu que a janela estava sempre aberta e puxou conversa, conta Fabrício Oliveira Soares, 19, vendedor de balas em um cruzamento de São Paulo.

“Ela passa todo dia no mesmo horário. Vi que ela era uma pessoa gente boa e aí perguntei: ‘Você trabalha do quê?’. E ela respondeu que tralhava em um escritório de advocacia. Expliquei para ela que eu queria arrumar um emprego, que não queria passar o resto da vida vendendo bala. E ela falou que ia tentar me ajudar”, diz.

No dia seguinte, Soares levou o currículo com seus dados e agora está torcendo por uma resposta. “Eu disse que não tinha escolaridade completa, mas, se ela pudesse me mostrar o que fazer, eu voltaria para a escola para aprender."

Criado no Capão Redondo (região sudoeste de São Paulo), estudou até a oitava série, quando parou para trabalhar: foi cobrador em vans de transporte coletivo. Ele procurou outros empregos neste ano e chegou a fazer entrevistas, mas ainda não foi chamado. Ele diz que tentou vagas de atendente, balconista, faxineiro, cobrador de ônibus, ajudante de mecânico... 

"Quando eu procurava trabalho, a resposta era que a vaga estava muito disputada, que estavam fazendo seleção das pessoas. Uma empresa me ligou para eu trabalhar registrado como ajudante de pedreiro, fiz a entrevista de emprego, mas me falaram que me ligariam. Até hoje, não me ligaram...”, ele diz.

Há quatro meses, ele vende balas em um farol no Jardim América, bairro de classe alta em São Paulo, onde as ruas são ladeadas por mansões. Casado com uma jovem também de 19 anos, que vende bolos em uma calçada no Butantã (zona oeste), ele pediu uma força para o sogro, que trabalha como ambulante há pelo menos 15 anos. Tanto o sogro como o casal moram em Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.

O sogro e a mulher do rapaz não quiseram conversar com a reportagem. Segundo ela, uma vez que a reportagem fosse publicada, os fiscais poderiam aparecer para recolher as mercadorias no local onde vende bolo e café da manhã, como já aconteceu antes.

Fabrício Oliveira Soares, 19, vendedor ambulante em semáforo de São Paulo - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
O tempo para fazer a venda é de 1 minuto e 30 segundos, enquanto o farol fica fechado
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"Aqui é como se fosse emprego registrado"

Soares foi aceito pelos outros seis ou sete vendedores no cruzamento onde foi apresentado pelo sogro, que vende brinquedos que fazem bolhas de sabão, e investiu R$ 80 em balas para começar. Comprou os doces e os saquinhos plásticos que ele pendura nos retrovisores. Ele fica das 7h às 17h na rua, de segunda a sexta-feira, e hoje chega a vender 16 caixas de balas por semana. Os saquinhos que ele monta contêm balas variadas e uma caixinha de goma de hortelã. 

“Aqui é como se fosse um emprego registrado. A gente vem nos dias certos e no horário certo. Você tem sua responsabilidade, não é só porque trabalha na rua. Para o motorista ver que você está se esforçando, ver que você quer trabalhar e, se achar que deve te ajudar, te dar uma oportunidade.”

No antigo emprego, em que era cobrador, o salário era de R$ 1.200 e ele se sentia desrespeitado porque fazia muitas horas extras sem receber por elas. Saiu, segundo conta, porque a empresa exigia que ele trabalhasse de duas a três horas a mais por dia, sem, entretanto, pagar hora extra. Na rua, diz que tem conseguido mais ou menos a mesma renda.

Fabrício Oliveira Soares, 19, vendedor ambulante em semáforo de São Paulo - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Fabrício cobra R$ 2 por um pacotinho de balas
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

“Me dei mal logo no primeiro dia”

Na balança entre gostos e desgostos por estar na rua, Fabrício diz que a primeira dificuldade foi a dor física. Acostumado a passar horas sentado quando trabalhava como cobrador, ele conta que sentiu muitas dores no começo.

“O primeiro dia aqui foi bem dolorido, não vou mentir para você. Meus pés ficaram inchados”, conta. “Teve uma vez que o carro passou em cima do meu pé. Eu fui me agachar para pegar a bala que tinha caído no chão e o motorista não me viu. Passou bem pela ponta do meu pé. Inchou, não conseguia pisar.”

A maioria dos clientes trata os vendedores com indiferença ou com simpatia, na sua opinião, mas os poucos que o desrespeitaram deixaram uma forte mágoa.

Um caso foi testemunhado por sua mulher, que estava sentada em uma cadeira na calçada, ajudando a encher os saquinhos com balas, enquanto ele corria entre os veículos. “Ela ouviu uma mulher dizendo para outra pessoa dentro do carro: 'Eu não gosto que esses baleiros ponham bala no meu retrovisor, eu tenho nojo'. Só que eu não entendi se ela tinha nojo das balas ou da minha cor. Ela era branca, muito branca.”

Fabrício Oliveira Soares, 19, vendedor ambulante em semáforo de São Paulo - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Uma cadeira na calçada serve de ponto de descanso
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"Me sentiria mal se estivesse envergonhando meus pais"

Os pais de Soares tiveram sete filhos, ele é o segundo mais velho. A mãe trabalhou como operadora de caixa e hoje está sem emprego. O pai é motorista de ônibus. Quando decidiu ganhar dinheiro na rua, ele diz ter notado que a mãe não aprovou a ideia. Segundo Soares, ela ficou preocupada com as condições de trabalho, com os riscos à saúde, já que ele tem pressão baixa e poderia desmaiar trabalhando de pé sob o sol o dia inteiro.

“Eu me sentiria mal se eu estivesse trabalhando numa biqueira [ponto de venda de drogas], envergonhando meus pais, tomando tapa na cara de polícia. Isso eu não aceito. Nunca tomei tapa na cara da minha mãe, eu vou tomar tapa na cara de polícia?”, diz. “Não é um desgosto o que eu quero dar para a minha mãe. Prefiro trabalhar aqui, enfrentando um sol de 40 graus, do que estar lá [no crime].”

O jovem afirma que planeja seguir a carreira do pai, como motorista de ônibus, mas precisa esperar até completar 21 anos de idade para tirar a habilitação especial.

“Eu vou aguentar aqui, se não arrumar emprego em outro lugar, mais um ou dois anos. E vou continuar pagando o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Pago desde os 17 anos, mas não sei se um dia vou ter essa honra de me aposentar. Um dia, quem sabe? Ou se vou morrer trabalhando para não morrer de fome.”

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