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Corrente do bem, listão e vaga no zap: ideias de quem ajuda desempregados

Fernando, Bárbara e Marcos usam e-mail e redes sociais para ajudar desempregados - Arte/UOL
Fernando, Bárbara e Marcos usam e-mail e redes sociais para ajudar desempregados Imagem: Arte/UOL

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

21/11/2017 04h00

“Meus amigos me chamam de ‘a louca das vagas’”, diz a jornalista Bárbara Monteiro, 28, que trabalha com marketing digital e análise de mídias sociais em uma agência de publicidade, em São Paulo. A brincadeira tem a ver com um hábito que ela desenvolveu: compartilhar oportunidades de emprego pela internet.

“Eu faço isso para ajudar mesmo, porque não me custa nada. Estou sempre de olho, faço parte de um monte de ‘mailings’”, diz.

Bárbara Monteiro, jornalista, faz "listões" de vagas em grupos nas redes sociais para ajudar desempregados - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Bárbara Monteiro faz "listões" de vagas
Imagem: arquivo pessoal

Desde 2015, a jornalista posta seus “listões” nas redes sociais -- de uma a duas vezes por mês --, com ao menos dez vagas.
 
Tudo começou quando ela percebeu que não ia ser fácil conseguir o próprio emprego.
 
No fim de 2014, após uma temporada de quase um ano em Londres, onde foi estudar para melhorar o currículo, ela retornou ao Brasil e diz ter "tomado um susto" com a situação que encontrou.
 
"Estava muito difícil encontrar trabalho fixo e eu não conseguia me estabelecer.”
 

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Monteiro passou, então, a buscar ajuda em vários grupos no Facebook. Conheceu muita gente, foram aparecendo “frilas” (trabalhos temporários), até que surgiu um emprego formal. Acostumada a fazer uma varredura de vagas na internet, ela já encaminhava para alguns amigos e conhecidos as que não se encaixavam em seu perfil, e aí resolveu tornar isso algo maior: hoje, de sete a dez grupos dos quais ela faz parte recebem seus “listões”.

“É quando sobra tempo que eu organizo isso. Às vezes na hora do almoço, em casa, no fim de semana. Já recebi muita mensagem das pessoas agradecendo pelos posts.”

“Me perguntam por que eu não cobro por isso”

Com fama de organizado desde a época da faculdade, o administrador de empresas Fernando Santos Filho, 36, sempre foi procurado pelos conhecidos que precisavam de emprego. 

Fernando Santos Filho, administrador de empresas, organiza um banco de 4.000 currículos - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Fernando Santos Filho envia currículos a 5.000 contatos de empresas
Imagem: arquivo pessoal

“Toda vez que eu participava de feiras e eventos trocava cartões de visita e guardava os que eu recebia. Mantenho a minha base de dados bem organizada desde que me formei, em 2004. Quando alguém precisava de trabalho e me procurava, eu divulgava o currículo da pessoa para esses contatos”, conta.

O que teve início como um favor aos mais próximos se transformou em uma “corrente do bem”, como gosta de chamar.

“Comecei por volta de 2013, quando eu tinha 85 currículos guardados comigo. Em 2014, recebi mais 276, dando um total de 361 currículos armazenados naquele ano. E isso era bem pouca coisa, perto do que eu tenho hoje.”

Em 2017, seu banco de documentos vai fechar o ano com ao menos 4.000 currículos armazenados.

“Algumas pessoas que eu ajudei devem ter repassado para outras que eu fazia isso, e aí eu comecei a receber e-mails também de recrutadores, de agências de emprego e até de head hunters. Eles me disponibilizaram as listas de e-mails deles, do pessoal de Recursos Humanos”, ele afirma, “para eu enviar a essas pessoas os candidatos que eu tinha”.

Nos últimos cinco anos, Santos conseguiu reunir cerca de 5.000 contatos de potenciais contratadores. “A maioria é de empresas em São Paulo, mas tem gente no Brasil inteiro, de setores variados”, diz.

“Tem gente que até me fala: 'Por que você não cobra para mandar os currículos, pelo menos dos recrutadores?'. Eu não consigo cobrar. As pessoas estão precisando de trabalho.”

Para quem quiser enviar o currículo ou um contato de recrutador, o e-mail é este: pofernando@gmail.com

Dez contas de e-mail e “alívio” por conseguir uma vaga

Morador de Guarulhos, Santos trabalha como gerente em uma transportadora. Além disso, tem uma empresa de consultoria empresarial, e a rotina é pesada: ele acorda às 5h30 todos os dias e só volta para a cama entre 1h30 ou 2h da madrugada. Somente no fim de semana é que ele consegue cuidar dos currículos, usando até três horas de sua folga.

“O tempo maior é para salvar os currículos, porque guardo com o nome da pessoa, o cargo e a cidade onde ela está. Eu monto uma planilha e mando para a lista de recrutadores, com todos os currículos anexados no e-mail, para facilitar. Em um fim de semana eu mando a 'corrente', e nos outros eu faço a manutenção, para verificar se, depois que eu enviei, chegou algum novo currículo”, diz.

Para isso, ele precisa usar dez contas de correio eletrônico, já que o serviço do Google, gratuito, permite enviar a mensagem para um máximo de 500 endereços por vez.

“Para mim, o trabalho é o alicerce de uma pessoa. Sem trabalho, a pessoa perde o rumo. Eu recebo relatos de pais de família sem emprego há quase um ano, com três filhos. Não consigo ficar sem mandar os e-mails."

O pessoal que me manda o currículo deposita uma confiança ali para poder receber uma ajuda. Eu me sinto na obrigação de fazer isso

Fernando Santos Filho, administrador de empresas

Com frequência, ele recebe retornos das pessoas que conseguiram trabalho por meio de sua “corrente do bem”, mas só a partir do ano passado Santos começou a contabilizar essas vitórias. Até aqui, pelo menos 11 foram a entrevistas ou chegaram a ser contratadas.

“Quando eu recebo o retorno de alguém que conseguiu trabalho, a pessoa aliviada por ter conseguido, não tem dinheiro que pague isso. É uma sensação muito bacana”, afirma.

“Se a gente tem oportunidade de fazer alguma coisa por alguém, a gente não pode perder essa oportunidade. Quando me perguntam: 'Como é que eu posso te pagar?', eu respondo: 'Quando alguém precisar de ajuda, você ajude!'."

“Sem o ‘zap’, eu não teria conseguido meu emprego”

Experiente na área de gestão em negócios, o mineiro Felipe Gomes Ribeiro Passos, 40, morava havia dois anos no Maranhão quando ficou sem trabalho. O projeto do qual fazia parte chegou ao fim, e ele até tentou outros empregos em São Luís, mas só encontrou portas fechadas. Em março de 2017, voltou para Belo Horizonte e, sem salário, teve de se hospedar na casa da mãe. “Você fica sem dinheiro para pagar um aluguel, eu me senti um inútil...”, lamenta.

O mineiro Felipe Passos, que conseguiu emprego com ajuda de um grupo de vagas no WhatsApp - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Felipe Passos conseguiu emprego em Brasília por meio de um grupo de vagas
Imagem: arquivo pessoal

Diariamente, Passos entrava em sites de empresas, procurando anúncios, entregava currículos, pedia indicação de amigos, mas nada dava certo. “O mercado estava muito difícil. Até meados de junho, julho, estava bem difícil, não tinha oportunidade."

No começo do segundo semestre, o administrador de empresas ficou sabendo pela irmã de um grupo de vagas no WhatsApp. Começou a fazer parte e recebia cerca de 50 recomendações por dia, de todos os tipos. Até que apareceu uma chance.

“Eu recebi três oportunidades que tinham o meu perfil. Entrei em contato com as empresas, fiz o cadastro do meu currículo e entrei no processo seletivo. Acabei deixando um deles de lado, porque os outros dois eram melhores”, conta.

Hoje moro em Brasília, com a vaga que tinha o salário melhor, de consultor, e na área de que eu mais gosto, que é de planejamento estratégico e gerenciamento de projetos

Felipe Gomes Ribeiro Passos, consultor administrativo

Assim que conseguiu o emprego, em setembro, Passos saiu do grupo e liberou seu lugar para outras pessoas. É que o serviço de mensagens tem um limite de até 256 integrantes por grupo. Ele ainda indicou o “serviço” a outros cinco amigos, e pelo menos três deles fazem parte.

“Estar neste grupo foi essencial para eu conseguir meu emprego, porque não é toda hora que você encontra vagas disponíveis”, ele elogia a iniciativa. “Sozinho, eu não ficaria sabendo dessa vaga, provavelmente ela ficaria fora do meu radar.”

Boa ação que virou oportunidade de negócio

Atuante no Linkedin, o paranaense Marcos Amancio, 33, viu uma boa ação se transformar em uma possibilidade de empreender. Funcionário público na Prefeitura de Maringá, em agosto deste ano ele criou uma comunidade na rede social para aqueles “em busca de recolocação profissional”. Em poucos dias, o grupo tinha mais de 200 inscritos.

Marcos Amancio, paranaense, criou comunidades no Linkedin e no Facebook para ajudar desempregados - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Marcos Amancio criou comunidades sociais, usadas por candidatos e empresas
Imagem: arquivo pessoal

“Comecei por curiosidade, mas gerou tanta repercussão que me veio a ideia de fazer alguma coisa a mais”, afirma.

Além do Linkedin, com 668 integrantes, Amancio usa o Facebook para postar vagas de emprego – são 520 seguidores -- e um site gratuito, na plataforma Wordpress, com 150 visualizações por dia.

“Busco vagas em sites de emprego que já existem e coloco nas páginas. Algumas empresas têm vindo postar no site. Deixo um campo para as pessoas se cadastrarem e assim responderem, com os currículos que elas mesmas fazem. É como se fosse um mural”, explica, já que não existe mediação entre candidato e contratante.

Com a participação voluntária de uma psicóloga e de uma "coach" (orientadora), Amancio organizou um workshop gratuito sobre preparação de currículo e como se portar em uma entrevista de emprego. O interesse dos participantes o motivou a investir em um site comercial, que virou um projeto para 2018.

“Para os candidatos, o acesso vai continuar de graça, mas a ideia é cobrar uma taxa das empresas que quiserem oferecer vagas”, afirma. “Para mim, foi bastante satisfatório ajudar e ter pessoas me agradecendo. Isso me motivou a dar outros passos, o que nem era minha intenção. Uma iniciativa social talvez se transforme em um novo rumo profissional.”