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Bancos digitais são seguros? Veja o que dizem os especialistas

Téo Takar

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/05/2018 04h00

O mundo das empresas de tecnologia financeira, as fintechs, sofreu um susto na sexta-feira (4), diante das notícias de que o Banco Central determinou a liquidação extrajudicial do banco comercial Neon, parceiro da fintech de mesmo nome, e de que o Banco Inter sofreu uma tentativa de ataque por hackers.

Os dois episódios, embora não estejam relacionados, podem afetar a imagem dos chamados “bancos digitais”, instituições que não possuem agências físicas e que oferecem serviços como cartões, pagamentos de contas e transferências por meio de aplicativos no celular e sites na internet.

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Os bancos digitais vinham despertando o interesse dos consumidores nos últimos anos como alternativa aos bancos tradicionais. Eles surgiram com a proposta de oferecer aos clientes serviços mais práticos, eficientes e, principalmente, com baixo custo, para fazer frente às tarifas salgadas cobradas pelas grandes instituições.

Porém, depois dos problemas apresentados por Inter e Neon, muitos clientes devem estar se perguntando: é seguro abrir uma conta e manter dinheiro em um banco que só existe na internet? Veja a seguir opiniões de especialistas.

Problemas diferentes com impactos parecidos

Os bancos Neon e Inter apresentaram problemas no mesmo dia. Foi uma infeliz coincidência, mas os casos são distintos e não têm nenhuma relação entre si.

No Inter, tudo indica que houve falha na segurança tecnológica. Segundo o banco, o vazamento de informações relevantes dos clientes não chegou a acontecer, apesar da tentativa de invasão dos sistemas por hackers.

Já no Neon, o problema seria a má gestão do banco que dava suporte à fintech responsável pelas contas digitais. A gravidade da situação financeira da instituição levou o Banco Central a determinar a liquidação extrajudicial do banco. Essa medida é equivalente a decretar a falência de uma empresa.

Banco precisa de credibilidade para não quebrar

Ambas situações são graves para qualquer tipo de empresa, provocando danos à sua imagem. Para um banco, o prejuízo pode ser ainda maior: a perda da credibilidade junto aos clientes, o que gera onda de saques e pode forçar o fechamento da instituição.

“A situação fica ainda pior quando você lembra que a [fintech] Neon acabou de fazer uma captação de R$ 72 milhões no mercado financeiro. Imagina como estão se sentindo esses investidores? Compraram uma ideia, uma proposta. De repente, já não é mais aquilo. Não se sabe como a fintech vai ficar agora. Inclusive isso pode prejudicar outras fintechs que precisem recorrer ao mercado para levantar recursos”, afirma Ricardo Rocha, professor do Insper.

No caso do banco Neon, o Banco Central se adiantou a uma possível onda de “fofocas” sobre a quebra do banco e determinou sua liquidação, para que o ressarcimento aos clientes ocorra de forma organizada. Os correntistas do banco comercial – que não são os mesmos do banco digital– receberão o dinheiro de volta. Os recursos virão do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

A fintech Neon Pagamentos –responsável pelo banco digital– continua funcionando, embora clientes tenham relatado dificuldades para usar o aplicativo na sexta-feira. Como a Neon Pagamentos não fazia parte do banco Neon –apenas os nomes são iguais e diretores do banco possuíam participação minoritária na fintech–, ela deverá buscar um novo banco parceiro para continuar operando.

Ataque ao Inter acontece dias após estreia na Bolsa

É difícil provar que haja relação entre algumas coincidências, mas é impossível ignorá-las. A tentativa de ataque cibernético contra o banco Inter aconteceu na mesma semana em que a instituição lançou suas ações na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.

Segundo o site Tecmundo hackers teriam obtido dados de mais de 300 mil clientes e extorquido o banco para não vazar as informações na internet. A instituição negou que tenha ocorrido vazamento. As ações caíram 6% na sexta-feira.O Banco Inter fez uma intensa campanha nos últimos meses para conquistar clientes, oferecendo conta digital e cartão de crédito totalmente gratuitos e sem limite de uso.

Regras na internet ficarão mais rígidas até 2019

Outra coincidência é que o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou no fim de abril novas regras de segurança para os bancos operarem na internet.

A Resolução 4658 determina que as instituições tenham uma “política de segurança cibernética”, definindo “requisitos para a contratação de serviços de processamento e armazenamento de dados e de computação em nuvem”.

O CMN cita a “crescente utilização de meios eletrônicos e de inovações tecnológicas no setor financeiro, o que requer que as instituições tenham controles e sistemas cada vez mais robustos, especialmente quanto à resiliência a ataques cibernéticos”.

As instituições terão até 6 maio de 2019 para se adaptar à nova regra. “Talvez, se essa regra já estivesse em vigor, o problema no banco Inter não tivesse acontecido”, diz o advogado Fábio Braga, sócio da área bancária do escritório Demarest.

Regras de fintechs e bancos são diferentes

Tanto os bancos tradicionais como as fintechs que oferecem contas digitais, cartões de crédito, empréstimos e outros serviços financeiros estão sujeitos à fiscalização do Banco Central (BC). Porém, o nível de exigência imposto aos bancos é bem maior do que às empresas de tecnologia financeira.

“A régua do BC para os bancos é mais alta. E é natural que seja assim porque o impacto da eventual quebra de um grande banco, como Itaú ou Bradesco, dentro do sistema financeiro nacional seria muito maior do que o de uma fintech. O Neon, por exemplo, representa menos de 0,1% do sistema. Sua quebra, embora não seja um fato aceitável, tem efeito pontual”, diz Alan De Genaro, professor da FGV e da FEA-USP.

Como a legislação é mais branda para as fintechs, elas apresentam custos regulatórios (para cumprir obrigações legais) menores do que os bancos, o que permite oferecer produtos mais baratos e com maior agilidade.

“As fintechs precisam de menos capital e menos funcionários para se estruturar. Por outro lado, elas também têm menos dinheiro do que um banco para investir em sistemas de segurança e podem acabar priorizando menos essa questão”, diz De Genaro.

Bancos tradicionais estão cada vez mais digitais

A evolução tecnológica e a necessidade de cortar custos estão levando os bancos tradicionais a migrarem para o mundo digital. O fechamento de agências físicas e o incentivo ao uso de aplicativos no celular ou do home banking no computador já fazem parte do cotidiano dos correntistas dos grandes bancos brasileiros. Segundo a Febraban, cerca de 35% das transações são feitas pelo celular atualmente.

“A digitalização do sistema bancário é inevitável. E ela não está acontecendo apenas nos bancos. Toda a sociedade está passando por um processo de maturidade digital. Por isso, é natural que surjam cada vez mais problemas relacionados à digitalização. Tanto as empresas como os clientes têm que se adaptar a uma nova realidade”, observa o professor Ricardo Rocha.

Para Fábio Braga, a separação entre bancos tradicionais e digitais faz cada vez menos sentido. “A tecnologia está avançando em ritmo acelerado. Tudo está cada vez mais ao toque do celular. O mundo está ficando menos complicado. Esse ganho que a tecnologia proporciona tende a compensar os riscos que ela também traz. As empresas precisam criar sistemas contra esses riscos, e nós temos que tomar consciência deles”, avalia o advogado do escritório Demarest.

Fintechs terão que aperfeiçoar sistemas de informação

Para Rocha, o problema da segurança não está em ser um banco digital ou tradicional, mas na forma como cada instituição gerencia seus sistemas. “Ambos estão sujeitos ao risco de vazamentos. Quem quiser crescer no mundo digital terá que melhorar sua gestão de risco, seus controles internos e, principalmente, a segurança da informação”, afirma o professor do Insper.

Na era da tecnologia, as informações pessoais são tão valiosas quanto o dinheiro depositado numa conta corrente. Em uma situação extrema, o cliente provavelmente conseguirá receber de volta o dinheiro retirado indevidamente de sua conta. Mas a violação do sigilo bancário ou o vazamento de outras informações relevantes podem ter impactos imprevisíveis.

Alan De Genaro  lembra do recente caso de uso indevido de informações de usuários do Facebook pela consultoria Cambridge Analytica. Pelo menos 443 mil brasileiros tiveram seus dados pessoais violados nesse episódio.

“No caso dos bancos digitais, a ideia de oferecer uma experiência agradável ao usuário quando ele acessa os aplicativos não pode ser a única prioridade. O banco precisa garantir que é seguro”, diz o professor da FGV e da FEA-USP.