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Advogados: acordo com caminhoneiro é inconstitucional e cidadão pode pagar

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

06/06/2018 04h00

As três Medidas Provisórias (MPs) anunciadas pelo governo na semana passada para atender às reinvindicações dos caminhoneiros são consideradas polêmicas e podem gerar questionamentos na Justiça pelas empresas que se sentirem prejudicadas, além de aumento de preços nos produtos para o consumidor final, avaliam advogados ouvidos pelo UOL.

A decisão mais problemática é a MP 833, que estendeu para as rodovias estaduais e municipais a isenção de cobrança de pedágio do eixo suspenso de caminhões vazios. A medida interfere diretamente nos contratos firmados por concessionárias de rodovias com estados e municípios.

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A MP 832, que estabelece uma política de preços mínimos para o frete rodoviário, deve provocar um aumento generalizado nos custos de transporte no país, com impacto sobre os preços de diversos produtos ao consumidor.

A MP 831, por sua vez, cria uma reserva de 30% do frete contratado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para cooperativas de transporte autônomo, sindicatos e associações de autônomos. A medida deverá aumentar as despesas da Conab, com reflexo indireto sobre as contas do governo, dizem os advogados.

Veja a opinião dos especialistas sobre as medidas tomadas pelo governo para pôr fim à greve dos caminhoneiros.

MP é inconstitucional, diz advogado

O artigo 17 da Lei 13.103/2015, conhecida como Lei dos Motoristas, já dispensava os caminhoneiros de pagar o pedágio do eixo suspenso em rodovias federais. Porém, a lei não deixava claro se a isenção valia para todas as estradas do país.

“O problema é que o governo federal não pode interferir no pedágio de rodovias estaduais ou municipais”, afirmou o advogado Carlos Ari Sundfeld, professor da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).

As concessionárias de rodovias estaduais e municipais nunca adotaram a lei, segundo o especialista. A MP 833 alterou o texto da Lei 13.103 justamente para deixar explícito que a isenção vale também para essas rodovias, sejam públicas ou concedidas à iniciativa privada.

“A MP foi feita para vencer a resistência dos estados, que nunca aplicaram a lei 13.103. Mas é uma medida claramente inconstitucional. O estado ou município pode simplesmente se negar a aplicar”, disse Sundfeld. “Além disso, há jurisprudência no STF indicando que é inconstitucional tirar receita de uma concessionária sem prever uma fonte de custeio que compense essa perda.”

Pedágio pode ficar mais caro para todos os veículos

Diante da perda de receita com a isenção de pedágio para o eixo suspenso de caminhões, as concessionárias de rodovias deverão solicitar aos governos estaduais e municipais a revisão de seus contratos para que haja o reequilíbrio econômico-financeiro da concessão.

“Os governos estaduais serão compelidos a assegurar uma indenização às concessionárias. Essa indenização poderá ocorrer mediante aumento das tarifas de pedágio, ampliação do prazo da concessão ou na forma de pagamentos públicos”, afirmou o advogado Fernando Vernalha, sócio do escritório VGP Advogados.

“Se a indenização for realizada por meio de aumento de tarifa, esse ‘subsídio’ aos caminhoneiros será custeado por todos os usuários de rodovias”, disse Vernalha. “Se for realizada por meio de pagamentos públicos, o custo será arcado por toda a sociedade. Os pagamentos virão das receitas gerais dos estados, que é formada principalmente por tributos.”

A ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias) informou que as empresas do setor estão aguardando um posicionamento dos governos estaduais sobre como será realizado o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. A entidade ainda não tem estimativa das perdas totais provocadas pela medida. Só em São Paulo, a redução de receita das concessionárias foi estimada em R$ 600 milhões por ano.

Tabelamento de frete deve encarecer produtos 

A MP 832 instituiu a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas e determinou que Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publique as tabelas com os preços de referência para cinco diferentes tipos de carga: geral, a granel, frigorificada, perigosa e neogranel.

Segundo a ANTT, a metodologia de cálculo considera os principais custos fixos e variáveis envolvidos no transporte e já inclui o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel firmado no acordo com os caminhoneiros. A tabela terá validade até 20 de janeiro de 2019 e, a partir daí, será revisada semestralmente.

“Com base em que está sendo calculado esse valor mínimo? A MP deixou muito aberta a questão do cálculo, delegando a responsabilidade para a ANTT. É uma medida que vai elevar o custo do tomador de frete, abrindo possibilidade para contestações jurídicas”, afirmou o professor da FGV Direito SP.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão do governo vinculado ao Ministério da Justiça, já declarou que qualquer medida de tabelamento de preços deve ser avaliada “com reserva”.

O Cade não foi o único órgão do governo a criticar a MP. Um parecer elaborado pelo Ministério da Fazenda e divulgado pela agência Reuters mostra que o tabelamento de fretes prejudica a economia, reduz a competitividade e a produtividade, eleva preços ao consumidor e aumenta custos em praticamente toda a economia.

Conab terá que repassar aumento de custos para o governo

A MP 831 estabeleceu uma reserva 30% do frete contratado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para as cooperativas de transporte autônomo, sindicatos e associações de autônomos.

Os transportadores serão contratados sem licitação, e o preço do frete não poderá ficar acima dos valores praticados pela estatal, vinculada ao Ministério da Agricultura. Hoje, os serviços de transporte de grãos são contratados por meio de leilão eletrônico.

“Ao criar uma reserva de mercado e eliminar boa parte da concorrência, essa MP vai provocar um aumento nos preços dos fretes”, afirmou Sundfeld.

“A Conab vai ter assumir esse custo maior. Como é uma empresa estatal, a diferença terá de sair dos cofres públicos. Ou seja, essa conta extra será rateada por todos nós”, disse o professor da FGV Direito SP.

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