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Medo do imprevisto faz mercado comparar eleição hoje com a de Lula em 2002

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Imagem: Arte/UOL

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

24/06/2018 04h00

O Brasil poderá viver nos próximos meses uma reprise das eleições de 2002. A polaridade ideológica nos discursos dos principais pré-candidatos à Presidência da República já causa calafrios entre os investidores.

Nas últimas semanas, o mercado financeiro começou a levar em conta a possibilidade de uma guinada na condução da política econômica e o engavetamento das reformas estruturais, como a da Previdência e a tributária.

O dólar disparou e chegou a valer R$ 3,96 no dia 7 de junho, trazendo a lembrança de 2002, quando a moeda passou dos R$ 4 pela primeira vez na história. Nos últimos dias, o dólar recuou um pouco, graças à atuação mais intensa do Banco Central no mercado de câmbio. O Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, acumula perda de quase 20% desde o início de maio.

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Cientistas políticos e economistas consultados pelo UOL traçaram um paralelo entre a atual realidade brasileira e os quadros econômico e político vividos pelo país há 16 anos. Veja quais são as principais semelhanças e diferenças entre as eleições de hoje e a disputa que levou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência em 2002.

Medo do imprevisível

“Esta eleição será marcada pela divergência entre o discurso e a realidade. Temos candidatos com perfis exclusivos. O que eles dizem hoje simplesmente pode mudar amanhã. E a forma como eles falam e agem tende a acentuar o nervosismo dos mercados”, afirma o cientista político Marco Antonio Teixeira, coordenador do curso de Administração Pública da FGV/EAESP.

Em 2002, o discurso de Lula gerou pânico entre os investidores, que temiam as medidas políticas e econômicas que o primeiro candidato de esquerda a chegar à Presidência da República poderia tomar. A preferência do mercado financeiro era pela eleição de José Serra (PSDB), candidato de centro que pertencia ao mesmo partido do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Diante da disparada do dólar e da queda da Bolsa na época, Lula se viu obrigado a amenizar o tom do discurso e decidiu redigir a Carta aos Brasileiros para acalmar os mercados. No documento, divulgado em junho de 2002, Lula prometia que, se fosse eleito, não adotaria medidas drásticas na economia, além de respeitar os contratos e obrigações do país.

“O medo que o mercado tem reside em alterações de regras jurídicas e no descontrole fiscal. Algumas reformas, como a da Previdência, são inevitáveis e não se sabe o quanto os prováveis candidatos brigarão com a realidade, caso sejam eleitos. A depender do que façam, o país quebra, a inflação dispara, investidores e investimentos desaparecerão”, afirma o cientista político Carlos Melo, do Insper.

“O mesmo temor havia em relação a Lula, em 2002. Medo que depois se dissipou, pois, ao assumir a Presidência, Lula surpreendeu ao dar sequência à política econômica que vinha de FHC”, diz Melo.

Situação faz empresas evitarem investimentos

Não é apenas o mercado financeiro que sente o impacto das pesquisas eleitorais. Grandes empresas nacionais e estrangeiras também são prejudicadas pelo sobe-e-desce dos gráficos de preferência de voto.

“As incertezas sobre os projetos políticos e econômicos dos candidatos atingem mais rapidamente os preços dos ativos financeiros, como dólar e ações. Mas a dúvida também pesa sobre o setor real da economia”, diz Antonio Corrêa de Lacerda, professor de economia política da PUC-SP.

O economista acredita que, se uma empresa pretende realizar um grande investimento no país, como a construção ou ampliação de uma fábrica, certamente vai esperar a definição do cenário eleitoral e uma indicação de como será a política econômica do próximo presidente antes de tomar a decisão.

“Você precisa trabalhar em cima de expectativas. Ter uma ideia de como vão estar o dólar e os juros lá na frente. Como será a política econômica do próximo governo. Enfim, precisa ter parâmetros para seus cálculos. O fato é que hoje o cenário está turvo”, afirma Lacerda.

“Ou seja, essa incerteza acabará batendo no crescimento econômico, que já está baixo e tende a ficar pífio até o fim do ano”, diz o economista da PUC-SP.

Bolsonaro e Ciro são os que dão mais incerteza

Na ponta direita da disputa presidencial está o pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL). Do lado esquerdo, Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) dividem as preferências de parte do eleitorado.

Por enquanto, as pesquisas não apontam chances de vitória de nenhum pré-candidato de centro, como Geraldo Alckmin (PSDB) ou Henrique Meirelles (MDB), que possuem discursos alinhados com o cenário econômico atual.

Para os especialistas ouvidos pelo UOL, Bolsonaro e Ciro representam os candidatos com maior grau de incerteza em relação à forma como conduzirão a política econômica, se eleitos. Ambos pregam discursos tipicamente nacionalistas.

“Esse fenômeno nacionalista no Brasil não é um fato isolado. Está acontecendo no mundo todo. Basta pensar na eleição de [Donald] Trump, que agora está comprando briga com a China. O Brasil nunca poderia entrar em guerra comercial com os chineses. Somos dependentes do capital chinês. Eles investem em vários setores aqui”, diz Teixeira, da FGV.

“Bolsonaro é uma grande incógnita. Ele pouco se manifesta sobre assuntos gerais. Embora conte em sua equipe com o Paulo Guedes, que é ultraliberal, não há convicção no mercado de que ele seguirá as propostas do economista”, afirma Lacerda, da PUC-SP.

“Bolsonaro não tem uma linha de conduta que dê segurança. O que ele diz hoje simplesmente pode mudar amanhã. Se você prestar atenção vai perceber que ele diminuiu o tom do discurso que pregava há alguns anos para poder alcançar um eleitorado maior. Ele tem um economista liberal em sua equipe, mas esse fato não transmite confiança”, declarou Teixeira.

O professor da FGV fez ainda um paralelo entre Bolsonaro e a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989. “Assim como Bolsonaro faz hoje, Collor pregava um discurso moralista e se candidatou por meio de um partido nanico [o Partido da Reconstrução Nacional, PRN], o que dificultou a formação de alianças no seu governo. O discurso acabou virando retórica.”

Candidatos de esquerda contestam modelo

Já os candidatos de esquerda tendem a contestar o modelo econômico vigente, embora aceitem que algumas questões, como ajuste fiscal e a reforma da Previdência, são necessárias para o país, avaliam os especialistas.

“Se você pegar a turma da esquerda, de Ciro [Gomes] a [Guilherme] Boulos (PSOL), a maioria deles reconhece que é preciso fazer as reformas, mas não nos termos que estão sendo discutidos hoje. Eles entendem que o ajuste deve ser feito via estímulo ao crescimento e não dentro de um quadro de recessão. A reforma tributária, por exemplo, precisa ser muito mais ampla, para efetivamente corrigir distorções”, afirma Lacerda.

No caso de Ciro Gomes, o professor Marco Antonio Teixeira lembra que o pedetista é conhecido pelo temperamento intempestivo e ainda vê um distanciamento entre o que o candidato diz e o que defende seu economista de campanha, Mauro Benevides Filho.

“Benevides parece comprometido com o ajuste fiscal. Mas o discurso de Ciro aparentemente não condiz com essa ideia. Precisamos ver qual será o projeto do Ciro para o Estado e se esse projeto vai caber na conta fiscal. Se não couber, ele não terá condições de aplicá-lo na prática”, declarou Teixeira.

Contas externas melhoraram, mas há desemprego e PIB fraco

As semelhanças entre o Brasil de 2002 e o de hoje limitam-se ao clima de divergências políticas que marcaram as duas épocas. Quando analisada a situação econômica do país há 16 anos e atualmente, o quadro é bastante distinto, afirmam os especialistas.

“Em 2002, o Brasil estava tentando sair de uma crise de balanço de pagamentos [registro das transações comerciais e financeiras do país com o resto do mundo]. As contas externas estavam vulneráveis. Havia um grande déficit, e as reservas internacionais eram de apenas US$ 30 bilhões”, afirma o professor Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP.

Em 10 de outubro de 2002, o dólar registrou a maior cotação da história até aquela data, de R$ 4,05. Esse valor só foi superado em setembro de 2015, durante o governo de Dilma Rousseff (PT).

“Hoje, o balanço de pagamentos está mais equilibrado e as reservas do país superam os US$ 300 bilhões. Em tese, o Banco Central conta com uma munição muito maior para conter a volatilidade cambial. Ele pode usar as reservas para atuar no mercado à vista, se quiser. Ou atuar no mercado futuro com emissão de swaps [contrato que funciona como um seguro contra as oscilações do câmbio], como tem feito”, explica o economista.

Em contrapartida, o país vive hoje um nível de desemprego maior do que em 2002, quando a taxa ficou em 11,7%. No mês passado, mais de 13 milhões de pessoas estavam sem trabalho, o equivalente a 12,9% da população ativa, segundo o IBGE.

Além disso, a atividade econômica dá sinais modestos de recuperação, com crescimento de 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre deste ano, após forte contração em 2015 (-3,5%) e 2016 (-3,5%) e leve alta de 1,0% em 2017. Em 2002, país havia crescido 2,7%.

“A recente crise econômica reduziu a arrecadação e afetou a capacidade de atuação do Estado. Por essa razão, o ajuste fiscal é uma questão relevante com que os candidatos terão que lidar”, afirma Lacerda.

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