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O que esperar dos 'velhinhos' de Chicago, a equipe econômica de Bolsonaro

Marcello Casal jr/Agência Brasil
Imagem: Marcello Casal jr/Agência Brasil

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

02/12/2018 04h00

Um Estado enxuto, contas fiscais e inflação sob controle, estímulo à livre concorrência. Essas são algumas das ideias defendidas pelos economistas egressos da Universidade de Chicago, berço do pensamento liberal, que deverá guiar a política econômica brasileira a partir do ano que vem.

Paulo Guedes, o "superministro" da Economia –que acumulará as funções da Fazenda, do Planejamento e de Indústria e Comércio–, ganhou carta branca do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para montar sua equipe como bem desejasse. Decidiu trazer vários colegas brasileiros que passaram pela escola americana e conseguiu algo inédito no Brasil: uma equipe inteira que compartilha da mesma linha de pensamento econômico.

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"É uma equipe homogênea", afirmou José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.

"O fato de todo mundo pensar parecido reduz as divergências e agiliza o andamento dos projetos", comentou Eduardo Velho, economista-chefe da GO Associados.

"Chicago Oldies"

A turma de Guedes já ganhou apelido: os "Chicago Oldies" (velhinhos de Chicago), uma referência aos "Chicago Boys" (garotos de Chicago), nome dado ao grupo de jovens economistas que formulou a política econômica do Chile nas décadas de 1970 e 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet.

O apelido foi dado pelo economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central na década de 1980, e considerado o primeiro "Chicago Boy" brasileiro, ao obter título de PhD na escola americana no início da década de 1970.

O "Chicago Oldie" mais novo da turma de Guedes é Joaquim Levy, 57, escolhido para comandar o BNDES. Levy foi secretário do Tesouro no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ministro da Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff, trabalhou no Bradesco e, mais recentemente, ocupava uma diretoria no Banco Mundial.

Rubem Novaes, que vai presidir o Banco do Brasil, foi diretor do BNDES e presidente do Sebrae.

Roberto Castello Branco, futuro presidente da Petrobras, ocupou um assento no conselho da estatal durante o segundo mandato de Dilma e foi executivo da Vale por 15 anos.

Estado mínimo e livre concorrência

O modelo de Chicago, que ficou conhecido como Monetarismo, teve como seu principal pensador o economista Milton Friedman, criado da famosa frase "não existe almoço grátis", uma referência ao trabalho árduo e à meritocracia.

Entre as ideias defendidas pelos economistas de Chicago está a do Estado mínimo. O governo deve interferir o mínimo possível na economia, privatizar estatais e combater monopólios, deixando que os mercados se regulem sozinhos. Além disso, deve estimular a concorrência, permitindo maior participação de empresas estrangeiras no mercado nacional.

Chicago X Unicamp

O modelo liberal de Chicago ganhou força após a Segunda Guerra, na década de 1940, como uma reação à teoria Keynesiana, do inglês John Maynard Keynes, que considera que a intervenção do Estado é necessária para impulsionar a economia, por meio do gasto público. Esse modelo surgiu após a Grande Depressão de 1930.

No Brasil, a escola de economia da Unicamp é a principal seguidora da teoria Keynesiana e, portanto, opositora ao modelo liberal pregado por Chicago. A escola do interior paulista teve entre seus alunos de mestrado e doutorado a ex-presidente Dilma Rousseff, que não chegou a obter os títulos.

No quadro de professores da Unicamp está Marcio Pochmann, conselheiro econômico de Fernando Haddad (PT), candidato à Presidência derrotado por Bolsonaro nas últimas eleições.

Cada um por si

"Se o governo é eficiente, a máquina é enxuta, se há equilíbrio fiscal, então a sociedade faz o resto. É desta forma que pensa o pessoal de Chicago", afirmou Ricardo Rocha, professor do Insper.

"Eles acreditam na livre concorrência, na capacidade de empreendedorismo das pessoas. É praticamente um 'Darwinismo' econômico. Vence o mais forte ou aquele que se adapta melhor ao meio ambiente", disse Rocha, comparando o modelo de Chicago à teoria da Seleção Natural, desenvolvida por Charles Darwin.

"O viés ideológico deles é o 'cada um por si'. Os indivíduos devem concorrer entre si em busca de um bem-estar. Lembra um pouco a lógica do ratinho de laboratório correndo em busca do alimento. Prevalece o espírito animal em detrimento da racionalidade humana", disse Gonçalves, do Banco Fator, ao criticar a forma de pensamento liberal de Chicago, que ele considera extremo.

Privatizações à vista

Paulo Guedes já sinalizou que seguirá a cartilha de Chicago à risca e deverá privatizar o maior número de estatais possível. A expectativa inicial é levantar cerca de R$ 800 bilhões com a venda de estatais, que serão usados para abater a dívida pública.

Novaes disse que pretende enxugar a estrutura do Banco do Brasil. Castello Branco já declarou que é contra a política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobras durante o governo Dilma, que impediu que os preços acompanhassem o mercado internacional.

Articulação política é dúvida

Apesar da homogeneidade da nova equipe econômica, preocupa o fato de que boa parte de seus membros possui pouca ou nenhuma experiência política, incluindo o próprio Guedes. "Ele é um cara muito bom em traçar cenários econômicos. Mas falta o jogo de cintura, a articulação necessária para lidar com os políticos de Brasília", disse Gonçalves.

Joaquim Levy, por exemplo, sentiu essa dificuldade quando ocupou o Ministério da Fazenda no início do segundo mandato de Dilma. Ele pretendia colocar em prática um plano agressivo de ajuste das contas públicas, mas o projeto esbarrou na resistência do Congresso e dos próprios colegas de governo.

Paulo Guedes, por sua vez, carrega a fama de "pavio curto" entre pessoas que conviveram com ele no mercado financeiro e na época em que era professor. A personalidade forte pode se tornar um fator de dificuldade.

"O Guedes dependerá muito da articulação do Bolsonaro, que, em tese, sabe como funciona o jogo político no Congresso, pois esteve lá por vários mandatos", disse Ricardo Rocha, do Insper.

O grande desafio da equipe liderada por Guedes, avaliam os especialistas, será implementar uma ampla reforma da Previdência. "Certamente eles querem adotar o modelo chileno, ou seja, trocar o sistema de repartição pela capitalização", disse Velho, da GO Associados. "Haverá muita resistência política. Talvez adotem uma solução mais simples inicialmente."

O modelo de repartição, adotado hoje no Brasil, prevê que todos os trabalhadores contribuam para bancar todas as aposentadorias. O modelo de capitalização, implementado no Chile pelos "Chicago Boys" na década de 1970, prevê que cada trabalhador faça sua própria poupança previdenciária, que é depositada em uma conta individual. O risco desse modelo, porém, é reduzir o valor das aposentadorias no futuro.